O adeus ao AM

PRO EX SET/Unesp – Convênio SET/Unesp

 Nº 153 – Ago 2015

por Equipe Unesp*

Interesses distintos convergem para esta nova etapa do Rádio no Brasil. Emissoras de Radiodifusão em Amplitude Modulada com transmissão em Ondas Médias que não migrarem para a Frequência Modulada até 2018 serão desativadas

Há uma grande polêmica em torno da história de “quem é o pai do rádio”. Alguns acreditam que o inventor do aparelho responsável por transmitir ondas sonoras a distância foi Guglielmo Marconi, um italiano que no dia 25 de setembro de 1896 patenteou o registro de sua criação. Há outros que atribuem o mérito da invenção ao austríaco-americano Nikola Tesla. Porém, muitos ainda acreditam que em 1894 o padre e cientista brasileiro, Roberto Landell de Moura apresentou seu sistema de emissão de ondas sonoras do bairro de Santana por oito quilômetros até a Avenida Paulista, e graças a Landell, que também era engenheiro, a Marinha brasileira realizou, em primeiro de março de 1905, diversos teste de mensagens telegráficas no encouraçado de Aquidaban. Contudo, o mundo reconhece, oficialmente, o italiano Guglielmo Marconi como o pai da invenção, tanto que o dia do rádio é comemorado no dia 25 de setembro.
Em 1906, foram iniciadas as primeiras transmissões utilizando a frequência AM por Reginald Fessenden, em Massachusetts, nos Estados Unidos. O rádio se desenvolveu tanto que acabou se tornando o meio de comunicação mais importante do mundo, superou até a importância dos jornais impressos. O veículo teve sua era de ouro entre os anos 1920 e 1950, com coberturas de guerra, radiojornais, novelas, programas de auditório e programas variados de entretenimento. O que enfraqueceu a popularidade do rádio AM foi o surgimento do FM e da televisão.

A rádio de quase 60 anos de história é situada no centro de Bauru e tem uma equipe com cerca de 30 pessoas

A primeira transmissão radiofônica no Brasil ocorreu em 7 de setembro de 1922, no primeiro aniversário da Independência do país, mediante uma antena instalada no Corcovado, Rio de Janeiro. Durante a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, o então Presidente da República, Epitácio Pessoa, dirigiu uma mensagem aos poucos proprietários de rádio e ao público aglomerado no pavilhão da Exposição.
O comunicado presidencial foi ouvido também em Niterói, Petrópolis e São Paulo; e a ópera Guarany de Carlos Gomes, que estava sendo apresentada no Teatro Municipal, foi transmitida à multidão, conforme noticiou o Jornal A Noite na edição de 8 de setembro daquele ano.
A primeira emissora do Brasil foi fundada menos de um ano depois, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, projetada pelo antropólogo Roquette Pinto. No início, a programação da rádio era composta por programas de humor, teatro e histórias reais dramatizadas. No cenário musical predominava o samba. O jornalismo também ganharia espaço, com grande destaque para o Repórter Esso, lançado em 1941 pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Mas a grande invenção da programação radiofônica foram os programas de auditório, que se tornaram indispensáveis em qualquer emissora a partir dos anos 1940.

A mesa de som da rádio Auriverde já está nos moldes de grandes emissoras FM

Com o surgimento da televisão, na década de 1950, programas aclamados, e consecutivamente as mais famosas vozes, entre elas Ary Barroso, Ângela Maria, Cauby Peixoto, abandonaram as rádios. “Todos os ‘medalhões’ do rádio – Lima Duarte, Chico Anísio, Chacrinha – saíram e foram pra televisão. Esvaziou-se o rádio”, comenta o diretor geral da Rádio Auri- Verde de Bauru, Alexandre Pittoli. Segundo ele, as emissoras radiofônicas sofrem até hoje na disputa com a televisão pela audiência e por investidores devido a esse êxodo.
Até 1955 as rádios brasileiras transmitiam em Amplitude Modulada (AM), ano em que a carioca Ana Khoury implantou a Frequência Modulada (FM), que havia sido patenteada em 1933 pelo americano Edwin Howard Armstrong.
Ana Khoury foi a única rádio FM no Brasil até 1976.
Em 2006 o Ministério das Comunicações definiu, através do Decreto nº 5.820, de 29 de junho, a transição das emissoras de televisão do sistema de transmissão analógica para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Com essa mudança a faixa de 54 a 88 MHz, antes destinada para os canais “baixos” (VHF) da televisão, ficaria desocupada. Tendo isso em vista, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) propôs a migração das rádios AM que operam na faixa de Onda Média (OM) para a FM, assim, a faixa atualmente utilizada para transmissão em Amplitude Modulada poderá ser destinada às empresas de telecomunicações para desenvolverem o sistema 4G.

O atual diretor da Auriverde e a voz do programa “Alô Bauru” trouxe inovação para a rádio e tem grandes expectativas com a migração para a faixa FM

Nova fase, a migração No dia 7 de novembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto nº 8139 o qual permite que emissoras radiofônicas migrem da frequência AM para a FM. As rádios AM interessadas tiveram de 24 de março de 2014 até 10 de novembro do mesmo ano para fazer a solicitação de mudança. De acordo com o Ministério das Comunicações, cerca de 80% das rádios AM do Brasil (aproximadamente 1400 emissoras) fizeram o pedido.
Em 1995 a internet começava a ser implantada no Brasil. Apenas 20 anos após sua chegada, a internet, juntamente com o rápido e dinâmico avanço de novas tecnologias de dispositivos móveis, causou uma mudança radical no hábito de consumo, aprendizagem e vida dos jovens.
As crianças aprendem a desbloquear o tablet ou smartphone antes mesmo de aprender a falar. Para atrair esse novo público jovem que prefere mais o entretenimento do que a informação, as rádios FM apostaram em uma programação mais musical, com uma linguagem bem informal e descontraída. Sem contar que em quase todos os dispositivos móveis há uma ferramenta de rádio FM.

Rádio Auriverde conta com estrutura para veicular conteúdo de qualidade para Bauru e região

As frequências em AM não estão disponíveis em dispositivos móveis e, nos rádios dos automóveis, sua programação não é chamativa para as gerações mais jovens, uma vez que tem seu foco na informação e prestação de serviços, além da qualidade sonora ser menor em comparação a uma FM. Logo, as rádios que transmitem no AM não conseguem atrair ouvintes e, em decorrência disso, tem cada vez mais dificuldade para manter a estrutura das emissoras. Mas a migração não foi uma decisão puramente benevolente com os radiodifusores. Havia também pressão das empresas de telefonia móvel, interessadas na liberação do espectro de AM para poderem implementar o 4G no país.
Ainda sem definição no Brasil, o Rádio Digital seria outra alternativa interessante para as emissoras AM.
Segundo Alceu Rodrigues, diretor executivo da rádio 94 FM de Bauru e diretor da AESP (Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo), tanto as rádios AM como as FM sairiam ganhando, uma vez que “o som do AM ficaria com qualidade de FM, e a qualidade de som do FM ficaria igual à dos CD’s”. Assim, caso o Rádio Digital fosse implantado, a melhora na qualidade de som do AM tornaria possível uma inovação na grade de programas para atrair um novo público mais jovem e, consequentemente aumentar o faturamento das emissoras. Dessa forma, não seria necessária a migração. Para o Ministério das Comunicações (MiniCom), a digitalização iria “promover a ampliação da cobertura do serviço de rádio no território nacional”. Contudo, as rádios testadas com sistema digital apresentaram problemas, o que levou o Governo a adiar a digitalização das emissoras e adotar a migração como forma de atender a pressão dos radiodifusores por mudanças.

O mesa do técnico de som é uma nova aquisição da rádio, que está em transição para a faixa FM

Para que a migração ocorra, é necessário que o espectro eletromagnético consiga abrigar a quantidade necessária de frequências para as novas rádios de FM. Para que as rádios possam transmitir seus sinais sem que haja interferência na “via” onde não há espaços livres no espectro, as emissoras terão que utilizar a chamada “faixa estendida”.
Conforme explica Pittoli, as rádios que atuam em regiões com poucas emissoras poderão migrar para o dial convencional, de 88 a 108 MHz, tendo 90 dias para desligar o transmissor de AM. Já as regiões onde o dial convencional está muito congestionado, como acontece nos grandes centros urbanos, as emissoras terão que migrar para a faixa estendida da FM, de 78 a 86 MHz; nesses casos, as prestadoras de radiodifusão terão o prazo de cinco anos para desativar o transmissor de amplitude modulada, podendo transmitir simultaneamente nas duas faixas até lá.
Os gastos da migração das AM para a FM, além do pagamento da outorga e do uso da radiofrequência, envolvem também a adequação do equipamento e mudança de terreno das antenas. Ainda que algumas emissoras consigam que as prefeituras lhe cedam algum lote, os valores são altos.
Para tornar a migração viável, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) promete oferecer linhas de financiamento específicas para a mudança. “Se não houver financiamento, muita gente para por aí”, afirma o diretor geral da Auri-Verde.

Dentro da sala de gravação, além de microfones de última geração, a rádio conta com paredes revestidas de tecidos com ranhuras para barrar a voz – uma opção mais moderna que paredes de espuma

A “faixa estendida” corresponde aos canais analógicos de televisão 5 e 6. Estes só serão liberados quando o switch-off da TV analógica acontecer – está programado para acontecer desde abril de 2016 até 2018.
A televisão analógica transmite sinal de televisão aberta através de uma antena de transmissão de sinal de TV utilizando a faixa de frequências VHF.
Quando o sinal analógico for desligado em todo o país as emissoras de TV passarão a transmitir somente em sinal digital. O sinal de televisão Digital é captado graças a uma antena de transmissão de sinal UHF que está conectada a um conversor digital integrado ou a um set-top-box que por sua vez está conectado ao televisor transmitindo, assim, o conteúdo audiovisual para os aparelhos de TV. Essa faixa liberada pelo desligamento da TV analógica, que atualmente vai do 87.9 MHz a 107.9 MHz, será estendida de 76 MHz a 107.9 MHz.

Esta aparente solução na verdade é um problema, na opinião de Alexandre Pittoli. Ele afirma que os milhares de aparelhos de rádio atuais não possuem essa faixa em seu dial. “Os novos aparelhos já virão com essa faixa de frequência, mas nos antigos, as rádios que ocuparem esta faixa simplesmente não serão ouvidas”, afirma Pitotti.
O estado do Rio Grande do Norte foi o primeiro a ser contemplado pelo Ministério das Comunicações para que rádios AM migrassem para FM. Foram oito rádios autorizadas a migrar. São elas: Rádio Tairy LTDA, Rádio Cultural do Oeste LTDA, Rádio Cabugi LTDA, Radio Ouro Branco LTDA, Rádio Curimatu de Nova Cruz LTDA, Rádio A Voz do Serido LTDA, Alagamar Rádio Sociedade LTDA, e Rádio Eurico Bergsten.

Alexandre Pittoli faz locuções de dentro da Rádio Auriverde para todo o Brasil

Diferenças clássicas entre AM e FM Todo ouvinte de rádio consegue diferenciar o som propagado pelas ondas AM do som das FM, mas só se estiver ouvindo música. O tom médio, presente na voz humana, é semelhante tanto nas AM quanto FM, e nosso ouvido as captam da mesma forma, as diferenças se tornam mais evidentes quando a análise se dá por questões técnicas e os tipos de captação e transmissão das ondas.
“O transmissor de AM tem características absolutamente distintas do transmissor de FM, tem de ficar numa área descampada, de preferência alagada, a exemplo de beira de brejos e córregos, devido ao tipo de torre de transmissão: estaiada”, explica Pittoli.
Segundo ele, ofuncionamento do mecanismo é próximo ao de pilhas químicas, já que a torre é positiva e em sua volta, existem anéis (ou radiais) negativos. Assim, o sinal pode trafegar da emissora até o transmissor através de cabos de telefonia.
Ao chegar à torre, há a junção dos positivos com negativos, fazendo com que a área alagada em volta do transmissor conduza a energia e envie o sinal até áreas distantes, sendo esta a característica que coloca as rádios AM em vantagem as FM no quesito área de cobertura.
“O que vai mudar a distancia alcançada é potência da rádio – quanto maior a potencia, maior a distancia.
Um exemplo notável é a Rádio Tupi do Rio de Janeiro com 100KW de potência”, conclui.
O sinal AM tem menor largura de banda, permitindo que tenha mais estações disponíveis nas frequências de rádio. No entanto, é mais suscetível a ruídos até mesmo de outros eletrônicos e eletrodomésticos, pois o barulho afeta a amplitude da onda – onde a informação é armazenada no sinal AM. Em casos de suporte SSBSC AM, ainda é necessário que haja a sincronização do som na hora da transmissão.
O transmissor de ondas FM depende de uma topografia muito diferente do AM. A lei é quanto mais alto melhor para posicionar os transmissores. A qualidade do som propagado é melhor devido a sua largura de banda maior, todavia, o sinal pode ser interferido por barreiras físicas e não alcança grandes distâncias.
O sinal FM é menos suscetível a barulhos justamente por ser transmitido pela variação de frequência e não de amplitude, como o próprio nome diz. A transmissão é bem mais complexa em relação as AM, já que é feita através de link aéreo.
Atualmente, as rádios AM podem ter mesa ou componente de som iguais aos do FM, mas isso não é uma realidade para todas, fazendo com que seja necessário a mudança desses equipamentos na migração de faixa. Para as que já possuem componente de som, sua programação pode ser ouvida na internet em qualidade igual ao das ondas.
As rádios FM, também, têm a possibilidade de dar identidade ao seu som, através de equalizadores como o Optimod Orban, famoso entre as emissoras.

Uma rádio preparada para a mudança
Fundada em 1956, a Rádio Auriverde AM é uma das mais importantes emissoras do centro-oeste paulista e conta com uma audiência antiga e fiel. Até o final de 2014, a rádio manteve sua programação básica, tipicamente de uma rádio AM do interior e estava passando por dificuldades. No entanto, a virada do ano trouxe uma nova esperança para a rádio, que agora está mais do que preparada para a mudança de faixa.
Com a remodelação da programação de forte produção jornalística, inserção de equipamentos modernos e instalações apropriadas para uma boa locução, a Auriverde aguarda com ansiedade a alteração para a faixa FM. Alexandre Pittoli, acredita que a migração para o FM vai fazer com que a rádio perca a geração envelhecida, mas vai ganhar uma nova parcela, não menos importante, que poderá viabilizar a rádio financeiramente na nova faixa.
Atualmente, a rádio dita as notícias da cidade Bauru e tem um portal de notícias online, onde disponibiliza também playlists de músicas para não perder ouvintes para as rádios FM, que propagam em sua grande maioria conteúdo musical.

Destino do AM
A migração das rádios AM para a faixa de FM não visa somente livrar os radiodifusores de uma situação agonizante. Quando o espectro de amplitude modulada for liberado, ele será utilizado para a telefonia de quarta geração (4G). Claro, Tim e Vivo foram as primeiras a garantir lotes na faixa de frequência de 700 MHz. O preço mínimo da outorga era de 1 bilhão, 927 milhões de reais.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) acredita que ao utilizar a faixa de 700 MHz, será viável levar a internet em banda larga e o 4G para regiões rurais, devido às longas distâncias de cobertura da frequência e com um custo operacional baixo.
Para Eduardo Rodrigues, responsável técnico da Rádio 94 FM de Bauru, as frequências de AM que sobrarão quando as rádios da cidade migrarem para o FM também teria função para rádio farol de aeroporto. Rádio farol é uma antena que emite um sinal em código morse para avisar os aviadores onde se localiza o aeroporto da cidade, pois não demanda longas distâncias de alcance.

* Reportagem produzida pelos alunos Isaac Toledo, Jéssica Dourado, Júlia Gonçalves e Nathane Agostini do curso de Jornalismo da Unesp/Bauru como atividade do acordo de cooperação entre a Revista da SET e o Projeto de Extensão Tecnologia em Televisão sob orientação do prof. Dr. Francisco Machado Filho


 

Obstáculos para a migração

Para Alceu existem três problemas principais para que as emissoras consigam migrar do AM para o FM, utilizando a faixa estendida.
A transmissão digital: Todas as emissoras de TV de um município devem transmitir sua programação por meio de sinal digital e todas as residências devem receber em sinal digital, ou seja, todas as televisões tem que ser digitais ou possuir um conversor para que não haja interferência no sinal.
Rádio com faixa estendida: Os dispositivos móveis, como celulares, tablets e aparelhos de rádio têm que possuir a faixa estendida para que ela possa ser sintonizada não tenha interferência em outras frequências.
Alto custo de mudança: Os sistemas de rádios AM e FM são completamente diferentes. Enquanto emissoras AM são mono e precisam que sua antena fique em lugares úmidos e baixos, as FM são estéreo e suas antenas necessitam de lugares altos para que sua transmissão seja feita com qualidade. Dessa forma, a infraestrutura das rádios AM será completamente remodelada. As rádios também terão que pagar a diferença entre a outorga de AM e de FM. O custo total deve ser em torno de R$ 800 mil.
Por causa disso, Alceu defende que o Governo abra uma linha de crédito para os radiodifusores, principalmente para rádios de cidades pequenas do interior.


Diretor da Auri-Verde palestra para alunos de Jornalismo da Unesp

No dia 14 de julho o diretor geral da rádio Auri-Verde esteve no campus da Unesp Bauru para conversar com alguns alunos do curso de jornalismo. De forma bem descontraída, Pittoli explicou como funciona todo o processo de migração da AM para a FM – o Decreto, os motivos da transição, a adequação das emissoras na nova faixa e o destino do espectro de amplitude modulada que ficará desocupado. Comentou quais as diferenças de transmissão das ondas, os equipamentos utilizados e as especificidades dos terrenos onde ficam as antenas.
Contou também como modernizou a programação da rádio para conquistar novo público e se preparar para a migração para a FM, e como isso afetou os ouvintes mais antigos. Falou ainda de como remanejou a equipe de jornalismo para ser o primeiro a noticiar em Bauru. A atividade foi parte do projeto de extensão ProEx, Tecnologia em televisão, um convénio SET/Unesp.