LEI 12.485 Novo cenário para a produção independente

A lei 12.485, que mudou a forma como a TV paga se apresenta no Brasil, completa seis meses, já trazendo mudanças e projetando um novo cenário para todos os envolvidos no segmento de broadcast.

Nº 130 – Jan/Fev 2013

Por Flávio Bonanome – Fotos: Divulgação – Mixer/Moonshot

REPORTAGEM

Quatro vezes mais programação nacional foi exibida na TV fechada em 2012 em comparação com anos anteriores. Este é um dos efeitos dos primeiros seis meses da aprovação da lei 12.485 anunciadas pelo presidente da Ancine (Agência Nacional de Cinema) durante o Rio Content Market, evento que reuniu as principais produtoras de conteúdo áudio-visual do país no Rio de Janeiro, no fim de fevereiro.
De acordo com Rangel, o texto da lei, que obriga canais da TV paga a exibir ao menos 3h30 diárias de conteúdo nacional, trouxe um bom momento para a indústria nacional de produção. “Pela primeira vez, passamos a ter no país uma demanda real por produção independente”, afirmou em conferência realizada no segundo dia do evento. Durante a sessão, o presidente apontou um crescimento de R$ 3,12 milhões em 2008 para R$ 50 milhões em 2012 na verba destinada à produção audiovisual pelo Fundo Setorial de Audiovisual.

Apesar do sorriso otimista com o qual o presidente da Ancine subiu ao palanque para anunciar os números de crescimento, nem todos os profissionais do setor já estão plenamente satisfeitos com os aspectos práticos da lei. Entre as principais, levantada ainda durante a apresentação de Rangel, foi a morosidade com a qual a Ancine trata os projetos das produções. Outro problema que tem preocupado os envolvidos no mercado de produção áudio visual: o uso de reprises de programas e filmes não inéditos por parte dos canais como forma de suprir as horas necessárias.
Tal cenário tem muito a ver com a grande mudança que a lei trouxe ao cenário de equilíbrio entre produtoras e canais. “Acredito que tudo vai precisar passar por um ajuste geral financeiramente falando, até porque os canais são empresas pequenas, em termos de dimensã de faturamento. De quanto dinheiro tem reservado, sobretudo quando falamos de dramaturgia”, explica Roberto d’Avila, proprietário da produtora paulista Moonshot, que, entre outros títulos, é a criadora do seriado policial 9 mm – São Paulo. De acordo com d’Avila, a vinda da lei é extremamente positiva, mas ainda faltam alguns ajustes para que todos possam se beneficiar de seus frutos. “Os mecanismos de financiamento não estão 100% definidos, ativos e azeitados. Ou seja, o que vai existir inicialmente é uma pressão de custo em cima das produtoras”, explica.

O que d’Avila quer dizer é que a demanda de comprar mais produções independentes brasileiras cresceu dentro dos canais, mas não necessariamente os budgets das empresas tenham acompanhado a curva. Em outras palavras, os canais precisam transmitir mais conteúdo pagando a mesma coisa.
“Na outra porta, levando em conta que tem mais conteúdo para ser produzido, há mais demanda de equipes e profissionais. As pessoas, roteiristas, câmeras, técnicos, que aceitavam alguns patamares de pagamentos, hoje tem mais ofertas e opções, e ficaram bem mais valorizados”, completa o empresário. Esta nova realidade deixa a produtora espremida, tentada a fazer produções mais baratas, o que pode ser um grande problema para a TV paga levando em conta que os conteúdos nacionais estarão sendo veiculados juntamente com filmes e seriados americanos que chegam a ter 1 milhão de dólares de orçamento por episódio.
Quem também concorda com a tese é Hugo Janeba, CEO da produtora Mixer. “A lei vem para reconhecer e beneficiar a produção brasileira, mas é importante ressaltar que é fundamental oferecer ao mercado e aos canais, que tem padrão de qualidade internacional, projetos com qualidade de excelência. E é isso que a Mixer tem mostrado ao mercado”, afirma.

Novo cenário à frente

A produtora Mixer atua há quase dez anos no mercado de produção áudio visual. Com extenso histórico premiado, sobretudo no mercado publicitário, a empresa de Hugo Janeba espera um grande crescimento para o segmento como consequência da lei 12.485.
“Em 2012 iniciamos essa nova fase da produtora, com foco no planejamento estratégico e na implementação de uma gestão mais profissionalizada. O plano é preparar a produtora para as novas oportunidades que pautarão os projetos dos próximos anos, sejam em conteúdo ou na área publicitária”, afirma o CEO.
A Mixer faz parte de um movimento que vai se tornar cada vez mais comum para os próximos meses. Com o aumento da demanda por conta da lei, muitas produtoras tradicionalmente ligadas à publicidade, devem passar a ter mais interesse em atuar na construção de conteúdos de dramaturgia. Para Roberto d’Avila, da Moonshot, produtora exclusivamente ligada ao entretenimento, este movimento não deve trazer uma ameaça de mercado. “É uma coisa normal que está acontecendo agora, e talvez no momento inicial, isto crie certa fumaça no mercado”, explica. De acordo com o empresário, o próprio resultado desta incursão deve acabar regularizando as coisas. “A TV no Brasil é muio verticalizada no processo de produção, sobretudo se falarmos de TV aberta. Mas isso é uma algo deste começo, um monte de gente vai entrar no mercado, e os próprios resultados que vamos ver na tela e que os canais colhem, vão parametrizar”, conta.
Mais uma vez, esta tese baseia-se na necessidade de entregar um produto de qualidade. Quando se fala de TV paga, estamos abordando um público acostumado a ter na programação uma grande oferta de seriados produzidos nos Estados Unidos, com orçamentos maiores e know-how técnico acumulado. À despeito disso, Roberto d’Avila acredita que o conceito por trás da lei vem de um resultado que as produções nacionais têm colhido com o passar dos anos. “Tudo o que produzimos para a TV Paga até hoje, comparadas à programação americana do mesmo canal, sempre tivemos desempenho superior. O nosso Brazil Next Top Model tinha mais audiência que a própria versão original. O 9mm – São Paulo passava seguido do seriado da Fox Bones e também era mais visto”, conta.
Este sucesso da programação nacional dentro da TV paga se deve à proximidade dos códigos culturais locais do Brasil. Em outras palavras, o brasileiro prefere assistir à uma programação que tenha à ver com a realidade em que ele vive. “Um conteúdo local tem mais a ver com o telespectador, chama a atenção mesmo sem competir no orçamento. Este é o sentido da Lei 12.485 e, por mais incomodados que os canais estejam, o mercado inteiro vai crescer”, acredita d’Avila.

Novos desafios

O cenário prolífico dentro do segmento da produção de conteúdo para televisão não traz somente bonanças em formas de altos lucros e grandes demandas, mas também diversas situações a serem enfrentadas. Sobretudo pela ainda não regulamentação de sistemas de financiamento e elevada demanda por equipes de trabalho.
“Alguns mercados estão se beneficiando muito, como o mercado de estúdios por exemplo”, explica Roberto d’Avila. Nos últimos anos, com o aperto dos prazos nas produções publicitários, ficou cada vez mais difícil ter tempo para realizar a construção de um cenário em estúdio, mesmo tendo recursos necessários para tanto. Agora, o efeito é invertido. “Tenho sentido na pele uma dificuldade maior de ter disponibilidade de estúdios, afinal, poucos são os estúdios bons e bem preparados. Eu já estou negociando estúdios de julho e agosto para pré-reservar, ou seja, para garantir que haverá”, conta d’Avila.

Outra dificuldade que deve ser encontrada está no próprio formato a ser produzido para a televisão. Levando em conta a vocação dos canais fechados para o tipo de programação típico da TV americana, é esperado que o tipo de programa que mais cresça se beneficiando da lei sejam os seriados semanais, formato narrativo a qual os produtores brasileiros ainda não são tão íntimos.
“Não só pela vocação dos canais, mas até por uma transformação no modo de vida do brasileiro. A programação de entretenimento diário tem muito mais a ver com a rotina de uma pessoa de 40 anos atrás, que chegava em casa sempre no mesmo horário para passar um tempo com a família”, explica d’Avila. Levando isso em conta, os produtores brasileiros precisam correr atrás para se especializar neste formato “diferente”.
De acordo com o proprietário da Moonshot, ainda é preciso muito estudo para atingir a excelência neste tipo de formato. “Precisa de fato um aprofundamento de know how, de conhecer os formatos específicos. Quando fomos fazer o 9 mm em 2006, todos os envolvidos fomos estudar, entender qual era a linguagem e a dramaturgia específica de seriado semanal, que é uma coisa que o Brasil em geral não sabe fazer, e como não faz, as próprias pessoas envolvidas não conseguem produzir, por melhores que sejam fazendo o que fazem”, afirma.

Protecionismo velado

Considerando a obrigatoriedade de financiar conteúdo produzido localmente, em detrimento das transmissões de programação produzida no exterior, fica um pouco fácil de fazer analogia com medidas protecionistas de mercado. “A lei chega para amadurecer o mercado brasileiro. Uma lei semelhante esteve em vigência nos Estados Unidos por 50 anos e há poucos anos foi revogada por o mercado estar muito consolidado. Acredito que o Brasil está neste momento agora”, afirma Hugo Janeba, CEO da produtora Mixer.
Apesar de algumas semelhanças, a legislação americana funcionava de uma maneira um pouco diferente. Segundo ela, as cabeças de rede americanas ficavam proibidas de produzir conteúdo que não fosse jornalístico, as obrigando a comprar somente conteúdo de produtoras independentes. Em outro ponto, os canais afiliados tinham direito somente a um número limitado de horas de retransmissão, gerando ainda mais demando por conteúdo independente localmente.
“A 12.485 é protecionista sim, não dá pra negar. Conceitualmente a lei faz sentido por que as pessoas querem se ver na tela. Produção local aumenta a audiência e cresce o mercado para todo mundo. Mas não se pode ser muito protecionista para a dose não ser muito forte e não matar o doente. É protecionista como são as barreiras para a indústria têxtil, como é a Petrobrás que tem o monopólio do petróleo”, afirma Roberto d’Avila.
A lei 12.485 projeta um novo cenário que pode transformar para melhor todo o segmento de produção para broadcast e até mesmo a maneira como vemos televisão no Brasil. Sem sombra de dúvida é uma época de oportunidades, que precisa ser estudada para que a execução não caminhe sobre erros e se possa alcançar o que é preciso.