Projetos em Ginga fomentam Middleware brasileiro

Passados quase 7 anos da inauguração do sistema digital terrestre (TDT) muitos se perguntam porquê, até o momento, o Ginga não é utilizado em larga escala no Brasil e se ele já é uma tecnologia obsoleta. Nesta reportagem explicamos as políticas públicas de adoção do middleware Ginga e as suas possíveis aplicações.

Nº 140 – Fev/Mar 2014

Por Francisco Machado Filho

Reportagem

Televisores de marcas diferentes para teste dos aplicativos em Ginga e a performance do midlleware em cada um dos aparelhos.

Televisores de marcas diferentes para teste dos aplicativos em Ginga e a performance do midlleware em cada um dos aparelhos.

implantação do sistema digital brasileiro de televisão terrestre contou desde seu início com uma forte presença do governo federal. Uma presença até certo ponto exagerada na opinião de alguns. C ontudo, a C onstituição brasileira rege como serviço público a utilização do espectro destinado à radiodifusão. A ssim, não poderia ser diferente, mas as empresas radiodifusoras, ao longo da adoção do padrão digital, vêm construindo acordos que estão permitindo uma transição economicamente viável entre o sistema analógico e o digital de TV. Mas, neste percurso existe um ponto sensível ainda não resolvido e que gera debates intensos entre governo, radiodifusores, academia e empresas de tecnologia. A utilização do Ginga como middleware para a utilização da interatividade da TV Digital.
Na visão do governo federal, a TV Digital nasceu também com o propósito de ser um instrumento de inclusão digital. Para os radiodifusores uma ferramenta que poderá agregar valor à experiência de consumo televisivo além da alta qualidade da imagem e do som. Para a academia, um instrumento, dentre outros, de democratização das informações e valorização do conteúdo da TV. Para as empresas de tecnologia a oportunidade de novos modelos de negócio. Pois bem, passados quase 7 anos da inauguração do sistema digital terrestre (TDT), a verdade é que todos os lados estão insatisfeitos e apuram responsabilidades entre si para justificar o porquê, de até o momento, o Ginga não ser utilizado em larga escala no Brasil.
Este é um debate intenso em que cada lado possui suas razões e problemáticas, mas uma das hipóteses a ser considerada para a questão da não utilização do Ginga em larga escala é a compreensão do real papel do Ginga para a televisão brasileira.

Detalhe dos equipamentos enviados pelo projeto aoLaboratório da UNESP, em Bauru, interior de São Paulo

Detalhe dos equipamentos enviados pelo projeto ao Laboratório da UNESP, em Bauru, interior de São Paulo

Em 2006, quando o governo anunciou o sistema ISDB-T como base para o sistema SBTVD e a utilização do Ginga como middleware, fazia muito sentido utilizar a grande penetração da televisão aberta no Brasil para incluir as pessoas e regiões do país menos favorecidas e ainda impossibilitadas de se incluir digitalmente por meio da conexão à internet. Porém, como demonstram números e diversas pesquisas, o Brasil teve um salto positivo no número de acessos e pessoas conectadas a internet via banda larga. E os números não param e crescer.
Além disso, outras tecnologias como o IPTV, TV conectada e dispositivos móveis como smartphones e tablets apresentam oportunidades de serviços interativos que desafiam a relevância do Ginga neste propósito e muitos se perguntam se o Ginga não se tornou obsoleto ou, até mesmo, se já não morreu. É exatamente neste ponto que se é preciso compreender o papel do Ginga. A ntes de qualquer outra coisa, o Ginga é uma política de governo. Ele não está (e nunca esteve) ligado diretamente as empresas privadas de televisão.

Transmissor digital de radiofreqüência Hitachi parasimulação interna dos testes das aplicações em Ginga

Transmissor digital de radiofreqüência Hitachi para simulação interna dos testes das aplicações em Ginga

As emissoras não têm nenhuma obrigatoriedade no uso do middleware e o uso dele pelo governo na TV pública não é nenhuma imposição para que venha a ser usado pelas emissoras privadas. Estas deverão utilizar o Ginga e a interatividade apenas quando se mostrarem economicamente viáveis e suas implicações estiverem plenamente assimiladas. Mas, no caso do governo, é uma obrigatoriedade sim, visto que a função da televisão como agente de inclusão foi imposta por ele na adoção do sistema digital. E o governo vem agindo desta forma. Uma das ações foi a obrigatoriedade de implantação do Ginga na produção de televisores de LCD e plasma produzidos na Zona Franca de Manaus.
Pela norma, os fabricantes de receptores teriam que entregar 75% dos aparelhos produzidos até dezembro de 2013 e em 90%, a partir de janeiro deste ano. Os equipamentos que possuem esse recurso no mercado são identificados pelo selo DTVi. A pós resguardar uma parcela do mercado apta a receber o conteúdo interativo, o governo vem fomentando projetos nesta área para, assim, popularizar o uso do Ginga. Podemos citar como exemplo três projetos que já estão em andamento.

Brasil 4D
O projeto Brasil 4D já está em sua segunda etapa de implantação.Na primeira etapa, 100 famílias de João Pessoa (PB) foram selecionadas para utilizar o conjunto de aplicativos e conteúdo interativos que possibilitam os usuários acessarem pela TV via Ginga benefícios e serviços do governo federal, além de consultas a vagas de emprego,oportunidades de capacitação profissional, calendário de vacinação, serviços bancários e de aposentadoria.

Fábio Cardoso, técnico do Laboratório trabalha em umdos projetos da instituição

Fábio Cardoso, técnico do Laboratório trabalha em um dos projetos da instituição

O projeto contou com a participação da EBC e a TV Câmara, em conjunto com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o Laboratório de A plicações de Vídeo Digital da UFPB (Lavid), a Universidade Federal de Santa C atarina (UFSC) e a Universidade C atólica de Brasília (UCB), e ainda com o apoio da C âmara Municipal de João Pessoa, da Prefeitura de João Pessoa e das empresas: Banco do Brasil, Broadcom, EiTv, intacto-HdMa, Harris, MecTrônica, TOTvS, Intacto, Spinner, d-Link e Oi!.
O público foi escolhido entre os participantes do programa do governo federal denominado Bolsa Família com moradores de três bairros de baixa renda de João Pessoa: Cristo Redentor, Gramame e Mandacaru. A s residências receberam um conversor para o sistema digital e uma antena UHF (interna ou externa) para sintonizar o sinal a ser transmitido pelo canal 61 com uso de multiprogramação.
A segunda etapa do projeto está sendo implantada na região metropolitana de Brasília/DF e segue a mesma rotina da fase de João Pessoa, mas agora com 300 famílias em Samambaia, cidade com mais de 220 mil habitantes.
Os testes realizados na primeira etapa trouxeram benefícios expressivos para os usuários. Segundo o coordenador e idealizador do Projeto Brasil 4D, o superintendente de Suporte da EBC, A ndré Barbosa, em João Pessoa, foi constatada economia de R $ 12 mensais por família. “As famílias economizaram por não ter que pegar ônibus e ir até os lugares para procurar emprego ou capacitação, conseguir informações. Fizeram tudo pela TV”, explica. Ele calcula que, quando o projeto estiver em vigor, alcançando mais de 13 milhões de famílias, a economia possa chegar, em dez anos, a um total de R $ 7 bilhões de reais.
O Projeto Brasil 4D deve ser testado na cidade de São Paulo em abril e maio deste ano. Os temas oferecidos serão saúde e educação. Os usuários poderão agendar consultas no Sistema Único de Saúde (SUS). Participarão do teste 2,5 mil famílias no primeiro semestre e mais 2,5 mil no segundo semestre.

Ginga Br.Labs.
Em dezembro de 2012 o governo lançou o Programa de Estímulo ao Desenvolvimento do Padrão Nacional de Interatividade da Televisão Digital Brasileira – Programa Ginga Brasil – pelo Ministério das C omunicações como uma das ações da Política Nacional para C onteúdos Digitais C riativos. O Projeto tem como base a parceria da R ede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), com repasse de R $ 5 milhões. O Ginga Brasil prevê ações de capacitação de profissionais, além da criação e difusão de aplicativos de interatividade. Uma das ações do projeto é o Ginga Br.Labs, projeto que selecionou 10 emissoras públicas para receberem laboratórios de testes de conteúdos e aplicações interativas de TV Digital. No total, 40 técnicos, produtores e diretores das entidades selecionadas estão sendo capacitados no uso e desenvolvimento de aplicações e conteúdos interativos baseados no Ginga.
A TV UNESP, emissora Universitária, vinculada a UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – em Bauru, interior de São Paulo, foi uma das 10 emissoras contempladas (veja as demais no quadro) e já está produzindo conteúdo interativo cumprindo as metas e prazos do projeto.

Proponente Nome da proposta UF
Instituto de R adiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB Agricultura Familiar BA
Fundação Televisão R ádio e C ultura do Amazonas – Funtec Nova Amazônica AM
Fundação Universidade do Tocantins – Unitins TO
Fundação C ultural Piratini – R ádio e Televisão Ginga RSS RS
Fundação Padre A nchieta – C entro Paulista de R ádio e TV Educativas (FPA) SP
Fundação R ádio e Televisão Educativa de Uberlândia – RTU MG
Fundação R ádio e Televisão Educativa e Cultural – Fundação R TVE Conexão Interativa GO
TV A ssembléia Explorando Ciência MG
Televisão Universitária UNESP Apolônio e Azulão SP
Fundação Educativa de Rádio e Televisão Ouro Preto Pé da Letra MG

A TV UNESP apresentou como proposta um programa educativo voltados para crianças de 07 a 10 anos e que nessa primeira temporada irá tratar dos fenômenos da natureza, apresentados pelos personagens A polônio e Azulão que tomam vida por meio de fantoches. Ao todo, serão oito aplicações diferentes para quatro programas, cada um com duas interatividades distintas e cada uma prevê contemplar um recurso diferente que o Ginga permite para a TV aberta.
A equipe da TV UNESP envolvida no projeto é formada por funcionários da emissora e professores dos cursos de graduação em Jornalismo, R ádio e TV, Sistemas da Informação e professores vinculados à pós- -graduação do Mestrado em TV Digital do campus de Bauru. Os professores Marcos A mérico e Letícia A ffini ressaltam a importância do projeto e as possibilidades e possibilidades de pesquisa futuras utilizando-se os equipamentos disponibilizados para a emissora.
Fábio Cardoso foi um dos quatro funcionários da TV a fazer o curso de capacitação no R io de Janeiro. Para ele “o curso foi muito produtivo, principalmente no tópico da linguagem NCL e também na troca de experiências com os demais participantes das outras entidades contempladas”. Para A na Silvia Médola, diretora da TV UNESP, o projeto Ginga BR.Labs veio ao encontro dos objetivos de pesquisa em TV Digital da emissora que se coloca, antes de tudo, como laboratório para professores e alunos materializarem suas pesquisas.

O professor Marcos A mérico da UNESP afirma que

O professor Marcos A mérico da UNESP afirma que “a importância deste projeto não está apenas em produzir os conteúdos previstos neste momento, mas também permitir que posteriormente a as instituições contempladas continuem suas pesquisas e desenvolvam mais produtos interativos”

Para Ana Silvia, “a TV UNESP, por ser uma televisão inserida dentro de uma universidade, entendemos que ela tem que estar atrelada aos três pilares da universidade que é o ensino, a pesquisa e a extensão. A ssim, essa oportunidade de estar em um projeto dentro de uma política pública de inovação e pesquisa para a televisão digital é de vital importância e acreditamos que deveríamos fazer todos os esforços para participar”.
O Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia e a Fundação Universidade do Tocantins também já inauguraram seus laboratórios e já estão desenvolvendo conteúdo que posteriormente fará parte de um repositório sob os cuidados da R ede Nacional de Ensino e Pesquisa – R NP.

Projeto Global ITV
Outro projeto iniciado em dezembro de 2013 é o Projeto Global ITV: interoperabilidade de sistemas de TV interativos e híbridos – Uma nova proposta de avanço para o futuro. Este é um projeto de maior envergadura, pois propõe uma plataforma hibrida de distribuição de conteúdo audiovisual buscando soluções para a convergência da TV com a internet com foco na interatividade.
O projeto foi contemplado na linha temática de aplicações e serviços de TV híbridos de transmissão e de banda larga na 2ª Chamada Brasil-EU nº 13/2012 do Conselho Nacional de Desenvolvimento C ientífico e Tecnológico (CNPq), que integra o Programa de Cooperação Brasil-União Europeia em parceria com o Seventh Framework Programme (FP7). É formado por um consórcio de empresas e instituições de pesquisa e acadêmicas do Brasil e da Europa.
A ideia é oferecer uma plataforma de TV que propicie aos usuários novas funcionalidades e serviços multimídia, explorando as potencialidades dos modelos de radiodifusão e de Internet. A proposta prevê também a criação de oportunidades de mercado mundiais a partir das tendências das SmartTV ou TVs Conectadas, capazes de se adequar mais facilmente a serviços e aplicações interoperáveis. Tendo já como premissa a utilização do Ginga pelo lado brasileiro do consórcio.
O coordenador brasileiro do “Global ITV” é o professor Dr. Marcelo Knörich Zuffo, do Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (CITI/USP). Do lado europeu, o projeto é coordenado por C hristoph Dosch, líder do grupo de estudos voltados à radiodifusão do Institut fuer Rundfunktechnik GmbH (IRT) da A lemanha. No total, estão envolvidas 17 instituições parceiras, entre universidades e empresas brasileiras e europeias (ver tabela ao final).

Para a professora Letícia A ffini este projeto é relevante “pois irá fazer a ponte necessária entre as pesquisas teóricas

Para a professora Letícia A ffini este projeto é relevante “pois irá fazer a ponte necessária entre as pesquisas teóricas realizadas pelos docentes e a aplicação prática destas pesquisas em uma ambiente real como a TV Unesp”

O projeto, com duração prevista de dois anos, irá apresentar estudos e protótipos, além de aplicações e serviços que serão validados por testes técnicos e de usabilidade com públicos de diferentes regiões do Brasil e da Europa.

Nome da Organização Sigla País
Institutfuer R undfunktechnik GmbH IRT Alemanha
Aqua-Consult Ingenieros, S.L. A-CING Espanha
Fraunhofer-Gesellschaft zur Förderung der angewandten Forschung e.V. FRAUNHOFER Alemanha
TDF TDF França
Retevisión – A bertisTelecom RETEVISION Espanha
Symelar Innovación SLU SYMELAR Espanha
European Broadcasting Union EBU Suíça
World Wide Web C onsortium at GEIE ERC IM W3C França
Nome da Organização Sigla País
Universidade de São Paulo USP Brasil
Universidade Católica de Brasília UBC Brasil
Universidade Federal do Pará. UFPA Brasil
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP Brasil
Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico LSI-TEC Brasil
Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Brasil
Universidade Federal do ABC UFABC Brasil
Rede Bandeirantes de Televisão BAND TV Brasil
HXD Interactive Television HXD Brasil

Com informações: Agência Brasil, Ministério das Comunicações, Fórum SBTVD, Global ITV

*Prof. Dr. Francisco Machado Filho é docente do curso de Jornalismo da UNESP FAAC/Bauru-SP