NAB 2018: Sem novidades retumbantes? Que bom!

NAB 2018 “O OLHAR DOS ESPECIALISTAS DA SET”

Autor reflete sobre os caminhos do desenvolvimento tecnológico em um indústria em mudança

por José Frederico Rehme

Algumas tecnologias, na forma de dispositivos ou processos, são criadas a partir das possibilidades e do desenvolvimento do conhecimento, da ciência. A sua adoção momentânea é fruto da ânsia por novidades, pelo pioneirismo, e o crescimento vertiginoso (de zero a dois usuários o gradiente é infinito!) leva a previsões que, muitas vezes, não se concretizam. Engenharia Umbilical! Satisfaz o ego de cientistas, a cobiçada visibilidade de empresas, mas em geral, não atende alguma necessidade do usuário. Fabricantes e desenvolvedores vendendo tecnologia, mas não soluções. Mr. Bale (BT Sport Technology & Engineering), na sua palestra no BEIT em “Ultra HD Case Studies”, deixou essa preocupação em uso de tecnologias forçadas, sugerindo o foco no propósito do seu uso, e não nela em si. Quando a tecnologia se desenvolve no caminho inverso, a partir da solicitação, dos anseios da sociedade, costumeiramente o desenvolvimento é um pouco mais lento, porém mais sustentável, e sua aplicação é mais duradoura.

Novidades são apresentadas em feiras e congressos, e a NAB não é exceção. Muita inovação tecnológica é lançada neste tradicional evento. Nos últimos dez anos, podemos citar, sem rigor à importância ou cronologia, nem discutindo se é Engenharia Umbilical ou Engenharia Aplicada: Cinema e Televisão 3D com óculos, TV 3D sem óculos, Realidade Virtual e 360 graus, Realidade Aumentada, Drones, Áudio 22.2, Padrões de Distribuição de Sinal em protocolos IP, Uso de Redes Não Dedicadas para Transporte de Vídeo (“mochilink”), Codificadores, UHD 4K e 8K, Bandas e Usos Diferenciados dos Satélites, HDR, Iluminação a LED…

Particularmente, sou avesso à apropriação indébita, ou, no mínimo forçada por ações mercadológicas, de termos técnicos e de datas de “descoberta” ou “invenção”. Inteligência Artificial (AI). Agora temos a tecnologia. E olha, vai revolucionar a maneira que você vê o mundo! Tudo o que você fazia até agora não vale, a AI. vai substituir você, seus feitos e seu conhecimento. A Internet das Coisas (IoT). Agora temos a tecnologia. E a mesma ladainha. Nuvem. Como vivíamos sem ela? Em que século você está que ainda não depositou todo o seu conhecimento e seus processos nela?

O uso generalizado e repetitivo do termo AI. é recente, sua busca e mesmo sua aplicação não o são. Por exemplo, alguns anos antes da popularização deste nome, na nossa área, máquinas com capacidade (limitada, ok) de aprendizado eram ensinadas para reconhecimento automático de voz e geração de closet caption. IoT é a mesma coisa que redes de automação e suas aplicações, por exemplo em plantas industriais, porém em outro protocolo ou rede: CAN, FieldBus, WiFi, ATM. Nuvem? Em um país tropical e abençoado por Deus, bonito e ensolarado por natureza? Desafio o leitor a sair a trinta quilômetros da capital do seu Estado, para apresentar ou fechar um grande negócio, sem um dispositivo de memória levando o fruto de seu trabalho no bolso ou na mochila. E vale a pena assistir Blade Runner 2049, que alerta para o apagão geral!

Nesta NAB, os holofotes não estavam em grandes lançamentos imperdíveis. Pudemos perceber tecnologias com um amadurecimento natural, sua padronização, a adoção espontânea pela melhoria de processos por elas oferecida, de maneira real, não virtual ou mercadológica. O 4K, e mesmo 8K, não são mais promessas. A demonstração do teatro da NHK não teve cores ou cenas fantásticas, mas a sensação de estar realmente na plateia assistindo ao balé, com palmas vindo de trás, e ao redor ao final do espetáculo, foi sensacional. Não é exagero, vi gente não sabendo se devia ou não também aplaudir. HDR não é aposta, é trivial em muitos equipamentos e de fabricantes diversos. Drones não estão cruzando os céus como enxames, mas tem suas (poucas), mas nobres aplicações. A Realidade Virtual não vais ser, pelo menos por ora, onipresente nos lares. O ATSC 3.0, questionável na apresentação de 2016 (como vai ser possível demodular e decodificar uma constelação daquelas?) é realidade, cobrindo já setenta por cento da população da Coreia do Sul, e com a promessa  leve a sério o compromisso desse pessoal de até dezembro deste ano, 2018, um ano e meio após seu lançamento comercial em Seoul, atingir praticamente toda a população do País. E robusto, com C/N perto de zero!

No estande da Sharp workflow completo em 8K, dentre as funcionalidades, a medicina

A feira NAB 2018 foi prazerosa, não provocou ansiedade, ao contrário, deu oportunidades de escolha de sistemas e seus fornecedores daquilo que veio para ficar. Na minha opinião, uma das melhores dos últimos anos.
E aquilo que muitas pessoas tratam como batalha: TV x OTT. Mesmo pessoas capacitadas tecnicamente, tanto de engenharia quanto de outras áreas, como comercial, confundem o meio com o fim. A defesa da TV por uns, ou de outras plataformas por outros, não pode ser territorialista, ou quase formando sindicatos. Simplifiquemos. A TV tem seu lugar porque vale a pena, compensa. O OTT também tem seu lugar porque vale a pena, em outros conteúdos, públicos ou momentos. As tecnologias, se assim podemos chamar, não são concorrentes, mas complementares. O broadcast, o satélite DTH pago ou não, e a TV por assinatura são meios, camada um (1), física, e sem dúvida nenhuma ainda permanecerão por muito tempo como a forma mais barata, confiável e sustentada para difusão de conteúdo pesado (em termos de taxa – Mbps e banda  MHz) de interesse instantâneo coletivo. Por outro lado, solicitação de material On Demand, entre eles séries, filmes, ensino à distância, podem ser canalizados e oferecer a importante interatividade em plataformas físicas distintas. Em geral, as OTTs pertencem às camadas superiores, mais próximas ou sendo de aplicação. As necessidades de consumo e as opções de oferecer a conexão entre provedor e consumidor se completam, não disputam um lugar. Se um dia outra plataforma que não o broadcast fizer esta conexão de forma mais eficiente, será bem vinda, absorvida de forma natural e implantada pelos mesmos profissionais, no caso, muitos de nós.

A palestra “Smart, Safe, Fun Cities: AI., A.R., ATSC 3.0 & Urban Opportunities”, mostra que a TV ainda tem lugar

Circulando pela feira, percebe-se que diversas soluções de captação, armazenamento, processamento, são alheias à forma de transporte, o que mostra que já atingimos o que foi uma palavra obrigatória anos atrás: a convergência. E, perceba, não conseguimos estabelecer data ou nome do “inventor” desta convergência.

Citamos aqui alguns tópicos ou sentimentos sobre a feira ou nos eventos paralelos à exposição:

— Novamente registro a satisfação em acompanhar as apresentações de domingo cedo do NUG (Nautel Users Group), que recomendo pela sua praticidade de aplicação das lições trocadas entre desenvolvedores de produtos e seus usuários. Com muita alegria vimos que a maior parte, dos pelo menos trezentos presentes, já oferecem /utilizam HD Radio.

— As palestras abertas ao público, ocupando lugar entre os expositores, apresentaram programação variada, com horários e assuntos bem definidos e divulgados. Uma delas, por exemplo, ocorrida no North Hall, sobre “Smart, Safe, Fun Cities: AI., A.R., ATSC 3.0 & Urban Opportunities”, mostra que a TV ainda tem lugar. Moderada por Joe Devon (Dyamond), com participação de Lynnwood Bibbens (ReachMe.TV), Madeleine Noland (LG) e Itai Tomer (Ericsson), permitiu entender que o ATSC 3.0 pode continuar levando conteúdos educativos a crianças de forma gratuita. Cada bit, com seu respectivo custo de produção, mantém esse valor se consumido por um ou mil usuários, e essa característica continuará importante para as cidades. Na palestra foi citada uma metáfora, na qual todos se engajaram. “Perdermos o trem” por não sabermos o que queremos ou o que fazemos. Olha aí a engenharia umbilical de novo. Itai Tomer estava se referindo às aplicações muitas vezes mal definidas para a potente Realidade Virtual. Por outro lado, pesada para as atuais infraestruturas de redes. Os três participantes, comentaram ainda a dificuldade em gerenciar, armazenar, distribuir, analisar o vídeo de mil câmeras em uma cidade. Um (1) PetaByte por mês. Discutiu-se sobre a necessidade de converter as imagens em big data para então tomar decisões. Aplicação nobre para AI.

Registrem-se as importantes contribuições como congressistas dos palestrantes brasileiros, como da Globo em três apresentações: “Future Proof – TV Globo Recife has Implanted the First Broadcaster TV of Latin America with an IP System in its Infrastructure”, “4K HDR Carnival – Live Production” e “Immersive Audio and Remote Mixing of Rio’s Carnival 2017 – Live experience”

— Os diversos painéis de alta intensidade e resolução 8K, entre eles televisores Sharp demonstrando a aplicação do 8K na Medicina; — Senti falta das tradicionais Supersessions, apesar deste comentário parecer dissonante com a simplicidade que me agradou nesta NAB;

— Oportunidade de conversarmos, Tainara Rebelo, jornalista da SET, e eu, com dois doutores do ETRI (Electronics and Telecommunicatios Research Institute), envolvidos na rápida implantação da TV UHD free-to-air via ATSC 3.0 na Coreia do Sul: Dr. Sung-Ik Park e Jaeyoung Lee;

— O atual ajuste de ocupação espectral nos Estados Unidos (repacking), seus desafios e oportunidades de mercado;

— Palestras técnicas de excelente qualidade da BEIT (Broadcast Engineering and Information Technology Conference), como a “RF Spectrum Matters”. Nela, Mr. Shadler (Dieletric), explanou sobre sistemas combinados, ATSC 3.0 e COFDM Ready e os possíveis danos por conta de excesso de potência instantânea (tensões em fase) no sistema irradiante, comentando que “não invente. Use a Matemática a seu favor”. Apresentou números absolutos e as estatísticas e probabilidades associadas. Muito bom, técnica e ciência na veia.

— O prazer de observar a convivência até harmoniosa no mercado de concorrentes no segmento satélite, e suas inovações focadas no usuário, cujo tema foi debatido na sessão de segunda-feira, 9 de abril no SET e Trinta;

— As notícias de fusão entre empresas, a presença da Google, Facebook, Intel, a visão de futuro da Ericsson, as notícias de aquisição por clientes da Rohde & Schwarz para atualização de grandes sistemas de transmissão, antes mesmo de se completar a transição analógica para digital no Brasil, os gigantescos stands da BlackMagic e AJA, brigando pela atenção do público com os gigantes tradicionais deste mercado;

— A percepção de que, pelo menos no mercado brasileiro, quem trabalha com transmissão está com agenda e vendas carregadas, em situação oposta à da área de produção de conteúdo.

Vida longa e próspera à TV Aberta (fãs da Jornada nas Estrelas sabem da sua sobrevida; depois disso, em 2330, que venha o Holodeck, e nós, Engenharia, a partir das tecnologias que estamos vivenciando agora, continuaremos nos bastidores).

Agradecimento aos que permitiram e apoiaram a minha participação neste evento: Universidade Positivo, RCI, SET, GTD Global.

José Frederico Rehme José Frederico Rehme
José Frederico Rehme (GTD, RCI, UP, SET) Mestre em Ciências (2007) e Engenheiro Eletricista (1990) pela UTFPR. Diretor de Engenharia na RCI, Diretor da GTD Global, professor nos cursos de Engenharia Elétrica e Engenharia de Energia na UP – Universidade Positivo, Curitiba; Diretor de Ensino da SET desde 2010. Contato: [email protected]