O Passado, O Presente e o Futuro do Ginga

INTERATIVIDADE

Por Gilmara Gelinski

Terminou no dia 20 de outubro a consulta pública que, entre outros itens, altera o processo produtivo básico de aparelhos de TV, tendo como proposta do Governo benefícios às empresas que produzirem televisores com a ferramenta da interatividade embutida. Na íntegra, o Artigo 9 da Consulta Pública refere-se:
Os televisores com tela de cristal líquido deverão incorporar a capacidade de executar aplicações interativas radiodifundidas, de acordo com as Normas ABNT NBR 15606-1, 15606-2, 15606- 3, 15606-4 e 15606-6, obedecendo ao seguinte cronograma, tomando-se como base a quantidade total produzida no ano calendário:

I – até 31 de dezembro de 2011: dispensado;
II – de 1 o de janeiro até 31 de dezembro de 2012: 75% dos televisores;
III – a partir de 1o de janeiro de 2013: todos os televisores.

§ 1 o Todos os modelos de televisores que disponibilizarem suporte a conectividade IP deverão implementar o recurso objeto deste artigo e não poderão restringir o acesso das aplicações interativas ao canal de comunicação.

§ 2 o O recurso de que trata o caput deste artigo deverá vir instalado, pré-configurado e habilitado de fábrica para uso, por parte dos usuários.

Dois motivos levaram o processo da interatividade brasileira à Consulta Pública. O primeiro está relacionado com a obrigatoriedade do emprego das Normas ABNT, que consideram os recursos de interatividade na produção dos receptores de LCD e Plasma. O segundo era a necessidade de compromisso entre as emissoras e os fabricantes no tocante a produção de conteúdo e a disponibilização de recursos através dos receptores.

Após o encerramento da Consulta Pública, as perspectivas são boas em função da determinação dos prazos para o cumprimento das Normas da ABNT até o final de 2012. A partir de agora, emissoras e fabricantes de receptores deverão trabalhar em conjunto pela harmonização de conteúdo e receptor.

Diante de uma discussão tão complexa e profunda, a Revista da SET procurou conhecer a realidade da implementação da Interatividade na TV digital, tendo em vista o middleware Ginga ser considerado pela maioria uma tecnologia inovadora e precursora que faz parte do processo da TV digital. No evento Rio Info 2011, que aconteceu em setembro, no Rio de Janeiro, um dos assuntos discutidos por especialistas foi exatamente o rumo que a implementação do Ginga havia seguido. Alguns especialistas acreditam que o Ginga perdeu a chance de ser transformador dos negócios na TV aberta. Será?

A seguir a opinião de alguns de nossos entrevistados:

Ronald Siqueira Barbosa, diretor de tecnologia da Associação Brasileria de Rádio e Televisão (Abert), Ginga não perdeu chance alguma. É necessário ver que a TV digital está se instalando no Brasil e ainda são muito poucos os receptores em condições de oferecer o serviço. Temos certeza que com esta medida do governo, o Ginga em breve será incorporado ao dia-a-dia dos brasileiros. Para a radiodifusão, o Ginga como outros middlewares – BML e MHP – são a base para a interatividade nos padrões que foram adotados em seus respectivos países.

Embora a tecnologia sempre permita o surgimento de outras inovações para promover essa mesma interatividade, a radiodifusão aguardava a consulta pública para que a indústria de receptores através do Processo Produtivo Básico pudesse incluir em seus produtos, as regras das normas ABNT que tratam do assunto. Portanto, essa iniciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) não deixa a interatividade através do Ginga perder a chance de continuar a ser um dos elementos transformador dos negócios da TV aberta.

O modelo de negócio deve ser amplo para que os setores possam desenvolver-se no processo de digitalização e implantação da TV digital aberta. Assim, o básico seria acessar todo o conteúdo da programação da emissora de TV na TV. Como exemplo exemplo de modelos de negócio para a interatividade poderíamos listar: Informações gerais; Informações locais; Informações locais de Previsão do Tempo; Informações individuais por cultura ou religião; Informações coletivas por cultura ou religião; Informações esportivas individuais; Informações esportivas coletivas (campeonatos etc.); Informações através de EPG; Jogos e outros passatempos.

A digitalização dos sinais da TV aberta sempre foi pensada contemplando a mobilidade, a alta definição e a interatividade, contudo, o padrão ISDB-T, concebido pelos japoneses, já apresentava seu modelo de interatividade. Por opção, o Brasil preferiu desenvolver o seu próprio middleware, com condições de substituir o original japonês. Os procedimentos para desenvolver, aprovar e incluir um padrão de interatividade como o Ginga no projeto nacional e internacional leva tempo, pois há a necessidade de recomendação internacional. Com isso houve um atraso natural na inclusão da interatividade na TV digital aberta e o processo durou mais de dois anos. Alia-se a isso, a velocidade na implantação da TV digital.

No início, a ideia era que a interatividade pudesse ser feita em duas ou três diferentes etapas. A primeira sendo uma informação adicional ao programa original da emissora, a segunda etapa com acesso a internet para complementar informação de determinado programa e a terceira etapa com um canal de retorno para a decisão de compra de determinado produto. Isso demandaria um longo trabalho entre radiodifusores e fabricantes de receptores. Atualmente, como prevê a consulta pública essas três etapas devem ser lançadas concomitantemente e o telespectador poderá utilizar em seu receptor a interatividade plena.

No tocante aos radiodifusores, o esforço na implantação do Ginga é a produção de conteúdo que permitirá o público ter uma gama de ofertas de programas com conteúdo interativo. Na verdade, acreditamos que o middleware Ginga interativo deve ser uma característica não mais opcional para os receptores de televisão digital e sim obrigatória. Para isso algumas obrigações devem ser cumpridas para que o conteúdo seja acessado por receptores móveis, fixos com set-top box e fixos com receptores integrados. Essas obrigações incluem uma série de requisitos de memória para armazenagem e execução de aplicações interativas, interfaces de programação de aplicativos (API’s) e até ‘Parental Control’ obrigatório em todos os receptores, com indicativo da idade e classificação do conteúdo.

Professor Guido Lemos, Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital – UFPB
Eu não concordo com esta afirmação de que o Ginga perdeu a chance de ser transformador dos negócios na TV aberta. O Ginga, principalmente, nas TVs com canal de retorno gera novos ativos com imenso potencial de geração de negócios e receitas que podem ser explorados pelos radiodifusores. O primeiro deles é a capacidade de fazer perguntas e obter a “resposta da cidade”. Quanto vale a resposta a uma pergunta como: “Em quem você vai votar para prefeito na próxima eleição?”.

Outro ativo de muito potencial são as “lojas”, seguindo o modelo introduzido por Steve Jobs. Na televisão este tipo de aplicação tem um potencial enorme, pois o veículo passa a cobrir as três fases do processo de venda: divulgação (único coberto pela TV analógica e pela TV digital sem interatividade); fornecimento de informações complementares, essa atividade é coberta pela TV sem canal de retorno, pois o telespectador interessado na compra de um produto pode ter acesso a informações complementares que impactam em sua decisão de compra; e, por fim, a operação de venda em si, onde é necessária uma TV com Ginga conectada a internet viabilizando a compra dos produtos em lojas virtuais.

A academia tem trabalhado para que Ginga aconteça. Nós desenvolvemos a tecnologia, transferimos para as empresas interessadas em explorá-la e continuamos trabalhando na formação de recursos humanos qualificados para desenvolver middleware e aplicações Ginga. Como nosso trabalho é olhar para o futuro, também estamos trabalhando no desenvolvimento de novas funcionalidades e no aperfeiçoamento e validação do que foi incluído no padrão Ginga.

Todos os dez países latino americanos que adotaram a tecnologia o fizeram depois de pesquisas desenvolvidas em suas universidade que avaliaram e inclusive propuseram avanços na tecnologia Ginga. Nós aqui no Lavid participamos de um projeto executado com financiamento e parceiros da União Européia (Itália, Espanha e Bélgica) visando estudar formas de integração de tecnologias desenvolvidas para o Sistema Europeu (DVB) com o Sistema utilizado no Brasil (ISDB), para uso em educação a distância usando TV digital (T-learning).

Além de ser utilizado, no Brasil, o Ginga também pode ser utilizado em outros países. Ele está alinhado com o que existe de mais moderno em termos de oferta de APIs (interfaces de programação) e é uma tecnologia aberta. O Ginga-NCL, além de uma tecnologia aberta é também gratuita, ou seja, nem consumidores nem empresas que implementam e comercializam implementações do Ginga ou de aplicações.

Professor Valdecir Becker, Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
Os especialistas acreditam que o Ginga perdeu a chance porque não encontrou um modelo de negócios que retorne o investimento e torne o desenvolvimento auto sustentável. O Ginga tinha uma proposta muito boa e inovadora em 2004/2005, quando o mercado não tinha muitas opções. Hoje as empresas de software têm ganhos maiores, desenvolvendo aplicativos para outras plataformas, que conseguem remunerar o desenvolvimento e fomentar a continuidade da criação. Já as emissoras, que teriam algo a ganhar com a interatividade, só enfrentaram custos, sem muita repercussão no mercado de consumo.

Hoje, final de 2011, deveríamos estar discutindo a integração do Ginga com outras plataformas e a evolução dos conteúdos, contemplando modelos de fluxo e sob demanda. Em vez disso, estamos no mesmo estágio de quatro anos atrás, ou seja, debatendo a adoção. O mercado e o desenvolvimento tecnológico não esperam. Muito pelo contrário: criam oportunidades e fazem a roda girar. Coisa que não aconteceu com o Ginga e não vai ser uma imposição governamental que vai propiciar isso.

A interatividade está acontecendo, com Ginga ou sem Ginga. Hoje o uso de redes de telefonia e a disponibilização de aplicativos para smartphones ou tablets estão se mostrando mais rentáveis, e dessa forma, vai puxando a interatividade. Os radiodifusores precisam encontrar caminhos neste cenário para incluir o Ginga, sob pena dele ficar restrito a informações adicionais à programação, sem qualquer possibilidade de incrementar o faturamento.

O desenvolvimento de modelos de negócio para a interatividade não pode usar como ponto de partida a estrutura tradicional da TV, baseada no fluxo (grade de programação) e audiência medida em pontos de TVs ligadas. A interatividade é interessante para desenvolver o engajamento na programação, se bem integrada com outras ferramentas, como mídias sociais.

Com relação as fabricantes, incluir o Ginga nos receptores pode trazer problemas de assistência técnica, pois o software é mais suscetível a problemas de funcionamento. Estamos acostumados a computadores travando, mas uma TV travando pode trazer o pânico no telespectador. Por isso, os testes e a eficiência precisam ser muito maiores. E isso leva tempo. Até hoje não temos um padrão de middleware no mercado, pelo simples fato de não termos ferramentas para constatar que uma implementação Ginga está de fato de acordo com a norma.

As interatividades que estão no ar hoje não funcionam em todas as TVs. Ou seja: hoje se eu quiser usar a interatividade da emissora X, eu preciso de um levantamento para ver em quais receptores essa interatividade vai funcionar. Tenho aqui no escritório quatro implementações diferentes de Ginga, e nenhuma delas consegue receber bem as interatividades de todos os canais. Claro que esse problema pode ser da aplicação, mas para o telespectador isso é indiferente: é a TV que não funciona. O problema sempre fica na conta do fabricante, mesmo que a aplicação esteja defeituosa. Mesmo assim, muitas empresas apostaram nesse mercado, lançando produtos e incentivando a compra. No entanto, por falta de conteúdos bons e em boa quantidade, os consumidores não compraram.

Na próxima edição da Revista da SET você verá a opinião do nosso diretor de interatividade David Britto, em nossas páginas de entrevista.

Gilmara é editora da Revista da SET. e-mail: [email protected]