RNP transmitiu pela primeira vez cirurgias com transmissão simultânea em 4K

A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) promoveu a primeira transmissão de quatro cirurgias em 4K, em tempo real e de forma simultânea, diretamente do Brasil para os Estados Unidos na passada terça-feira, 10 de dezembro de 2013 utilizando um software criado pelo Lavib/UFPB que transmite, reproduz, armazena e transcodifica vídeos UHD (Ultra Alta Definição).

Nº 139 – Dez 2013 e Jan 2014

Por Fernando Moura

Reportagem

Os médicos puderam ver as imagens em 4K no o Hotel San Marco, em Brasília porque a transmissão foi realizada através de redes IP.

primeira transmissão ao vivo no mundo de uma cirurgia com tecnologia de vídeo e áudio 4K foi possível pela utilização do pacote de software denominado “Player Fogo’’, desenvolvido pelo Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital da Universidade Federal da Paraíba (Lavid/UFPB), em parceria com a RNP.

Leandro Ciuffo, gerente de pesquisa e desenvolvimento da RNP, disse à Revista da SET que o projeto de engenharia foi iniciado em 2011 e “foi inspirado por uma limitação técnica: incapacidade de armazenar Terabytes de dados (tamanho típico de um filme 4K) nas máquinas disponíveis na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Em função disso, a arquitetura da solução “fatia” o conteúdo em múltiplos quadrantes de resolução full HD. Esses quadrantes podem ser armazenados e transmitidos independentemente, a partir de fontes distribuídas, e são sincronizados pelo Player no local de exibição”.
Essa arquitetura, explicou Ciuffo, “também garante a escalabilidade da solução” e não só, o Lavid já pensa no futuro, por isso “já foram feitos os primeiros testes de exibição na resolução 8K, através do sincronismo de 16 quadrantes”, disse.

 

Os técnicos do Lavid/UFPB instalaram no Hotel San Marco um projector e câmera 4K para que os assistentes pudessem ver as imagens da operação.

Cirurgias
Foram transmitidas cirurgias de próstata, fígado, buco-maxilo e coração para 150 pessoas em San Diego, nos Estados Unidos, e para 60 pessoas no Brasil. A plateia brasileira contou com funcionários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), e da Universidade de Brasília (UnB), além de médicos e pesquisadores. Na Califórnia, a demonstração fez parte do CineGrid, evento que conta com a participação de profissionais de cinema e tecnologia da informação vindos de todas as partes do mundo, além de médicos e pesquisadores da Universidade de San Diego.
“Esse projeto permite que a tecnologia seja utilizada para potencializar a pesquisa e a educação no nosso país. Ele favorece a segunda opinião médica e a formação permanente dos profissionais de saúde. Como eram cirurgias, optamos pela transmissão em tempo real e sem compressão para ser o mais fiel possível à realidade”, explicou Ana Veiga, gerente do programa de soluções digitais para saúde da RNP. Ela ressalta que a utilização de equipamentos relativamente baratos permitirá, a médio prazo, que todos os hospitais universitários brasileiros contem com esse serviço.
“Trata-se de um grande ganho para a educação. Com as transmissões em 4K, estudantes, pesquisadores e profissionais de saúde poderão assistir às cirurgias detalhadamente e discutir com os especialistas. Para se ter uma ideia, um coração, por exemplo, passa a ter o tamanho de um ser humano na tela”, explicou Luiz Ary Messina, coordenador da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), projeto da RNP que visa apoiar o aprimoramento de projetos em telemedicina já existentes e incentivar o surgimento de futuros trabalhos interinstitucionais.

A transmissão teve como parceiros da RNP, os hospitais universitários federais de Brasília (HU-UnB), de Porto Alegre (HCPA/UFRGS), do Espírito Santo (HUCAM/ UFES) e do Rio Grande do Norte (HUOL/UFRN) que foram os responsáveis pelos procedimentos cirúrgicos.

 

Leandro Ciuffo, gerente de pesquisa e desenvolvimento da RNP afirma que um dos grandes desafio “foi evitar o congestionamento na rede”.

Transmissão
Para a transmissão foram utilizadas câmeras JVC GY-HMQ10 4K compact handheld. A transmissão para San Diego, na Califórnia, Estados Unidos e para o Hotel San Marco, em Brasília, foi realizada através de redes IP, “em particular usando a internet acadêmica provida pela RNP e redes acadêmicas nos Estados Unidos. Na maior parte do caminho, o meio físico da transmissão foi fibra óptica, com uma taxa de transmissão de aproximadamente 3,5 Gb/s”, disse Ciuffo.
Segundo ele, a transmissão foi realizada “sem compressão. Nos experimentos que envolvem compressão, a solução usa codificadores H.264 via software. A captura e transmissão das imagens foi realizada no formato 4K RAW, sem compressão e sem perdas, a 60 frames por segundo, com varredura progressiva” Na transmissão realizada no dia 10 de dezembro de 2013, o “player (que é um servidor PC com 2 placas de vídeo) possui duas funções: emissor e receptor de sinal. No caso, as quatro saídas HDMI da câmera JVC foram ligadas nas placas de vídeo do player 4K e transmitido via rede”.
Segundo explicou Valdecir Becker, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Nucleo de Pesquisa e Extensão LAVID/UFPB, o “Player Fogo” transmite o vídeo (Streamer), reproduz (Player), armazena (Storage) e transcodifica os vídeos em outros formatos. “Além de ser um sistema completo, o software tem um outro grande diferencial em relação aos demais players 4K no mercado: ele usa computadores pessoais normais, vendidos em qualquer loja de informática. Tecnicamente, isso é chamado de “hardware de prateleira”, ou em inglês, COTS (Comercial off-the-self). Esse fato torna o “Player Fogo” muito mais barato de ser implementado do que os sistemas concorrentes, que usam supercomputadores, o que á algo extremamente importante para a disseminação da telemedicina pelo Brasil todo”.
Para Becker, vice-diretor editorial da Revista da SET, “o 4K é hoje a maior e melhor resolução possível de ser transmitida. Já o formato RAW não tem qualquer compressão, o que deu ao médico que assistiu às cirurgias nos Estados Unidos a sensação de estar, ao mesmo tempo, dentro das quatro salas de cirurgia. A qualidade da imagem é fundamental para que o médico tenha uma noção exata da saúde do paciente, porque pequenas diferenças de cor, por exemplo, podem tornar o diagnóstico impreciso. A diferença entre uma mancha cinza em algum órgão interno, que pode não ser nada, mas também pode ser um câncer em estágio avançado, depende de minuciosas e milimétricas diferenças, que podem passar despercebidas em uma cirurgia se a imagem não for perfeita”.
Segundo Becker, para entender “um pouco melhor esses componentes, precisamos voltar ao 4K. Até pouco tempo atrás não existiam equipamentos para transmissão ao vivo em 4K. As câmeras de cinema armazenam os vídeos, sem throughput do sinal para transmissão. Como existe uma variante do 4K que é relacionada ao HD (4 vídeos HD formam a imagem 4K), optou-se por começar os testes de transmissão por essa tecnologia, uma vez que o HD era amplamente dominado no Lavid”.
Assim, segundo ele, a “câmera JVC, utilizada nestas transmissões, também não tem throughput, mas tem 4 saídas limpas para monitoramento, um HD para cada quadrante. Aí começa o trabalho do Fogo Capture. Ele pega essas quatro saídas, faz a sincronização e manda o fluxo de dados para o Fogo Streamer, que joga o vídeo na rede. Do outro lado, atua o Fogo Player, que recebe o fluxo de dados do Capture, junta os quatro quadrantes em um único frame de vídeo, faz a sincronização, e joga para a placa de vídeo do computador. Daí é só ligar a placa de vídeo a um video wall ou projetor 4K”.
Consultado sobre como foi disponibilizado o conteúdo, Ciuffo disse que “foi capturado e transmitido ao vivo, não sendo armazenado. Algumas cirurgias (e demais conteúdos) estão disponíveis em um servidor de arquivos da UFPB, porém de acesso restrito”.
Para ele, o balanço é positivo e “a qualidade das imagens impressionou. O maior desafio foi fazer a comutação dos quatro fluxos de vídeo em São Paulo e, interativamente, escolher um fluxo por vez para ser transmitido aos Estados Unidos”.
Ciuffo afirma, ainda, que outro grande desafio “foi evitar o congestionamento na rede. Isso exigiu configurar caminhos de rede distintos entre cada ponto de captura (hospital universitário) e o Ponto de Presença da RNP em São Paulo (PoP-SP). Essa engenharia de rede é importante para evitar perdas de pacote, que podem prejudicar a qualidade da transmissão. Esse tipo de serviço normalmente não é realizado por redes comerciais”.
Para o futuro, o responsável da RNP afirma que é preciso “permitir o retorno de áudio nas transmissões. Em nosso experimento, o áudio foi transmitido junto com o vídeo capturado nos hospitais universitários. Mas os médicos nos hospitais ficaram “às escuras”, sem um canal de retorno do áudio dos Estados Unidos”.

Fernando Moura
Redação: Revista da SET