Caminhos para a TV do Futuro

Artigo

por Leonardo Chaves e Gabriel Ferraresso

Autores analisam experiências vividas nos dois maiores eventos esportivos do planeta realizados no Rio de Janeiro em 2014 e 2016

Introdução

O atual padrão de TV Digital no Brasil teve início em 2007 com estrutura baseada no japonês ISDB-T. O processo para escolher esse padrão foi iniciado pela SET, na década de 90 e finalizado em 2006, depois de diversas etapas de avaliações minuciosas que selecionaram a solução japonesa somada a alterações importantes como o padrão de codificação de vídeo.

Em 2016, o Brasil iniciou o desligamento da TV analógica em um processo que será concluído em 2023. O switch-off bem-sucedido de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro mostra que a população e as emissoras assimilaram muito bem o processo de digitalização. Diante desse cenário, a radiodifusão brasileira precisa acelerar o novo processo de padronização e harmonização para preparar e adequar à distribuição de televisão terrestre gratuita às novas tendências de consumo e conectividade que são observadas nas distribuições OTT, nas discussões em outros fóruns de radiodifusão e no mercado das redes móveis.

Diagrama de recepção e transmissão do sinal 4K

 

Fluxo de sinais da demonstração 8K

Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016

Desde 2014, a TV Globo, em conjunto com diversos parceiros de tecnologia, realizou algumas demonstrações públicas de novos padrões e ferramentas para a radiodifusão. Durante a Copa do Mundo, Brasil 2014, foi feita uma transmissão, que teve a parceria de HBS-FIFA, NEC e SONY, de 3 jogos ao vivo produzidos em 4K. O conteúdo era transmitido via satélite, recebido na TV Globo, processado e retransmitido pelo ar utilizando DVB-T2.

A exibição dos jogos foi feita em TVs de 65” localizadas em um shopping na zona sul do Rio de Janeiro. Nos Jogos Olímpicos Rio 2016, foi realizada uma transmissão ao vivo de eventos captados em 8K com áudio 22.2ch pela emissora japonesa NHK. O projeto contou com a parceria do Museu do Amanhã, da NHK, OBS, Embratel, Grass Valley, Padtec, BOE e TCR Telecom.

O sinal captado por todos os eventos era transmitido para o datacenter da Globo.com, localizado no bairro de Jacarepaguá no Rio de Janeiro, através de uma fibra apagada que o conectava ao IBC. Depois disso, o sinal era dividido em dois fluxos distintos, um que seguia sem compressão por fibra apagada para alimentar o auditório e um segundo fluxo comprimido para a transmissão terrestre.

Auditório (à direita) e display de 98” que tinha recepção do ar

O auditório possuía uma tela de 275” equipada com 33 caixas de som para criar a sensação de imersão gerada pelos 22.2ch de áudio. Neste local, foram feitas sessões de demonstração com conteúdo ao vivo e gravado.

Em outra área do museu, a demonstração era exibida em uma TV de 98” com as caixas de som para compor o áudio com 22.2ch. Este sinal era codificado em HEVC a 85 Mbps no datacenter da globo.com e transportado até o transmissor de 100W localizado no Sumaré. O conteúdo era transmitido em um canal de 6MHz utilizando duas polarizações, horizontal e vertical, com uma modulação de 4096QAM 3/4.

As demonstrações de 2014 e 2016 foram excelentes oportunidades de experimentar novas tecnologias e avaliar sua aceitação com o público. Ambas mostraram que já existe tecnologia capaz de melhorar a eficiência do canal e aumentar a qualidade do conteúdo transmitido.

  1. Conceitos do ATSC 3.0

Em 2017, foi publicado o primeiro conjunto de normas que compõem o ATSC 3.0. As primeiras operações do padrão começaram em maio na Coréia do Sul. O padrão incorpora diversas tecnologias de nova geração como, por exemplo, o HEVC e o LDM, que juntos aumentam a capacidade do canal por aumentar a eficiência na codificação de vídeo e na transmissão.

Além dessas ferramentas que trazem melhoras para o usuário por possibilitar uma transmissão mais robusta e aumentar a qualidade do conteúdo transmitido, o ATSC 3.0 revoluciona com as mudanças em sua pilha de protocolos que passam a incorporar o IP e, em sua camada de transporte, incorpora protocolos como o MMT, que é uma evolução do MPEG-TS, e o DASH que é utilizado para entrega de conteúdo ABR (adaptative bit rate) em ambientes OTT.

Com isso, o padrão propõe uma integração natural entre o conteúdo da radiodifusão e os serviços oferecidos na internet. Aplicações como target advertising, monitoração de audiência e vídeo On Demand podem ser viabilizadas por essa integração.

A incorporação do IP e a ferramenta de sinalização, chamado de bootstrap, pelo padrão possibilita maior integração com tecnologias de comunicação 4G e 5G. Isto possibilita a criação de arquiteturas híbridas e flexíveis que conseguem criar uma estrutura de colaboração entre as indústrias de radiodifusão e de telecomunicações.

O ATSC 3.0 mostra que a tendência é que o futuro tenha a radiodifusão mais integrada à internet e às redes móveis. Essa união tende a criar novos modelos de negócio e melhorar a experiência do usuário criando um ambiente em que o conteúdo possa ser consumido de forma mais natural em qualquer meio de transmissão.

  1. Conclusão

Conceito básico do LDM
Fonte: ETRI-Coréia do Sul

Em Dezembro de 2017 o atual padrão de TV Digital no Brasil completou 10 anos de operação comercial, consolidando-se como o sistema de TV Terrestre mais avançado do mundo à época do seu lançamento. Mas a indústria Broadcasting não para. É um segmento relevante que está evoluindo e em plena transformação.

No Brasil, o serviço de TV Digital terrestre já atinge a maioria da população de todo o país e está em franca expansão para atender ao cronograma desafiador do desligamento da cobertura analógica. Por sinal, esse processo tem sido uma referência mundial positiva, já que os institutos de pesquisa de audiência registram variações marginais e sem impactos nos mercados que já passaram pela transição.

Em paralelo ao processo de transição tecnológica como acontece no Brasil, novos padrões têm surgido nos últimos anos na busca por mais eficiência de transmissão. Novas técnicas de compressão e modulação viabilizam a entrega de serviços de mídia como o UHD, e mobilidade, como é o caso do padrão europeu DVB-T2, o chinês NGB -W e o norte-americano ATSC 3.0. Entretanto, a próxima experiência de consumo de mídia deve ser mais ampla e atender à dinâmica dos hábitos do consumidor que se apresenta em constante transformação. Não à toa, as últimas versões dos sistemas de middleware como HbbTV 2.0 (Europa), Hybridcast v2 (Japão), e as evoluções do Ginga (Brasil) em estudo pelo Fórum Brasileiro de TV Digital, integram novas tecnologias do mundo broadcast e broadband, permitindo que a experiência no consumo de mídia seja cada vez mais fluída, independente do meio de transmissão.

O debate sobre próxima geração do padrão TV Digital já começou e os próximos grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo Rússia 2018 e os Jogos Olímpicos Tóquio 2020, se mostram como uma grande oportunidade para testar, validar e demonstrar novas formas de distribuir conteúdo.

 

Leonardo Chaves Leonardo Chaves
Leonardo Chaves é atual coordenador do Módulo Técnico do Fórum Brasileiro de Tv Digital e gerente da área de Tecnologias de Transmissão na TV Globo, Leonardo Chaves é formado em Engenharia Eletrônica e de Computação pela UFRJ, concluiu o Mestrado em 2013 na COPPE-UFRJ e possui MBA em Gestão Empresarial pela PUC-Rio. Contato: [email protected]
Gabriel Ferraresso Gabriel Ferraresso
Gabriel Ferraresso é formado em Engenharia Eletrônica e de Computação pela UFRJ, Gabriel trabalha como engenheiro de projetos pela TV Globo desde 2012. Atua em projetos de contribuição e distribuição de vídeo em redes de comunicação que incluem satélite, fibra ótica, microondas e redes IP em geral. Foi o líder das demonstrações UHDTV (4K e 8K) realizadas pela TV Globo durante a Copa do Mundo Brasil 2014 e das exibições 8K nas Olimpíadas 2016. Contato: [email protected]