MPEG-2 E O DATACASTING SUPORTADO NA TV DIGITAL – PARTE 1

DESTAQUE
MPEG-2 E O DATACASTING SUPORTADO NA TV DIGITAL
PARTE 1
Por Carlos Piccioni e Carlos Montez

O envio de dados tanto em sistemas de televisão como nos de rádio analógicos é possível. Um exemplo é o serviço de teletexto, comum na televisão analógica da Europa. Contudo, devido a restrições técnicas, enriquecer a programação, ou difundir dados independentes, fez com que essa abordagem se restringisse a poucas aplicações.
Com as tecnologias da televisão digital, essas restrições são suportadas utilizando a mesma infra-estrutura necessária para a transmissão de vídeo e áudio codificados digitalmente. Essa propriedade é conhecida como Data Broadcasting, ou simplesmente datacasting. Dessa forma, o datacasting pode ser viabilizado na TV Digital terrestre sem grandes custos adicionais para a difusão dos mais diversos tipos de informação.
Através do datacasting, aplicações podem ser difundidas até o televisor ou set-top box, sendo a base para sistemas interativos de televisão digital. Também torna possível que dados independentes da programação televisiva sejam transmitidos, ou seja, as tecnologias de televisão digital podem ser utilizadas em aplicações além daquelas de simples entretenimento.
Atualmente, grande parte dos trabalhos na área é direcionada para o estudo de datacasting através de datagramas IP, encapsulados no sinal da televisão digital. O interesse por essa área se deve ao fato de que é desejada, por parte desses pesquisadores, a utilização de redes de difusão como suporte às redes IP. Outro fator motivador dessas pesquisas é o endereçamento de conteúdo, possível através do protocolo IP, aos usuários da TVD.
Além do datacasting através do encapsulamento de datagramas IP no sinal da TVD, outras formas de difusão de dados são possíveis. Um dos principais deles é conhecido como carrossel, e é adotado pela maioria dos sistemas abertos.
Diferente do datacasting de datagramas IP, que surgiu voltado para redes bidirecionais, os carrosséis foram desenvolvidos tendo como alvo as redes unidirecionais de televisão digital.
Dessa forma, nesse artigo são introduzidas as classificações relacionadas aos meios de datacasting na próxima seção. A seção subseqüente apresenta um breve resumo das etapas de geração e recepção do sinal em sistemas de TVD, que serve como introdução para a seção seguinte que apresenta em detalhes o padrão MPEG-2 e os mecanismos de datacasting suportados pelo mesmo.

Taxonomias referentes ao Datacasting
Antes de classificar o datacasting em si, é importante classificar os dados a serem difundidos. Duas taxonomias são usualmente empregadas: uma com relação ao formato dos dados e outra com relação aos requisitos temporais ou de sincronização dos mesmos. A primeira divide os dados em três categorias: delimitados (bounded), não delimitados (unbounded ou streams) e datagramas. Dados delimitados são aqueles que podem ser divididos em unidades de tamanho determinado, como em objetos, arquivos, etc. Dados não delimitados não atendem a esse requisito, sendo considerados como fluxos contínuos de bits. O terceiro tipo corresponde à fragmentação dos dados, independente de sua natureza, em pacotes denominados datagramas seguindo algum protocolo de comunicação.
Uma segunda classificação divide também os dados em três tipos: síncronos, sincronizados e assíncronos. Dados síncronos possuem requisitos de sincronização com outros dados do mesmo fluxo, ou seja, possuem sincronização intra-mídia. Dados sincronizados são aqueles que devem ser decodificados ou apresentados em instantes pré-determinados, sincronizados com elementos de outras mídias, por exemplo, com determinado fluxo de vídeo. Essa forma de sincronismo é denominada inter-mídia. Já os dados assíncronos não possuem informações temporais relativas à sincronização.
O datacasting também pode ser classificado de várias maneiras. As duas classificações mais comuns são definidas de acordo com o destinatário dos dados difundidos e o grau de dependência dos dados difundidos com a programação televisiva.
Para a primeira classificação, são duas as possibilidades: os dados são destinados a um usuário, geralmente um telespectador, consumidor de um serviço de televisão digital; a segunda possibilidade é a difusão de dados corporativos, através do meio de difusão da televisão digital. No primeiro caso, geralmente o usuário tem acesso aos serviços de datacasting de forma gratuita ou paga, na maioria das vezes com a finalidade de entretenimento. Os dados corporativos por sua vez são utilizados por empresas de forma a suprir necessidades operacionais através do uso do datacasting.
Para o primeiro caso, o datacasting funciona geralmente como um fator de enriquecimento à programação televisiva. A justificativa de uso do datacasting com essa finalidade para a televisão digital é de que provavelmente apenas os benefícios de melhoria na qualidade de imagem e som não atraia recursos suficientes (consumidores, telespectadores, anunciantes, todas as possíveis fontes financiadoras) que compensem a transição para a tecnologia digital. Dessa forma, a interatividade é um recurso adicional que pode acelerar o interesse por parte do uso da tecnologia digital na televisão, e o datacasting é a base para que esse serviço seja possível.
Alguns autores afirmam, porém, que atualmente o modelo de negócios para o segundo tipo de datacasting, em aplicações empresariais, é economicamente mais viável. Essa afirmação é baseada no fato de que a infra-estrutura tecnológica necessária para suportar esse tipo de datacasting é consideravelmente mais simples e barata que no primeiro caso, assim como os benefícios são mais atraentes.
Set-top boxes neste último caso podem ser mais baratos, visto que não há a necessidade de se implementar decodificadores de mídia e middlewares em sua totalidade como especificados para receptores domésticos. Dessa forma, padrões de middleware como o MHP (Multimedia Home Platform), ACAP (Advanced Common Application Platform) e outros baseados no GEM (Globally Executable MHP) podem ser apenas implementados parcialmente, atendendo somente requisitos específicos de determinada aplicação, ou substituídos por soluções proprietárias mais simples.
O datacasting pode também ser classificado de acordo com o grau de acoplamento, ou de relação, dos dados transmitidos com a programação televisiva. São três classificações possíveis: fortemente acoplado, fracamente acoplado e desacoplado.
Um serviço de datacasting é definido como fortemente acoplado quando o mesmo é utilizado com a finalidade de enriquecer a programação televisiva em tempo real. Na maioria dos casos existem restrições temporais fortes e necessidade de sincronização dos dados com alguma mídia audiovisual. O datacasting é fracamente acoplado quando possui alguma relação com determinado programa televisivo, porém, não é fortemente sincronizado com o mesmo. Quando os dados difundidos não possuem nenhuma relação com algum serviço televisivo, o datacasting é definido como desacoplado. Os mesmos podem ser difundidos como um serviço de televisão digital, e reconhecidos e tratados por um set-top box como tal, ou serem completamente direcionados para aplicações específicas.
Existem basicamente quatro mecanismos, ou áreas de aplicação, para a difusão de dados na televisão digital, como será visto a seguir neste artigo. São eles: Data Piping, Data Streaming, MPE ou Multiprotocol Encapsulation e os Carrosséis, sendo esses últimos divididos em Carrosséis de Dados e Carrosséis de Objetos. Os quatro mecanismos são explicados em mais detalhes após a próxima seção, juntamente com o padrão de multiplexação MPEG-2 Systems, comum a todos os sistemas de Televisão Digital e do qual dependem os mecanismos de difusão de dados.
De forma a entender o porquê de conhecer este padrão MPEG, a seção a seguir introduz os conceitos básicos na geração e recepção de um sinal na TVD.

figura 1
Fig. 1 – Diagrama simplificado das etapas de difusão.

Conceitos Básicos na geração e recepção do sinal em sistemas de TVD
O processo de construção do sinal a ser difundido, em qualquer sistema de televisão digital, é dividido em uma série de etapas. A Figura 1 ilustra um modelo simplificado desse processo. A primeira etapa é a codificação e compressão da informação seguindo padrões bem definidos. A saída de cada codificador é um fluxo de dados denominado fluxo elementar (elementary stream). Quando vários fluxos elementares são relacionados entre si, como por exemplo, seqüências de vídeo com seqüências de áudio e possivelmente também com seqüências de dados, eles formam um serviço.

figura 2
Fig. 2 – Pilha de estruturas de encapsulamento em um Transport Stream.

O conceito de serviço para a televisão digital é similar ao de um canal para a televisão analógica. Os fluxos elementares de um ou mais serviços são multiplexados em uma seqüência de dados denominada de Fluxo de Transporte, ou Transport Stream (TS). O multiplexador, encarregado dessa tarefa, também é responsável por gerar tabelas que descrevem apropriadamente o conjunto de serviços transportados. Na etapa subseqüente, o fluxo de transporte é então modulado em uma onda portadora e difundido via satélite, cabo ou radiodifusão.
Na recepção o procedimento inverso é executado. Após a demodulação, do fluxo de transporte são extraídos os fluxos elementares de determinado serviço, alimentando os respectivos decodificadores de mídia. Dados que não sejam os streamings de vídeo ou áudio são processados e executados de acordo com sua aplicação.
Os sistemas DVB, ATSC e ISDB definem padrões para as várias etapas apresentadas na Figura 1. A grande diferença entre esses sistemas reside na etapa de modulação do sinal. Porém, o fluxo de bits de entrada de um modulador, o Transport Stream, nos três sistemas, segue o padrão MPEG-2 System, e esse padrão fornece as estruturas de base para os mecanismos de datacasting existentes, exposto em mais detalhes na seção a seguir.

MPEG-2 Transporte e os Mecanismos de Datacasting
Além das especificações consagradas de codificação de áudio e vídeo, o grupo de trabalho da ISO/IEC MPEG (Moving Pictures Experts Groups) definiu a especificação conhecida como MPEG-2 Systems, ou ISO/IEC 13818-1. Ela define a estrutura e a sintaxe do fluxo de transporte da chamada camada de sistema, responsável pela multiplexação em um único fluxo de bits, apropriado para a transmissão ou armazenamento, dos fluxos de vídeo, áudio e dados da camada de compressão.

figura 3
Fig. 3 – Sintaxe de um pacote de transporte.

Essa especificação não define, porém, como devem ser projetados os equipamentos multiplexadores e demultiplexadores. De acordo com o MPEG-2 Systems, existem duas formas distintas de multiplexação: através de Fluxos de Transporte (Transport Streams) ou de Fluxos de Programa (Program Streams). Os Program Streams são utilizados em meios de armazenamento com menor incidência de erros, sendo adotado nos DVDs, por exemplo. Já os Transport Streams são padronizados para uso em ambientes com maior ocorrência de erros, como na difusão.
Dessa forma, são adotados pelos três sistemas de TVD já citados. Em um fluxo de transporte, os fluxos elementares de áudio, vídeo e demais dados são organizados logicamente formando unidades conhecidas como programas ou serviços (um Programa MPEG-2 corresponde a um Serviço para o sistema DVB utilizaremos aqui apenas o termo serviço). Como já foi citado, o conceito de serviço é análogo ao de canal da televisão convencional, sob a ótica do telespectador.
Um fluxo de transporte é dividido em duas camadas de encapsulamento de dados. A camada inferior é formada por pacotes de transporte, onde cada pacote é encarregado de transportar um fragmento de determinado fluxo elementar da camada imediatamente superior. As estruturas da camada superior, por sua vez, são divididas em dois tipos: Seções (sections) e PES (Packetized Elementary Streams). A Figura 2 ilustra a pilha de estruturas presentes em um fluxo de transporte, que são descritas a seguir.

Pacotes de Transporte e o Data Piping
Cada pacote de transporte no MPEG-2 Systems possui tamanho fixo de 188 bytes, com um cabeçalho obrigatório de no mínimo 4 bytes, que pode ser estendido até o final do pacote. Os bytes posteriores ao cabeçalho, chamados de carga, transportam as estruturas da camada superior, seções ou PES (ou dados proprietários em uma forma de datacasting como será visto a seguir), que geralmente são fragmentadas em mais de um pacote de transporte. A Figura 3 ilustra a sintaxe de um pacote de transporte. Os números abaixo de cada campo indicam o número de bits ocupados por cada um.
Após ser entregue pelo multiplexador, um pacote de transporte pode sofrer interferências ou estar sujeito a erros nas demais etapas da transmissão. Quando esses erros ou interferências são detectados, e não é possível afirmar se os dados foram afetados ou não, nas etapas subseqüentes da transmissão um bit do pacote de transporte é alterado de forma a informar ao demultiplexador que o pacote apresenta erros indeterminados. Tal bit é o indicador de erro de transporte, presente no cabeçalho do pacote de transporte após o byte de sincronismo.
Devido ao seu pequeno tamanho, 188 bytes, um pacote de transporte geralmente carrega apenas fragmentos das estruturas da camada superior, as PES e as seções.
Assim, para informar ao demultiplexador quando o pacote de transporte contém o início de uma seção ou de uma PES, ou apenas a continuação dessas estruturas, é usado um bit denominado indicador de início de carga.
O MPEG-2 Systems permite que apenas uma PES ou fragmento de uma PES seja encapsulado em um pacote de transporte. Por conseguinte, quando o indicador de início de carga for igual a um, o primeiro byte após o cabeçalho do pacote de transporte corresponde ao primeiro byte da PES. Porém, com relação às seções, é permitido que o início de uma seção seja transportada após o final de outra no mesmo pacote. Dessa forma, diferentemente do que ocorre com as PES, o cabeçalho do pacote de transporte é estendido de forma a incluir um byte adicional denominado ponteiro, quando o indicador de início de carga é igual a um. Esse campo contém o número de bytes após o final do cabeçalho onde se encontra o início da seção. Nesses pacotes, os bytes após o ponteiro correspondem ao último fragmento da seção anterior. A Figura 4 ilustra essa situação.

figura 4
Fig. 4 – Função do campo ponteiro no pacote de transporte.

O conteúdo de determinados pacotes pode ser criptografado de forma a restringir o seu acesso a determinados grupos de consumidores ou telespectadores. Tais mecanismos de criptografia são implementados por sistemas conhecidos como Sistemas de Acesso Condicional. O padrão MPEG-2 não especifica como esses sistemas devem ser implementados, mas apenas oferece suporte a eles. No pacote de transporte existe um campo responsável por informar o demultiplexador se a carga do pacote está ou não criptografada, o campo controle de criptografia de transporte.
Em determinados casos, alguns pacotes de transporte podem ser mais importantes, ou necessitarem de tratamento preferencial sobre outros pacotes. Cada pacote de transporte possui um campo responsável pela delegação de prioridade simples, o bit de prioridade de transporte. Através dele é possível informar ao demultiplexador que determinado pacote ou conjunto de pacotes possui prioridade superior aos outros.
Como vários fluxos elementares são multiplexados em milhares de pacotes de transporte, deve existir um meio de identificar quais pacotes carregam qual fluxo. Dessa forma, cada pacote de transporte possui um identificador, o PID, ao qual é atribuído um valor único para o conjunto de pacotes que transporta uma PES de determinada seqüência de vídeo, por exemplo, ou fragmentos da mesma seção, ou dados proprietários de datacasting do tipo data piping, como será visto na próxima edição.

Continua na próxima edição.

Os  Autores
Carlos Piccioni é pós-graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Carlos Montez é do departamento de automação e sistemas, em Florianópolis, Santa Catarina.

e-mail: [email protected][email protected]

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