Múltiplos dispositivos, OTT e Híbrido: palavras chaves do IBC 2012

COBERTURA IBC

Por Ana Eliza Faria e Silva

Este ano, a palavra que definiu o IBC foi “multi-screen” e consigo o conceito de conteúdo sob demanda e TV conectada. Apesar disso, nos painéis estavam presentes o questionamento sobre a adoção dessas tecnologias e o comportamento do consumidor. As métricas mais recentes mostram que nem todas as ferramentas para engajamento do consumidor utilizadas para o consumo móvel são diretamente transportáveis para sala de estar e para o consumo no televisor conectado.

Para o VP da Ericsson, Ove Anebygd, a terminologia multi-screen “se tornará redundante, pois o consumidor espera que essa seja a evolução natural da atual experiência de ver TV”. Embora essa ainda seja uma visão de futuro, está claro que uma categoria de consumidores jovens já considera estar conectado e compartilhar as suas atividades como parte da experiência de ver TV.

As pesquisas também revelam o surpreendente aumento do número de usuários que utilizam um smartphone, PC ou tables enquanto assistem TV, embora apenas uma fração acesse conteúdo relacionado ao que está sendo exibido na TV. O tema foi matéria de capa da Times Magazine, “10 Ways Mobile Technology Is Changing Our World” e revelou que os brasileiros se destacam entre os países que consideram que estar constantemente ligado pela tecnologia é útil, afirmação de 92% dos entrevistados. Seguramente, o momento é crítico e existe uma distinção clara entre os hábitos de ver TV nas diferentes gerações de telespectadores e o IBC apresentou diversas alternativas para tentar estabelecer uma ponte entre o conteúdo da segunda tela e o da TV.

Tecnologias e serviços over-the-top
O aumento do consumo de vídeo em múltiplos dispositivos é uma das facetas do serviço over-the-top ou OTT. Segundo o dado divulgado por Lance Ware, CTO da Cenoplex, o consumo de vídeo OTT corresponde a mais de 45% da banda utilizada para internet. Embora esse número possa variar um pouco dependendo do contexto e da região medida é inegável que esse percentual continua subindo. Muito desse crescimento é atribuído ao crescimento da banda larga e a transformação de televisores, bluray players e consoles de games em dispositivos conectados.

A máxima de que o “conteúdo é rei” continua valendo, mas também é importante perceber que o consumidor tem mais controle do que nunca. Já é possível, até mesmo no Brasil, cancelar ou reduzir o pacote de TV por assinatura e utilizar uma combinação de canais abertos com agregadores de conteúdo OTT. Entretanto, dada a complexidade tecnológica associada ao conteúdo OTT, a oferta linear ainda atende a maioria, pois tira do consumidor a tarefa de escolher. Num momento em que as ferramentas de oferta de conteúdo e análise estatística dos hábitos do consumidor ainda estão se desenvolvendo, não é raro que o usuário gaste 5 a 10 minutos buscando conteúdo e, no final, se decida por um canal linear ou por um conteúdo diferente do que lhe foi oferecido.

Do ponto de vista de tecnologia, a grande mudança no mercado de OTT é o crescimento da entrega em streaming ao invés de download, embora os dois coexistam. Netflix, Hulu e o iPlayer da BBC crescem baseados no modelo de streaming enquanto o popular iTunes continua baseado em download. Outra mudança importante é que os provedores OTT começam a suportar modelos baseados em armazenamento na nuvem, tornando o armazenamento local cada vez menos relevante para o consumidor.

Uma das maiores vantagens competitivas do vídeo overt-the-top tem sido sua habilidade de evoluir rapidamente. Em curto espaço de tempo uma ampla gama de serviços se desenvolveram com diferentes padrões e tipos de implementação. Até o momento a ausência de padrões facilitou seu desenvolvimento. Entretanto, isso também significa que o conteúdo precisa ser preparado em um número enorme de wrapers, diferentes sistemas de DRM e várias tecnologias de streaming adaptativo, aumentando o custo e complexidade na distribuição do conteúdo. O que se vê, no entanto, é que indústria está evoluindo para uma situação praticamente estabelecida onde a codificação de vídeo H.264 é um padrão “de facto” e uma batalha ainda não totalmente ganha pelo MPEG-DASH na parte de adaptative streaming.

De fato, o MPEG-DASH chegou fortalecido ao IBC após uma prova de conceito em relativamente larga escala durante as Olimpíadas de Londres, sendo “vendido” como o protocolo de streaming que unifica a solução Microsoft, Apple e Adobe com a vantagem de oferecer streaming adaptativo sobre HTTP, permitindo o ajuste automático da taxa de acordo com a largura de banda e sem hardware proprietário.

Sabemos que no Brasil e em várias partes do mundo, a disponibilidade de banda larga ainda é um gargalo para o crescimento desse tipo de serviço, no entanto, do ponto de vista das emissoras, os verdadeiros desafios giram em torno do modelo de negócio, canibalização das receitas, multiplicidade de padrões e a necessidade de resolver as questões de propriedade intelectual e pirataria antes da adoção em massa dessa tecnologia.

Híbrido não é conectado
O termo híbrido no contexto de TV digital surgiu para designar o uso simultâneo do tuner de TV digital e da conexão de banda larga para oferecer ao telespectador uma experiência integrada, linear e não linear. Por outro lado, a TV conectada explora exclusivamente a conexão de banda larga do televisor oferecendo ao consumidor um conjunto de aplicativos.

A TV híbrida é oferecida pelos radiodifusores através de uma plataforma padronizada, no caso europeu tipicamente um televisor HbbTV. A plataforma híbrida oferece opções para combinar a oferta de TV linear e catchup criando uma experiência harmonizada para o usuário. No Brasil, apesar da crescente diversidade de oferta de conteúdo não linear, o consumo de conteúdo linear ainda é crescente. Ao mesmo tempo, aplicações como o iPlayer da BBC e o alemão Mediathek crescem de popularidade, aumentando o desafio de ampliar a oferta ao telespectador sem minar a audiência e o conteúdo linear fazendo testes. Em termos práticos, o que se viu no IBC é que apesar de sua adoção na grande maioria dos países europeus, de maneira geral, os radiodifusores ainda estão fazendo testes pré-comerciais.

A versão 1.5 da especificação HbbTV, lançada as vésperas do IBC no website do HbbTV consortium com publicação pelo ETSI ainda pendente, introduz suporte para HTTP adaptative streaming (com base em MPEG-DASH), visando a melhoria da qualidade de vídeo percebida, além de permitir o suporte simultâneo a várias tecnologias de DRM. A nova versão também enriquece significativamente as informações disponíveis sobre a grade de programação, permitindo disponibilizar informações do guia eletrônico completo referente a sete dias de programação e fornecer uma experiência consistente ao usuário.

Para atender o consumidor
A boa notícia é que o futuro para os provedores de conteúdo e consumidores é promissor. As tecnologias para OTT são capazes de entregar uma experiência muito mais atraente incluindo mídia social, busca mais relevante e fácil, modelo de anúncio menos intrusivo e novos modelos de monetização. Por outro lado, o aumento do consumo móvel e na segunda tela exige maior agilidade para atender a necessidade de consumo tanto em casa quanto em movimento. Porém isso exige uma difícil adaptação dos provedores de conteúdo a um mercado mais dinâmico, no qual os consumidores têm maior liberdade de escolha.

O desafio mais crucial da TV híbrida, do uso da segunda tela e dos múltiplos dispositivos é torná-los elementos para aumentar o engajamento da audiência. E para que o serviço híbrido seja a forma preferida de consumir conteúdo o foco deve estar na atratividade do conteúdo e na simplicidade do serviço. No momento a relação entre investimento e receita é ruim e dificulta sua implantação. Especialmente no caso de OTT, enquanto a última milha não for tratada e tarifa por consumo como água e eletricidade a equação não fecha tornando difícil, senão impossível oferecer ao usuário acesso não discriminatório a infraestrutura e ao conteúdo.

Incentivos vindos dos fornecedores de equipamentos e soluções não faltaram no IBC. Para muitos, embora a TV continue a ser uma experiência “Premium”, os provedores de conteúdo precisam direcionar esforços para a oferta multiscreen oferecendo a experiência correta para não perder capacidade competitiva e relevância frente a novos entrantes. O objetivo parece estar claro: manter a força da marca e transformar a oferta de conteúdo agregando presença em todas as telas. Todos os fornecedores de soluções de compressão apontam a integração do back-office como mais importante que a aquisição de ferramentas de compressão mais sofisticadas, sob o risco de aumentar excessivamente os custo de operação ou frustrar os usuários.

Ao menos do ponto de vista de tecnologia já estão disponíveis todos os elementos que podem proporcionar ao consumidor uma experiência integrada em diversos dispositivos e o transporte de conteúdo entre eles, oferecendo aos provedores de conteúdo a oportunidade para evoluir juntamente com a expectativa do telespectador.

Ana Eliza é Diretora de Tecnologia da SET e Gerente de Engenharia da TV Globo .
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