Multiplexador para o Sistema Brasileiro de TV Digital

Resumo – A digitalização dos serviços de radiodifusão trouxe muitos benefícios, tanto para os telespectadores, como para os radiodifusores. Imagens em alta definição, áudio com múltiplos canais, imunidade aos ruídos, informações sobre a programação (EPG), interatividade e a multiprogramação são apenas alguns exemplos de funcionalidades oriundas deste processo. Agora é possível transmitir não apenas as informações de áudio e vídeo, mas também dados e informações de múltiplos conteúdos ao mesmo tempo, dentro de um único canal de 6 MHz. Com isso, a correta configuração do multiplexador, cuja principal função é receber todos esses sinais e concatená-los em um único fluxo de dados BTS (Broadcast Transport Stream), é de extrema importância para o correto funcionamento dos receptores de TV digital. Este artigo abordará a configuração do multiplexador e trará uma analise das principais inconformidades detectadas nos 3 anos iniciais de operação do SBTVD.

Palavras-chave – Multiplexador, ISDB-TB, SBTVD, televisão digital, tabelas PSI/SI.

Introdução
No dia 2 de dezembro de 2007, iniciaram- se oficialmente as transmissões de TV digital no Brasil, com o início das transmissões comerciais na cidade de São Paulo. O padrão adotado foi o mesmo utilizado no Japão (ISDB-T), porém com algumas alterações nas tabelas do sistema, no padrão de codificação de áudio e vídeo, que utilizam a compressão H.264 e no middleware, que é chamado de GINGA.

O sistema de modulação digital utilizado no padrão brasileiro, foi concebido de forma a permitir maior flexibilidade de configuração, permitindo a transmissão simultânea em até 3 níveis diferentes de robustez (camadas), utilizando o mesmo canal de 6 MHz. Atualmente, as principais emissoras utilizam a transmissão com dois níveis distintos de robustez, um sinal mais robusto para a recepção móvel / portátil (one-seg) e outro sinal (full-seg) com menor robustez, porém com maior taxa útil de bits, para transmitir um sinal em alta definição.

Imagens em alta definição, áudio com múltiplos canais, imunidade aos ruídos, informações sobre a programação (EPG), interatividade e a multiprogramação são apenas alguns exemplos de benefícios da transmissão digital.

Outro benefício é que, diferente do que ocorre com a transmissão analógica, em que se transmitem as informações de áudio e vídeo de um único programa, com a digitalização do sistema de transmissão, transmitem-se bits, que podem carregar as informações de áudio e vídeo de um ou de vários programas ao mesmo tempo, além de informações úteis para o receptor e para o telespectador, como a interatividade, guia de programação, relógio, atualização do receptor etc.

Desta forma, o multiplexador transformase em uma peça chave para o correto funcionamento do sistema de transmissão digital, pois sua principal função é receber todos os sinais provenientes dos codificadores de áudio, vídeo e dados e concatená-los em um único fluxo de dados, chamado de BTS.

Este pacote BTS gerado na saída do multiplexador, é composto de 188 bytes, de acordo com a norma ISO/IEC 18811-1 adicionado de mais 16 bytes, chamados de dummy bytes. Destes 16 bytes, 8 são utilizados para o envio de informações sobre a multiplexação, estampando uma identificação de que camada o pacote pertence e sinalizar o envio das informações IIP (ISDB Information Packet). O pacote IIP carrega entre outras informações, dados sobre os parâmetros de modulação utilizados em cada camada, dados sobre o sincronismo de rede SFN etc.

Atualmente, o sinal digital já está presente nas principais capitais e grandes centros do país.. Dessa forma, a correta configuração do multiplexador é de extrema importância, para assegurar máxima aderência as normas ABNT NBR 15603, e principalmente, garantir o correto funcionamento dos receptores em todas as cidades do país.

No capítulo II serão mostradas as principais tabelas inseridas no multiplexador, bem como uma breve descrição de cada tabela. No capítulo III será feita uma análise das principais inconformidades detectadas nesses três anos iniciais de operação, principalmente no que se refere à configuração e preenchimento das tabelas. O capítulo IV apresentará a conclusão e por fim serão apresentadas as referências bibliográficas utilizadas para a elaboração desse trabalho.

Tabelas PSI/SI
A Figura 1 ilustra um diagrama simplificado de uma emissora de televisão, desde a geração dos sinais, até a recepção na casa dos telespectadores. Na etapa de geração do sinal, podem-se ter câmeras HD ou SD, que entregaram em sua saída um sinal já digital de áudio e vídeo, porém sem compressão. Esses sinais, possuem uma alta taxa de bits, o que inviabiliza sua transmissão através do sinal digital terrestre, que possui largura de banda de 6 MHz e taxa de bits da ordem de 18 Mbits/s, dependendo da configuração utilizada. Por este motivo, é necessária a utilização de um codificador, de forma a reduzir a taxa de bits para taxas possíveis de se transmitir.

As saídas dos codificadores são conectadas a entrada do multiplexador, que também recebe os dados de closed caption, dados da interatividade e insere as tabelas de acordo com a norma MPEG 2 System.

Basicamente, são inseridas as tabelas PSI (Program Specific Information) / SI (Service Information). As informações PSI são as tabelas padronizadas pela norma MPEG 2 System e as informações SI são as tabelas específicas e características de cada sistema de transmissão (DVB, ISDB, ATSC e SBTVD).

 

Tabelas PSI
PAT (Program Association Table)
A PAT é responsável por identificar os PIDs (Packet Identifier) da PMT (Program Map Table) e da NIT (Network Information Table). Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória. No caso de existir mais de uma camada de transmissão, a tabela deve ser sempre enviada na camada de menor robustez.).

NIT (Network Information Table)
Ela é responsável por carregar as informações sobre a emissora, freqüência de transmissão e informar o canal virtual. No sistema brasileiro, a NIT possui alguns descritores próprios, diferente do especificado no MPEG 2 System, principalmente para atender o serviço oneseg. Isso porque, a grande maioria dos dispositivos dedicados a recepção móvel/ portátil demodulam apenas a camada referente ao seu serviço (maior robustez). Como a PAT é sempre enviada na camada de menor robustez, a NIT, para o one-seg, funciona como a PAT, sinalizando quais os PID da PMT que carrega o serviço móvel..

Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória.

PMT (Program Map Table)
É a responsável por carregar as informações que permitem o receptor localizar corretamente cada um dos conteúdos enviados, sejam eles vídeo, áudio, closed caption, interatividade, etc. e também a localização da referência de clock do programa (PCR – Program Clock Reference) para cada serviço. Caso exista mais que um serviço, existirá uma PMT para cada serviço.

Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória

CAT (Conditional Access Table)
A CAT deve prover informações sobre sistemas de acesso condicional utilizados no multiplexador.

Caso seja utilizado acesso condicional, esta tabela é mandatória. Atualmente a CAT não é utilizada no SBTVD.

Tabelas SI
SDT (Service Description Table)

A SDT é responsável por conter as informações que descrevem os serviços em um sistema, como, por exemplo, nome do serviço (por exemplo: serviço HD ou serviço one-seg) e provedor de serviço (nome da rede).

Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória

EIT (Event Information Table)
A EIT tem como principal funcionalidade o envio das informações específicas para cada programa que será exibido. Para isso, cada programa é considerado como sendo um evento, e para cada evento, é associado diversas informações, como, por exemplo: nome do evento, início do evento, duração, descrição, classificação indicativa, controle de cópias etc.

Essas informações permitem que o receptor crie o Guia Eletrônico de Programação (EPG), bloqueie a exibição de conteúdos de acordo com a classificação indicativa de um determinado evento e ainda proteja o conteúdo de cópias não autorizadas.

Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória

TOT (Time Offset Table)
A TOT fornece a informação referente à hora e data atual e também fornece a informação de diferenças de fuso horário e do horário de verão. O horário enviado na TOT deve ser sempre o horário oficial de Brasília (UTC-3) independente do local onde a emissora está localizada e os ajustes de fuso e horário de verão devem ser enviados através do descritor local_time_offset_descriptor, conforme mostrado no item E.
Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória

BIT (Broadcast information Table)
A BIT descreve as informações da rede ou informações dos parâmetros de transmissão da SI para cada radiodifusor, como por exemplo: nome da emissora e a rede a qual ela pertence.

Esta tabela deve ser sempre enviada e sua utilização é mandatória

Principais inconformidades detectadas
Desde o início das operações, um grupo formado pelos representantes das principais emissoras se reúne trimestralmente de forma a trocar experiências e sinalizar para o fórum SBTVD e para os fabricantes de receptores, possíveis inconformidades com a norma brasileira. O objetivo é evitar que o usuário final , o telespectador , não se frustre frente a um problema que afete a qualidade de seu sinal .Esse capítulo irá mostrar uma análise das principais inconformidades detectadas durante os 3 primeiros anos de operação.

Codificação
Inconformidade na codificação de vídeo: Uso de compressão fora do formato especificado pela norma ABNT NBR 15602-1

A codificação de vídeo deve ser realizada utilizando compressão H.264 high profile 4.0 ou inferior para sinais HDTV e H.264 main profile 4.0 ou inferior para sinais SDTV. Para os sinais LDTV (one-seg), devese utilizar compressão H.264 baseline profile 1.3 ou inferior.

Inconformidade na codificação de áudio: Uso de empacotamento de áudio fora do formato especificado na norma ABNT NBR 15602-2.
A codificação e o empacotamento do áudio devem obrigatoriamente ser compatíveis com LATM/LOAS, conforme a ISO/IEC 14496-3. Conforme especificado na norma ABNT NBR 15602, o fluxo elementar do áudio deve ser primeiramente encapsulado no formato de multiplexação LATM e deve obrigatoriamente utilizar o elemento de multiplexação audiomuxelement().

A camada de sincronização do transporte de áudio (LOAS) deve utilizar o formato de transmissão AudioSyncStream() conforme em ISO/IEC 14496-3.

Sinalização
Inconformidade na Sinalização de áudio: Sinalização do SBR de forma implícita, quando utilizado codificação de áudio HE-AAC.

A norma ABNT NBR 15602-2, estabelece que quando utilizado a compressão de áudio HE-AAC, a sinalização da presença de SBR deve obrigatoriamente usar o mecanismo de sinalização explícito nonbackward compatible, de acordo com a ISO/IEC 14496-3.

Configuração e envio das tabelas
Inconformidade no preenchimento da Tabela EIT: Não envio de todos os descritores mandatórios.

De acordo com a ABNT NBR 15603, o envio de alguns descritores é obrigatório, dependendo da tabela em questão. No caso específico da EIT, os seguintes descritores são obrigatórios: short_ event_descriptor (definições do evento), component_descriptor (características do stream), áudio_component_descriptor (características do áudio) e o parentalrating_control (classificação indicativa).

Inconformidade no preenchimento do horário dos programas enviado pela EIT para composição do EPG: Utilização de horário diferente do UTC-3.
O horário a ser preenchido no descritor short_event_descriptor de forma a sinalizar o início de cada evento, deve ser sempre o UTC-3, independente da região onde o transmissor está instalado, e presença ou não do horário de verão.

A correção do horário, nos locais que for necessário, será feita pelo receptor a partir das informações recebidas pela TOT.

Inconformidade no preenchimento da TOT: configuração incorreta do descritor local_time_offset_descriptor
O correto preenchimento dos campos da TOT é importante para que o receptor consiga receber e mostrar corretamente, as informações do guia de programação, agendar download de atualizações etc.

A norma ABNT NBR 15603, estabelece que o horário enviado na TOT, independente da região do país em que a estação transmissora estiver localizada, deve sempre enviar o horário oficial de Brasília (UTC-3). Já os campos local_ time_offset e next_time_offset enviados pelo descritor local_time_offset_descriptor presente na TOT, devem ser configurados de acordo com a localização da estação transmissora, de modo a ajustar as diferenças de fuso horário e horário de verão de onde a geradora está localizada.

A Figura 2 mostra as regiões e os fusos horários utilizados no Brasil e na Tabela 1 são mostrados os valores a serem preenchidos no descritor local_time_offset_ descriptor para cada caso.

O preenchimento do next_time_offset permite que o receptor possa se autoconfigurar no momento que se iniciar ou terminar o horário de verão. Entretanto, cabe a emissora realizar manualmente a alteração do descritor local_time_offset_ descriptor quando se iniciar ou terminar o horário de verão, de forma a manter o seu preenchimento conforme mostrado a Tabela 1.

Inconformidade da determinação do valor original_network_id.
O original_network_id deve identificar unicamente cada uma das estações geradoras existentes no Brasil. Esta identificação deve ser feita a partir dos valores de prefixo padronizados pela ANATEL para cada estação geradora. Este prefixo é representado por seis dígitos, onde os dois primeiros dígitos são sempre representados pelas letras ZY. Ex: ZYA205, o terceiro valor (esquerda para direita) é representado sempre pelas letras A, B, P, Q e T e os três últimos valores são representados por uma numeração de 000 a 999 possíveis.

Para a composição do original_network_ id, as duas primeiras letras devem ser desconsideradas e para a terceira letra (esquerda para a direita) deve ser atribuído um valor que deve estar de acordo com a Tabela 2, os últimos três valores deverão ser mantidos. Dessa forma o valor do original_network_id é obtido na forma decimal.

Por exemplo, uma emissora que possui a identificação ZYA205 irá descartar as duas primeiras letras (ZY) e substituirá letra A pelo valor 0 conforme mostrado na tabela 2. Desta forma o seu original_ network_id será 0205 em decimal. Convertendo esse valor para hexadecimal, o valor do original_network_id será 0x0CD.

Inconformidade da determinação do valor do service_id de cada serviço de televisão digital.
Os campos referentes ao service_id devem obrigatoriamente ser únicos por estação geradora e devem conter a identificação do tipo e do número de serviço transmitido. Para que o service_id seja único por geradora, deve obrigatoriamente ser inserido nos seus 11 bits mais significativos o valor dos 11 bits menos significativos do campo original_ network_id. Os 2 bits seguintes do service_id devem obrigatoriamente representar o tipo de serviço que está sendo transmitido e é definido na Tabela 3:

Os três bits seguintes devem representar o número do serviço (service_number) transmitido pela emissora, que varia de 000 a 111, representando no máximo 8 serviços, como mostra a Figura 3.

Para o exemplo dado no item anterior, onde o original_network_id é 0x0CD, convertendo em binário temos 00011001101. Desta forma, para o serviço de televisão fixa, de acordo com a tabela 3, temos 00, o primeiro serviço de televisão desta emissora ficaria como mostra a Figura 4, em binário.

Caso exista outro serviço fixo, a diferença será apenas nos últimos 3 bits, que deverão ser alterados para 001, 010, 011… e assim sucessivamente.

O correto preenchimento destes valores é fundamental para que os receptores consigam identificar os serviços e mostrá-los de forma correta.

Inconformidade no preenchimento do campo remote_control_key_id enviado pela tabela NIT.
Para as emissoras que atualmente possuem tanto a transmissão analógica, como a digital. O valor do campo remote_ control_key_id designado para o canal digital de uma emissora deve ser igual ao número do seu canal analógico. Isso permite que o usuário continue selecionando no controle remoto, para o canal digital, o mesmo número que já conhece para sistema analógico.

Inconformidade no envio de tabelas que não estão definidas nas normas SBTVD.

Nenhuma tabela ou descritor que não esteja em acordo com as normas do sistema brasileiro de TV digital (normas ABNT NBR 15601 a 15608) pode ser enviada.

Conclusão
O Sistema brasileiro de TV digital já é uma realidade em grande parte do país, e cada vez mais, é fundamental garantir que tanto o sinal gerado pelas emissoras como os receptores estejam aderentes as normas do SBTVD, de forma a evitar possíveis incompatibilidades que façam com que um determinado conteúdo não consiga ser exibido.

As emissoras, juntamente com o fórum de TV digital, fabricantes e universidades vêem trabalhando de forma a permitir o constante aperfeiçoamento do SBTVD. Este trabalho teve o intuito de facilitar, ajudar e esclarecer a configuração dos equipamentos para permitir a máxima aderência as norma vigentes.

Referências
ABNT NBR 15603-1, Televisão digital terrestre — Multiplexação e serviços de informação (SI) Parte 1: Serviços de informação do sistema de radiodifusão
ABNT NBR 15603-2, Televisão digital terrestre – Multiplexação e serviços de informação (SI) – Parte 2: Sintaxes e definições da informação básica de SI
ABNT NBR 15603-3, Televisão digital terrestre — Multiplexação e serviços de informação (SI) — Parte 3: Sintaxe e definição de informação estendida do SI
ABNT NBR 15602-1, Televisão digital terrestre — Codificação de vídeo, áudio e multiplexação Parte 1: Codificação de vídeo ABNT NBR 15602-2, Televisão digital terrestre — Codificação de vídeo, áudio e multiplexação Parte 2: Codificação de áudio
ABNT NBR 15608-3, Televisão digital terrestre — Guia de operação — Parte 3: Multiplexação e serviço de informação (SI) — Guia para implementação da ABNT NBR 15603:2007.

*Carolina Duca Novaes, engenheira eletrônica. trabalha no laboratório de rádio freqüência da TV Globo SP. Participou do grupo técnico do fórum SBTVD para desenvolvimento das normas do padrão brasileiro de TV digital. Danillo Ono, engenheiro eletrônico. trabalha no laboratório de rádio freqüência da TV Globo SP. Carlos Fini, é membro do Comitê de Tecnologia da SET e participa do Forum Brasileiro de TV digital como coordenador da norma de Multiplexação.

Revista da SET
 ANO XXI – N.113 – MAR/ABR 2010