PRODUÇÃO LOCAL – Produzir é preciso

Nº 131 – Março 2013

Por Luiz Gurgel

As emissoras regionais precisam encarar, de frente, o desafio da produção local de programas para televisão.

Quando dizemos “Produzir é preciso”, pegamos carona da frase do poeta português Fernando Pessoa que disse: “Navegar é preciso, viver não…” e queremos dizer que para sobreviver é preciso produzir. Estamos nos dirigindo, naturalmente, às emissoras de televisão com abrangência local ou regional, pois para as cabeças de rede, produzir é uma realidade que sempre fez parte do seu dia-a-dia.
Há um paradigma na cabeça da maioria dos acionistas e dirigentes de emissoras regionais segundo o qual “produzir é caro, complicado e sempre dá prejuízo”.
Será isso realmente verdadeiro ou apenas uma conclusão apressada sem muita conexão com a realidade? Não duvidamos que “retransmitir” a programação de rede, produzindo apenas um pequeno jornal local, é muito mais cômodo e isento de riscos. Mas, já diz a sabedoria popular: “quem não arrisca não petisca”.
Hoje, tempos de concorrência acirrada, se não estivermos dispostos a correr riscos, seremos facilmente atropelados pelos outros veículos de comunicação na disputa pelas verbas dos anunciantes locais e até dos anunciantes nacionais. Não tem como evitar, as geradoras de televisão regional precisam desenvolver produções locais até o limite permitido pelo seu contrato de afiliação. Esse limite, contudo, difere muito de rede para rede. Naturalmente, em todas as redes, os espaços reservados para telejornais estão presentes e as emissoras locais, quase sempre, os utilizam – muitas contudo não vão além disso.
Em quase todas as redes há bastante espaço para produções locais fora do jornalismo, espaços estes que as emissoras regionais, quase sempre, ignoram completamente, ou usam muito pouco. Os programas locais representam oportunidade valiosa de faturamento e não dá para abrir mão dessa possibilidade de ampliar as receitas. Sabemos de emissoras que conseguem, com sua programação local, dobrar o faturamento proveniente dos programas de rede.
Mas, como fazer para produzir programas de televisão com o menor risco possível? E, por que não, também com o menor orçamento possível? Como descobrir o “caminho das pedras”? Só tem um jeito: tentando. Só se aprende a fazer, fazendo. É claro que não se precisa reinventar a roda. Sempre é possível aprender com as experiências dos outros. Recomendamos começar aos poucos, talvez com um programa semanal que pode funcionar assim como uma espécie de “programa piloto” destinado mais a aprender do que visando mais o lucro. Passada essa fase, pode-se partir para um programa diário, já pensando na possibilidade de fazer dinheiro. Na comercialização também se tem muito a aprender, pois são muitos os formatos e oportunidades que a programação de rede não possibilita e que podem e devem ser explorados nos programas locais. As formas tradicionais de comercialização, tais como venda de patrocínio e comerciais de 30” no break comercial, muitas vezes não são bem assimiladas pelo mercado local, que prefere investir em merchandising no qual associam o seu produto à imagem do apresentador. O mais frequente, hoje, é o merchandising tipo “depoimento” onde o apresentador do programa “garante” a qualidade do produto recomendado.
Do ponto de vista da Engenharia, a produção de programas locais não é um grande desafio – pelo menos no início. Pode-se começar utilizando os mesmos equipamentos que produzem o telejornal da casa – talvez apenas se precise de mais uma ou duas unidades de externa, a depender do conteúdo que se vai produzir. Um tratamento mais elaborado na computação gráfica certamente é desejável, mas ela pode perfeitamente ser terceirizada. Na produção é certamente onde as dificuldades serão maiores, pois tudo vai ser diferente mesmo quando a opção for produzir programas de cunho jornalístico. Caso a opção for fazer programas na área do entretenimento, as diferenças serão tão grandes que não aconselho tentar fazê-los com o pessoal do jornalismo, não vai dar certo. Nos telejornais, em geral, o conteúdo é o mais importante e tudo é muito conciso. Nos outros programas, a estética, a forma, o tempo dedicado a cada matéria, o ritmo, tudo é diferente.

A programação local também cumpre o papel de reforçar a marca da emissora junto ao telespectador e junto ao anunciante e isso acaba trazendo, de forma indireta, mais faturamento, mesmo quando ela não produz um aumento mensurável de audiência da emissora.
A produção de programas de televisão pelas emissoras regionais representa também oportunidade valiosa de se reduzir um pouco a influência de fora que se sobrepõe aos valores e costumes locais. Vou explicar melhor: a formação das redes nacionais de televisão no passado possibilitou termos hoje uma televisão com uma qualidade só comparável à dos países mais desenvolvidos. Seria inviável, comercialmente falando, uma emissora isolada assumir, sozinha, os custos de toda sua programação com esse grau de sofisticação e qualidade técnica que encontramos na televisão brasileira. Com a formação das redes, esses custos são divididos, direta ou indiretamente, com todo o grupo de emissoras que compõem a rede – cada uma paga somente uma pequena parcela do custo total. Esse é o grande benefício trazido pelas redes nacionais, mas…, sempre há um “mas”, veio junto um efeito colateral indesejado: a disseminação de valores culturais e costumes característicos de uma região do país que passaram a ser referência nacional e que acabaram se sobrepondo aos valores locais de todas as demais regiões do país.
Antes que comecem a me apedrejar, quero esclarecer que não sou contra a existência das redes de televisão, muito pelo contrário. Se não fosse a força e a qualidade da produção de televisão do Rio e de São Paulo, provavelmente, hoje seríamos vítimas do mesmo problema tendo como vilões as produções internacionais. Talvez até um problema maior. Portanto, viva a pujança da produção de televisão nacional! Mas o risco da perda da identidade cultural regional não pode ser ignorado e necessita que se faça alguma coisa para minimizá-lo.
A produção local pode e deve fazer o contraponto com a programação de rede. Deve levar ao telespectador programas que falem a língua local e ofereçam oportunidades aos artistas locais valorizando a cultura da sua região. Isso vai fortalecer o vínculo da emissora com o seu público, vai fortalecer sua marca e acaba por reverter em aumento do faturamento. Na contramão dessa ideia, observamos algumas emissoras locais que abdicam da sua identidade e passam a se apresentar com o nome da rede da qual fazem parte – não nos parece uma boa estratégia. É claro que não devemos, e muitas vezes não podemos por força contratual, omitir o nome da rede a que pertencemos. Não estamos sugerindo isso. Devemos sim usar o nome da rede, mas sempre para fortalecer a nossa marca e não para anulá-la.
Ainda sobre a importância de produzir programas locais, queremos dizer que algumas emissoras fazem isso de forma tão competente que têm, no seu estado, para anunciantes e telespectadores, uma marca tão forte quanto a de rede – e às vezes, até mais forte que ela.
Eventos locais, customizados, representam também uma oportunidade que não pode ser desprezada pelas emissoras regionais. Bem, mas isso é um outro assunto…