Cultura maker começa a mudar hábitos de consumo audiovisual

Reportagem Especial

Campus Party analisa contemporaneidade e como a empatia está mudando o mundo. Ainda demonstra que o consumo não linear e de streaming cresce a cada ano com a multiplicação de telas cada vez mais disruptivas com um avanço considerável das plataformas OTTs, deixando os serviços de TV por assinatura em segundo lugar

por Fernando Moura, em São Paulo

A 12ª edição do Campus Party 2019, que se realizou em São Paulo, mostrou mais uma vez que os jovens continuam propiciando mudanças significativas no mundo e que a tecnologia, aliada à criatividade, criou novos hábitos de consumo audiovisual.

O Campus Party, talvez a maior experiência tecnológica do mundo, reuniu jovens geeks em três áreas diferenciadas e com experiências diferentes. O Open Campus, a área gratuita do evento, com simuladores, drones, estandes de patrocinadores, makerSpace, Startups & Makers, educação do futuro, roboticampus, e campus Jobs para um público mais abrangente. A Arena, área paga do evento, com palestras, workshops, hackathons, bancadas com internet de alta velocidade e três academias: Gamers, Developers e Creators. E, claro, o camping, reservado às pessoas que compraram ingresso para dormir na feira.
O evento, segundo os seus organizadores, “é uma imersão de pessoas que utilizam as mais diversas tecnologias para mudar o mundo”, sendo uma jornada totalmente multi-disciplinar, proporcionando desafios e atividades diariamente.
“Neste ano, nossa proposta principal foi oferecer ao campuseiro (participante) a oportunidade de absorver e colocar em prática todo o conhecimento adquirido. Construímos este evento em parceria com o público, que nos ajudou a pensar em nomes e atrações que contemplassem os mais diversos gostos e interesses. Saímos imensamente satisfeitos por termos conseguido ser uma plataforma de compartilhamento de ideias e de formação e consolidação de comunidades que, certamente, ajudarão a repensar e moldar o nosso futuro enquanto sociedade. Acreditamos que o Campus Party não termina no fechamento dos portões, ao contrário, ele ganha o mundo”, explicou Tonico Novaes, diretor da MCI Brasil e responsável pelo Campus Party Brasil.
Em termos audiovisuais e de tecnologia o encontro não para de surpreender. No que diz respeito à indústria, Salustiano Fagundes, fundador da HIRIX Engenharia de Sistemas e da HXD, trouxe ao Campus uma interessante visão sobre o processo de transformação da indústria audiovisual com a proliferação do streaming e a digitalização do consumo de mídia.
Fagundes, que é também embaixador do Campus Party Brasil e membro do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET), ministrou a palestra “A revolução do OTT: uma visão sobre as tecnologias e os negócios que estão transformando a experiência televisiva” onde analisou o que plataformas como Netflix, Amazon Prime, Globo Play e Looke têm em comum e como elas oferecem serviços OTT (over-the-top).

Empatia: “A tecnologia provoca uma transformação metal”, disse , e “essa transformação é do consumidor. Mas o importante é que as tecnologias transformam as relações humanas e entre os dispositivos nas quais estão imersos”, afirmou Poppy Crum, especialista em tecnologia e a interação humana com foco em inteligência artificial (AI)

De fato, o grande ponto para Fagundes é que este serviço avança com uma mudança na distribuição baseada “na entrega de conteúdo audiovisual utilizando a infraestrutura de rede mantida por provedores de serviços de internet. As plataformas OTT estão transformando radicalmente a forma de se criar, produzir, comercializar e assistir filmes, documentários e séries em todo o mundo. Na América Latina, apesar da penetração ainda limitada da banda larga e dos níveis elevados de pirataria online, o seu crescimento e expansão vem tendo um papel de destaque nos últimos anos e fazendo com que empresas tradicionais de TV por assinatura comecem a perder usuários”, afirmou.

O Campus Party já foi realizado em países como Espanha Holanda, México, Argentina, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Panamá, El Salvador, Costa Rica, Colômbia, Equador, Portugal, Singapura e África do Sul

Para o palestrante, o que não pode deixar de ser pensando é que os “consumidores assistem vídeos da forma que querem. Nos termos e nos tempos deles, e estes conteúdos são acessados desde qualquer tela porque o diferencial passa pela experiência cada vez mais individualizada”. Neste prisma, disse Fagundes, é impossível pensar em plataformas OTT que “não contemplem todos os formatos de telas”, porque as plataformas devem entender que não é só celular, senão também TVs conectadas. “Já estamos entre os 10 primeiros países com smarTVs em casa. São fabricadas mais de 11 milhões de TVs conectadas por ano no Brasil, isso muda necessariamente o modelo de negócio”.
Para Fagundes, avançará ainda mais graças aos serviços de AVoD (Advertising Video on Demand) que devem chegar em 2021 a U$S 15,37 bilhões, superando os de SVoD com U$S 14,58 bi. Outro dado importante é o aumento de plataformas no Brasil e América Latina, que passaram de 40 em 2013 para 257 em 2018. Destas, 104 pertencem a programadoras, 69 a operadoras de TV a cabo, e 81 a outros serviços ou empresas. Nestas, disse o executivo, passamos de ter acesso a 7680 filmes para 610 mil, e de 1642 episódios de séries para mais de 1,5 milhão.

O reconhecimento facial por vídeo utilizando inteligência artificial foi um dos temas abordados nos debates do Campus Party 2019

Courd Cutting
Uma das mudanças que tem afetado o mercado tradicional de TV é o denominado Courd Cutting no qual os consumidores trocam os seus serviços de TV por assinatura, seja por cabo ou DTH, para tornar-se clientes de serviços over-the-top (OTT) ou subscrição de Video On Demand (SVoD). De fato, a fala de Fagundes se confirmou na palestra já que a maioria dos presentes afirmou não ter TV paga em casa. Isto, ainda, porque se estima que até 2020, ou seja, no próximo ano, “82% do tráfego da rede será de vídeo”.
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as operadoras de TV paga no Brasil perderam, durante 2018, cerca de 550 mil clientes. “O serviço de TV por Assinatura totalizou 17.574.822 contratos ativos em dezembro de 2018, o que representa uma perda de 549.833 assinantes nos últimos 12 meses (-3,03%)”, afirmou a Agência em comunicado. Vale lembrar que a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) tinha estimado em 2015 que o número de assinante ultrapassaria os 20 milhões, situação que nunca se cumpriu e que desde 2016 começou a perder assinantes.

Os quatro maiores grupos de TV por Assinatura do Brasil (Claro/NET, Sky, Oi e Vivo) detinham 17.050.679 de contratos ativos (97,01% do total) em dezembro de 2018. O grupo Claro/NET registrou o maior número de clientes, totalizando 8.600.763 de contratos (48,93% do mercado) e em segunda posição ficou a SKY, com 5.281.535 de contratos (30,05 % do mercado). A Oi registrou 1.601.814 de contratos (9,11% do mercado) e a Vivo, 1.566.567 (8,91% do mercado). Dessas empresas, apenas a Oi apresentou crescimento nos últimos 12 meses, registrando saldo de +92.365 assinaturas (+6,12 %). As prestadoras de pequeno porte (Algar, Cabo, Nossa TV e Outras) somaram 524.143 contratos de TV por assinatura, o que representa (2,98% do total).

Em termos de OTT, ainda que não haja dados oficiais, se estima que a Netflix tenha no Brasil mais de 10 milhões de usuários ativos dominando amplamente este mercado. Segundo pesquisa da Amdocs, provedora de software e serviços para empresas de mídia e comunicação – em parceria com a Vanson Bourne, a que a Revista da SET teve acesso, as plataformas de OTT estariam presentes em quase 40% das residências e a TV paga em apenas 26%. Ainda, o estudo afirma que para cada assinatura perdida pela TV paga, os serviços de streaming somaram, pelo menos, três (3) novos clientes.
Estes dados foram coletados após entrevistar 2500 consumidores de produtos audiovisuais (TV, filmes e vídeos), entre outubro e novembro de 2018, no Brasil com 500 entrevistas, e Estados Unidos e Reino Unido com 1000 cada um, e teve como objetivo entender como se posicionam frente às formas de pagamento, anúncios, assinaturas de serviços e quais são seus desejos e hábitos.
O associado da SET explicou ainda que entre os novos perfis de consumo audiovisual, podemos identificar os cordkeepers, que são os consumidores que permanecem fiéis a uma assinatura completa de TV paga, mesmo que assinem serviços OTT de vídeo. E os cord-Shawers, consumidores que reduzem as despesas de TV paga sem fazer o cancelamento da mesma porque querem manter canais de preferência ou serviço adicional.
Assim, referiu Fagundes, “o Live streaming está se configurando como o o segmento de mais crescimento.” As novas ofertas de serviços como o Facebook Live, que registrou em 2017
o consumo de mais de 100 milhões de horas de vídeo/dia, o Twitter (80% dos seus usuários assistem vídeos online), e aos pacotes de empresas como Toutube e Hulu. Nesse sentido, vale lembrar, que este ano a edição da Copa Libertadores de América 2019 que terá as transmissões dos jogos das quintas-feiras, exclusivamente via Facebook. Esse é um acordo inédito no país e prevê a transmissão de 27 jogos exclusivos até a fase de quartas-de-final da competição.

Facebook anunciou no Campus Party que os usuários e criadores de conteúdos audiovisuais que coloquem conteúdos na plataforma Watch serão monetizados pela empresa

Facebook Watch

A rede social anunciou no Campus Party que desde a terça-feira, 13 de fevereiro, os usuários e criadores de conteúdos audiovisuais que coloquem conteúdos na plataforma Watch serão monetizados pela empresa. Michele Kutnikas, gerente de Parcerias do Facebook, explicou aos “creators” (produtores de conteúdo) que haverá monetização de vídeos com intervalos comerciais no Brasil. Para isto, a empresa criou o recurso Ad Breaks, que são os intervalos comerciais de curta duração inseridos nos vídeos.
A executiva disse que quando se cria conteúdo para o Facebook Watch deve-se pensar que “nos primeiros 3 segundos – sem áudio, o creators precisa cativar a internauta”. Se o cativa com conteúdos de qualidade, “este pode ficar, em média, até 20 minutos assistindo”.
Outra das recomendações foi que os vídeos sejam compartilhados tanto no Facebook como no Instagram, porque crescem como plataforma prioritária de creators e vem lançando novas ferramentas para que eles produzam melhores conteúdos e aprofundem a relação que têm com suas comunidades. “As duas plataformas da empresa têm sinergias muito grandes e permitem aumentar a visualização”, disse Michele.

Rádio Web e Podcast

Thiago Schulze, diretor de arte e produção da Rádio Geek, afirma que a emissão com qualidade é o que garante a fidelidade do ouvinte

No mundo Geek (Fãs de tecnologia, eletrônica, games, entre outros) e nas novas gerações o consumo de áudio tem aumentado consideravelmente, mas as audiências de rádio tradicional têm caído. Isso porque aumentaram exponencialmente as ofertas de emissões de rádio via web e proliferaram os podcast, tanto independente, como das próprias emissoras.
No Campus, como em anos anteriores, a reportagem da Revista da SET viu o estúdio da Rádio Geek (http://radiogeekbr.com.br), que segundo os seus criadores “é a maior da geração”, e como disse Thiago Schulze, diretor de arte e produção da Rádio Geek, a única diferença da rádio na web é a forma de distribuição, “porque tentamos criar conteúdos com a mesma qualidade que na rádio tradicional. A rádio web não é só colocar conteúdos. Nós fazemos o que as emissoras tradicionais estão começando a fazer, que é manter conteúdo no Youtube, em podcast, e dar ao ouvinte a opção da grade tradicional. Ela não existe mais. Colocar um programa em um determinado horário e o ouvinte esperar aquele determinado momento para ouvir aquele conteúdo. As emissoras agora estão percebendo isso, mas nós ainda encontramos muitas emissoras que colocam no aplicativo, na web, um clone da sua FM, não é a solução”.
Mesmo sendo uma rádio para internet, Schulze disse que não quer perder a essência. “Pensamos na qualidade. Nós vendemos áudio, então ele deve ser bom. Hoje em dia o equipamento barateou, então qualquer pessoa pode virar uma produtora, mas não por isso podemos deixar de prestar atenção na qualidade do produto”.
Em termos de forma, disse o ex-aluno da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), “mantemos o formato tradicional com grade, horário e programas, simplesmente porque é mais conveniente manter os colaboradores próximos. Agora é a hora de fazer o seu programa, depois segue o próximo como se fosse uma agenda de produção, mas efetivamente a grade vem da audiência On Demand. Do ouvinte que ouve a hora que quiser. Já não adianta colocar música em um break musical, porque se quero ouvir música, o faço em outra plataforma”.
Em termos de Poscast, muitíssimos jovens participaram de workshops para iniciantes e avançados. Schulze disse que a diferença entre o ao vivo e o podcast passa pela pós-produção. “Disponibilizamos arquivos pré-gravados, mas pós-produzidos para o efeito. Os programas ao vivo arquivados e disponibilizados não são podcast, são apenas programas gravados. Um conteúdo produzido especialmente para esse formato e ser consumido On Demand”.

Produção, realização e pós-produção de Podcast em foco

Batalha Makers Brasil

Na palestra “Cultura Maker, mudando realidade e impulsionando o aprendizado” ficou claro que a inovação é essencial para esta geração

No evento foi apresentada a nova série do Discovery Channel, a Batalha Makers Brasil, um reality show sobre cenário Maker (os criadores). Segundo os seus criadores, a série foi produzida com a intenção de mostrar que “uma revolução está acontecendo diante de nossos olhos. O avanço tecnológico e o mundo hiperconectado permitem que qualquer pessoa possa se tornar um criador. No universo Maker, saber é igual a fazer. É preciso estar pronto para arriscar, errar, aprender, refazer e, principalmente, colaborar”.
André Mermelstein, diretor de comunicação da Discovery Brasil, disse em palestra que Batalha Makers Brasil vai apresentar ao telespectador a cultura do “faça você mesmo”, ou melhor, “façamos juntos”, uma das principais tendências do mundo contemporâneo. O novo programa (estreia-se em abril de 2019) será conduzido por Marcelo Tas, e os participantes deverão se unir para enfrentar desafios, tomar decisões e criar algo inovador, correndo contra o relógio em 16 batalhas. O reality show tem oito episódios de uma hora em que 10 participantes, com diferentes habilidades, enfrentam provas e desafios para mostrar aos jurados que são capazes de colocar a mão na massa, com a ajuda da tecnologia e do espírito colaborativo, e encontrar soluções criativas no desenvolvimento de ideias e projetos inovadores.

Discovery Channel avançou detalhes de novo programa do canal internacional no Campus Party 2019 que trabalha temática maker (faça você mesmo). No Marker Space, o canal promoveu criações de eletrônicos e prototipação de novas invenções, além de mostrar Rede FabLab Brasil

O SESC ofereceu vivências e debates sobre tecnologia, cultura, games e representatividade, visando a estimular o encontro entre o digital e o analógico, com foco na experiência humana

No programa, a avaliação do desempenho dos candidatos ficará por conta de três jurados que estiveram no Campus Party, que acompanham a execução das provas e as soluções apresentadas por cada um deles. São eles: Rita Wu, Ricardo Cavallini, e Edgar Andrade.
Ante a pergunta da Revista da SET de como era criar um roteiro para um reality com criativos que nem sempre realizam atividades linearmente, Mermelstein afirmou que esse foi o grande desafio, “formatar histórias” para que sejam lineares sem desestimular a criatividade dos participantes.