Projeto Brasil 4D

Professora Cosette Castro apresentou resultados de pesquisa sobre Brasil 4D no Congresso SET.

Pesquisas do Banco Mundial revelam que público de baixa renda tem facilidade em interagir com TV Digital e segundo a entidade o projeto da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é referência em inclusão digital e deve ser levado a outros países. Em principio, nos próximos meses o projeto será realizado em quatro países de América Latina – Uruguai, Peru, Equador e Costa Rica – e logo se fará o teste em Paraguai, Bolívia, Chile e Botsuana. No Brasil, o projeto deve ser repetido em São Paulo.

Nº 137 – Outubro 2013

Por Deisy Feitosa*

Reportagem – TV Digital Interativa

Pesquisas do Banco Mundial realizadas com 100 famílias de beneficiários do Programa Bolsa Família de João Pessoa (PA), participantes do projeto piloto Brasil 4D, revelaram que essa audiência demonstrou, de maneira geral, um grande interesse em conhecer e interagir com as novas funções proporcionadas pela TV Digital.
Os resultados das pesquisas foram apresentados, pela primeira vez ao público, durante o Congresso SET 2013, na mesa “Brasil 4D: TV digital interativa à serviço da inclusão social”, realizada dia 22 de agosto, e que teve como moderador o superintendente de suporte da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), André Barbosa Filho. A mesa foi integrada, ainda, pela professora Cosette Castro, da Universidade Católica de Brasília (UCB); pela jornalista Madrilena Feitosa, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e pelo diretor da Intacto, André Terra.
O superintendente de Suporte da EBC disse, durante sua participação, que os resultados do projeto piloto realizado na capital paraibana foram muito positivos e anunciou que essa iniciativa será, agora, implementada em uma grande capital brasileira e deverá beneficiar um número maior de cidadãos. “Isso aumentará a visibilidade ao projeto, até porque vamos distribuir um número maior de conversores e envolver tecnologias que não usamos ainda e parceiros que não estavam no primeiro estudo, mas tudo se deve a essa primeira iniciativa”, comentou.
Barbosa, coordenador-geral do projeto, confirmou que o exemplo do Brasil 4D também será seguido por vários países que adotaram o Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre. Na primeira etapa acontecerá no Uruguai, Peru, Equador. Logo em seguida, será realizado no Paraguai, Bolívia, Chile e na Botsuana, primeiro país africano a adotar o sistema. “Acho que com isso a gente passa também a dizer para o mundo: não esqueça da televisão aberta, do modelo gratuito e da possibilidade de participação que existe através desse meio difundido”, reforçou.
Ele destacou que o Brasil 4D é resultante do trabalho de uma grande rede colaborativa, que envolveu instituições e empresas, dentre elas a Universidade Católica de Brasília, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal da Paraíba, TV Câmara de João Pessoa, Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa, Banco do Brasil, além das empresas Mectrônica, Totvs, Harris, D-Link, OI, Intacto/HDMA, Spinner, EBCom, Broadcom e EITV que cederam equipamentos para atender às demandas do projeto.

Ele destacou que o Brasil 4D é resultante do trabalho de uma grande rede colaborativa, que envolveu instituições e empresas, dentre elas a Universidade Católica de Brasília, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal da Paraíba, TV Câmara de João Pessoa, Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa, Banco do Brasil, além das empresas Mectrônica, Totvs, Harris, D-Link, OI, Intacto/HDMA, Spinner, EBCom, Broadcom e EITV que cederam equipamentos para atender às demandas do projeto.

Barbosa comentou sobre o lançamento recente do projeto mundial “Internet.org”, que reúne empresas de telefonia, internet e infraestrutura para oferecer internet a 2/3 da população do planeta, uma vez que, segundo ele, 4 bilhões de pessoas no mundo não têm internet. Mas ele questionou a viabilidade da iniciativa e sobre como será o futuro da televisão diante desse contexto. “A pergunta é: eles conseguirão fazer isso num curto espaço de tempo? E com quais recursos? Sabemos que vai demandar talvez muito mais de um trilhão de dólares. Se os Estados Unidos precisam de um trilhão de dólares para desenvolver a internet, quantos trilhões de dólares serão necessários para a cobertura do mundo inteiro? Mais do que isso: qual o papel da televisão nesse processo? Ela vai continuar sendo um processo linear de apresentação de programas nesse espaço de tempo, ou ela vai ser um processo on-demand? Quer dizer, qual é a perspectiva que está se lançando para a televisão em termos da participação? Acho que o Brasil 4D vai ficar na história do Brasil, na história da televisão brasileira por ter sido o primeiro a desafiar essas questões”, analisou.

O projeto Brasil 4D foi a primeira experiência de interatividade na TV pública, aberta e digital brasileira com cidadãos de baixa renda e testou tanto a habilidade dos telespectadores em se relacionarem com os recursos interativos da programação, como outras funcionalidades do sistema digital. O Brasil 4D é uma iniciativa da Superintendência de Suporte da EBC e foi implementado em João Pessoa, pelo Núcleo Lavid/ UFPB. No dia 20 de agosto, ganhou o Prêmio SET 2013 na categoria “Melhor solução de interatividade desenvolvida para a TV digital terrestre baseada em Ginga”. Na mesma semana, recebeu menção especial, em Nova York, durante o prêmio: Inovação e Criatividade 2013, promovido pela La Cumbre TV Abierta.

Programação do Brasil 4D foi exibida no estande do Fórum do SBTVD durante o Congresso SET.

A programação interativa do Brasil 4D foi exibida para o público presente no Congresso da SET, no estande do Fórum SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital). Durante os quatro dias do evento, a EBC disponibilizou os conteúdos do projeto aos participantes, permitindo a todos interagirem com as aplicações. Assim, audiência obteve mais informações sobre programas do Governo Federal, através do Brasil 4D.

O Estudo
O Banco Mundial realizou pesquisas para avaliar os impactos socioeconômico e sociocultural do Brasil 4D junto às famílias de três bairros da periferia que receberam a transmissão digital em seus lares, através de um Canal de Serviços, exibido em multiprogramação, pela TV Câmara de João Pessoa, o canal 61.3.

Lançamento do projeto piloto foi na casa de Dona Adair Ferreira, no bairro do Cristo, João Pessoa.

A programação ofertava três conteúdos sobre programas do governo Federal: um vídeo com opções de interatividade sobre programas do Sistema Único de Saúde (SUS), como aleitamento materno e Bolsa Família; outro conteúdo com informações sobre cursos e empregos, com vagas de cursos gratuitos ofertados pelo Pronatec e vagas de emprego disponíveis no Sine de João Pessoa; o terceiro apresentava informações sobre benefícios sociais (cadastro único e prestação continuada). A programação também constava de um aplicativo do Banco do Brasil que ensinava a controlar o orçamento familiar.
A pesquisa socioeconômica, coordenada pelo economista Rodrigo Abdalla, demonstrou, por exemplo, que 100 por cento dos entrevistados consideraram que as vagas de cursos gratuitos, divulgadas pelo Canal de Serviços, contribuíram para torná-los mais informados sobre como obter melhor qualificação para ingressar no mercado de trabalho. Um total de 89% afirmou que o aplicativo sobre “Cursos e Empregos”, desenvolvido pelo Núcleo Lavid/ UFPB e TV UFPB, “ajudou bastante ou muito na busca de informações por vagas no mercado de trabalho”.
Esses dados foram editados pela professora Cosette Castro em um livro que sistematiza os resultados das pesquisas patrocinadas pelo Banco Mundial. O documento, chamado “Brasil 4D: Estudo de Impacto Socioeconômico sobre a TV Digital Pública Interativa”, foi lançado em Brasília, no dia 30 de agosto, no IV Fórum Mundial de Mídias Públicas.
No Fórum, Cosette disse que uma vantagem do projeto para as famílias participantes foi conhecer a televisão pública com qualidade de imagem e de som, na TV aberta terrestre. “Isso faz muita diferença para quem somente vê chuviscos e fantasmas e não consegue escutar direito”, pondera. O estranhamento que houve, segundo a pesquisadora, é que eles desejavam um maior fluxo de conteúdos. “O fluxo televisivo tem novidade o tempo inteiro e, nesse caso do Canal de Serviços, não tinha muitas novidades, havia atualizações sobre empregos e cursos, mas não novos conteúdos. É natural que estranhem, pois as pessoas lidam com a lógica de ter sempre informações e entretenimento na programação televisiva”, explicou.

Equipe do Lavid/UFPB orientou famílias sobre funcionamento dos set-top-boxes.

Ainda no que se refere aos benefícios percebidos pelo público, de acordo com Cosette, um total de 82% dos entrevistados avaliou que o aplicativo sobre programas do SUS, desenvolvido pela equipe da Universidade Católica de Brasília, ajudou muito e bastante a obterem conhecimentos em saúde. Com relação ao aplicativo que disponibilizou informações sobre “Benefícios Sociais”, como o cadastro único e prestação continuada, 71% dos entrevistados declarou que este ajudou bastante ou muito a conhecerem mais sobre direitos e deveres sociais. Esse conteúdo foi produzido pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Em termos de facilidade de uso dos aplicativos, o de “Cursos e Empregos” foi o que, na visão dos entrevistados, obteve os melhores indicadores, alcançando o índice de 81% de classificações como muito fácil e fácil. “Isso não é de estranhar, já que o conteúdo audiovisual interativo foi desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba com linguagem local, e contou com a participação de um popular comediante da Paraíba”, avaliou a professora Cosette Castro. “Isso comprova algo que os estudos de Comunicação têm mostrado e falado, que é a questão da regionalização. A localização dos conteúdos é um fator essencial para a identificação, para as pessoas gostarem do que estão vendo e participarem”, continuou.
Em segundo lugar, ficou o aplicativo “Saúde”, com 79% dos entrevistados declarando que era muito fácil ou fácil. Seguindo o mesmo critério, o aplicativo sobre “Benefícios Sociais” ficou em terceiro lugar, com 67% dos entrevistados declarando que o uso do aplicativo era muito fácil ou fácil. Já o aplicativo de “Educação financeira” teve 53% de indicações de que era muito fácil ou fácil.
A pesquisa sociocultural, coordenada pela professora de Antropologia Social da UFPB, Luciana Chianca, evidenciou que, em termos de escolaridade, 57% do universo pesquisado têm ensino fundamental incompleto, 14% têm ensino médio incompleto e apenas 2% tem ensino médio completo. A pesquisa levantou ainda dados como ocupação das famílias no mercado de trabalho e hábitos de lazer. Ficou demonstrado que a maioria dos entrevistados está ligado a dois tipos de atividades: construção civil e serviços domésticos. Como grande parte das ocupações se configura como trabalho precário, estas não são necessariamente entendidas pelos entrevistados como emprego. Conforme revelou a pesquisa, o desemprego se afirma e existe negação da atividade precária realizada.
Ao abordar como se deu a escolha dos temas e sobre a linguagem utilizada para os aplicativos, Cosette Castro disse que os roteiros interativos foram bastante discutidos pelas equipes, que trabalharam questões como linguagem, usabilidade, acessibilidade e perfil do público. Ainda assim, segundo ela, houve dificuldades, como é o caso do aplicativo destinado à educação financeira, desenvolvido pelo Banco do Brasil. “Ele tinha bastante texto e uma linguagem mais específica, isso fez com que as pessoas tivessem dificuldade em acessá-lo e compreendê-lo, embora tivessem interesse pelo tema”, observou.
Segundo a Agência Brasil, um dos consultores do Banco Mundial, Rodrigo Abdalla, também pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que entrevistou 89 pessoas em 77 residências das cem que participam do projeto explicou que dentre os dados que chamam a atenção da pesquisa está o de que dois terços dos entrevistados declararam que tiveram ganhos econômicos a partir da TV digital. “As famílias detectaram benefícios e redução de despesas, especialmente por obter informações do governo que antes demandariam um deslocamento e gastos com transporte”, pontuou Rodrigo. “Os resultados são animadores”, comemora.
Isso porque, segundo Márcio Wohlers, economista da Universidade de Campinas que participou de um estudo para avaliar os impactos do projeto, as famílias tiveram, em média, uma economia de R$ 8,90 no período em que utilizaram o sistema. “Parece pouco para quem é da classe média, mas a redução corresponde a 13% do benefício cedido pelo Bolsa Família, por exemplo”, pontuou.

Desafios para implementação do Brasil 4D
A jornalista Madrilena Feitosa, que coordenou as etapas de implementação do projeto, em João Pessoa, juntamente com o diretor do Centro de Informática da UFPB, Guido Lemos, disse que, ao iniciar as atividades, a equipe se deparou com desafios como a seleção e convencimento das famílias a se integrarem ao projeto, além do desenvolvimento de roteiros interativos para um público com baixa escolaridade e que não conhecia as funcionalidades da TV digital interativa. “Buscamos facilitar a usabilidade dos aplicativos para torna-la mais amigável, mais intuitiva. Exemplo disso é que procuramos utilizar as mesmas cores do controle remoto para o comando de ações similares, no desenvolvimento do aplicativo sobre “Cursos e Empregos”, produzido pela UFPB”, explicou.
Ela afirmou que a seleção e integração das famílias ao projeto foram viabilizadas com o apoio da Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa, que coordena as atividades do Programa Bolsa Família e conhece o perfil desses cidadãos. Conforme relatou, as informações básicas sobre o projeto foram repassadas durante reuniões nas sedes dos CRAS – Centros de Referência em Assistência Social dos bairros de Mandacaru, Cristo Redentor e Colinas do Sul/Gramame. Nesses encontros, uma das informações mais recorrentes foi a de que, ao participar do projeto, as famílias teriam acesso a informações sobre programas e serviços essenciais do governo Federal, sem sair de casa e fazendo uso, pela primeira vez, de uma nova tecnologia que permite escolhas durante a programação.

Edineide Mendes procurou curso de cabeleireira depois de ver os conteúdos do Canal de Serviços.

A jornalista contou que, durante as reuniões, as famílias foram informadas que seriam instalados, em cada casa, um set-top-box e uma antena UHF. Cada participante também receberia um controle remoto para interagir com a programação e seria instruído sobre como utilizar o novo equipamento. “Para a nossa surpresa, houve muito boa receptividade, as famílias queriam receber o equipamento”, comemorou.
Segundo Madrilena Feitosa, as famílias usuárias do sistema demonstraram predisposição e interesse em interagir com os conteúdos veiculados, demonstrando, com raras exceções, um mínimo de conhecimento operacional no uso do controle remoto. “Uma das reações mais frequentes desse público foi de surpresa, ao ver, pela primeira vez, a imagem em alta resolução na tela da TV de casa, quando a equipe terminava a instalação dos equipamentos”, observou. Ela acrescentou que a maior parte dos telespectadores envolvidos no projeto não dispõe dos modernos aparelhos de TV e tinha acesso apenas à transmissão analógica. “Quando viu a imagem digital, a dona de casa Geane Gomes, do bairro Colinas do Sul, disse: nunca pegou desse jeito”, relatou.
A respeito do desenvolvimento dos roteiros interativos, Madrilena informou que as equipes das três universidades buscaram trabalhar com conteúdos que fossem compreendidos pelas diferentes gerações que compunham a audiência, caracterizada também pela baixa escolaridade. As aplicações interativas foram desenvolvidas para oferecerem o menor grau de complexidade e dificuldade ao público. Essas aplicações, conforme explicou, apresentavam fácil usabilidade e eram percebidas como tal. Na equipe de produção dos roteiros estiveram as jornalistas e pesquisadoras em TV Digital, Kellyanne Alves e Madrilena Feitosa, do Núcleo Lavid/UFPB; o professor da UCB, Alexandre Kielling; a pesquisadora de TV Digital e jornalista Cristiana Freitas, da EB; e o professor Fernando Crocomo, da UFSC.
Os conteúdos interativos permitiram aos telespectadores fazer escolhas durante a programação. Usando as teclas coloridas do controle remoto era possível ter acesso aos conteúdos do menu principal do Canal de Serviços. Nessa tela principal eram disponibilizadas as quatro programações interativas: o aplicativo Saúde, cujo ícone tinha a cor verde; o aplicativo Cursos e Empregos, na cor amarela; o aplicativo Benefícios, na cor azul, e o aplicativo do Banco do Brasil, na cor vermelha. Para a navegação, dentro de cada um dos aplicativos, foram utilizadas as teclas convencionais de entrar, play, sair, além das setas que indicam que o usuário deve seguir adiante ou retroceder. Os controles remotos distribuídos aos participantes continham teclas nas cores amarelo, vermelho, azul e verde. Ela contou que os jovens, já acostumados a manipular equipamentos digitais, ajudaram os pais a utilizar o aparelho e os serviços, mas, ainda assim, ressaltou a importância da presença de técnicos, em projetos como esse, para monitorar e acompanhar as famílias.

Avaliação da transmissão digital
Segundo André Terra, da Intacto, empresa que avaliou o sistema de transmissão digital, durante a execução do Brasil 4D, uma das descobertas do trabalho de campo foi que o sinal digital de uma grande emissora do País não chegava com qualidade em algumas áreas dos bairros testados. “Apesar de a amostragem ter sido pequena e termos que levar uma série de coisas em consideração. O maior aviso para nós foi: será que isso vai influenciar no resultado dos pontos de Ibope das emissoras? Quão preparado o mercado está para não sofrer impactos de audiência com o switch-off?”, revelou. Ele ainda observou que, mesmo nesses bairros periféricos, presenciou TVs a cabo instaladas, em muitas casas, graças à oferta de assinaturas de baixo valor.

Deisy Feitosa
Jornalista e mestre em TV Digital pela Unesp.
Doutoranda/USP
Edição: Fernando Moura

Revista da SET.