A história acabou, mas ficou uma pergunta no ar

Quem esteve em São Paulo entre os dias 25 e 28 de agosto deste ano no Congresso anual da SET junto com a feira Broadcast & Cable pode verificar produtos em funcionamento que acabaram com essa visão negativista de curto prazo. Eu mesmo testei o Ginga, usando o canal de retorno em estande da feira. Quem se inte- ressa em desenvolver aplicativos para a inte- ratividade teve um dia de aula prática cujos professores são os “pais” do Ginga. Quem prefere estudar com mais detalhes teve lan- çamento de livro que ensina de forma sim- ples como desenvolver os aplicativos (os CDs vinham com o livro); quem comprou o livro no primeiro dia, estudou e teve dúvidas, pode tirá-las com o autor no dia seguinte, porque ele estava na feira para isso (1).

No estande do fórum era possível comprar conversores com descontos de 20% para os sócios da SET (atualizados com suas obrigações estatutárias). Na feira, para achar conteúdo em SD tinha que procurar com lupa. Dois fatores preocupavam os organizadores do congresso/feira: a crise financeira mundial provocada pela má ges- tão dos principais bancos americanos e a gripe suína. Nenhum dos dois apareceu por lá. A grade do congresso ganhou mais um dia e mais uma sala; a feira não conseguiu contemplar todos os interessados que de- sejavam expor seus produtos e serviços.

Então, a história acabou; tem que ser inventada outra novela, que se for positivista, terá grande audiência.

Até na abertura oficial do evento houve inovação. Um profissional de comunicação foi o mestre de cerimônias o que deixou a diretoria e componentes da mesa mais à vontade para exporem suas idéias quanto ao futuro da nova mídia que nasce: TV digital grátis.

Referindo-se à grade de programação, o vice-presidente da SET, Olímpio José Fanco, foi muito feliz quando disse: “está difícil escolher uma sala para entrar”; assino embaixo. Mantendo uma longa parceria, realizou-se também, no mesmo pavilhão, a FIICAV (Feira Internacional da Indústria do Cinema e Áudio Visual); é mais um belo exemplo de convergência das mídias.

Estreou muito bem a nova diretoria de tecnologia, liderada pelo Raymundo Barros, mas com uma contribuição fantástica do seu comitê (2). Acabou com os sinais de desigualdade e colocou à disposição do público um conteúdo que cobriu todas as atividades necessárias para colocar no ar um programa full HD, gravado ou ao vivo; mas somente isso não bastava. Precisava lembrar que a TV digital continua sendo uma atividade privada onde o estado complementa muito bem com uma programação diferenciada.

Surgiram então os painéis para se discutir “TV digital grátis – que negócio é esse?”. Nosso sistema de TV digital é reconhecido até pelos japoneses, como o melhor do mundo; robustez e a prova do futuro são as duas principais características que o premiaram com esse título.

Pensando grande Peru e Argentina já adotaram o nosso sistema (3). Os testes e medidas realizados em Cuba também foram explicados em painel que tratou de avaliação objetiva do ISDB-TB. A grade contemplou o cenário Latino- americano com um painel coordenado pelo Morris Arditt (4) e Olímpio José Franco no qual o Luis Silva, da Chile Vision discorreu sobre o pleito dos radio difusores chilenos quanto à nova lei em discussão no Congresso. Falaram representantes do Paraguai, Bolívia, Equador e Colômbia. Marcelo Martins deu um depoimento da experiência das implantações no país, sob o ponto de vista, da Century, que é um dos fabricantes de receptores. Esse foi um Painel muito proveitoso com perguntas dos visitantes estrangeiros.

Analisando o congresso com mais detalhes, podemos vê-lo sob dois aspectos: tempo e conteúdo. Quanto ao tempo, ele esqueceu o passado e focou no presente/futuro. Por que presente e futuro? Como o background era a TV digital em UHF, livre, aberta e grátis, precisavam ser contempladas todas as fases cessárias para ter um programa no ar, gravado ou ao vivo, ou seja, produção, pós-produção, transmissão, distribuição para outras mídias; mas agora com um novo componente: interatividade. Na tecnologia analógica, a TV aberta era somente áudio e vídeo; na digital os dois continuam existindo, mas aparece um terceiro: dados; são eles que vão mudar o modelo de negócio da TV digital e estavam na grade camuflados nos subtítulos Ginga, middleware e interatividade.

O futuro estava espalhado sob a forma de:
• 3D TV – TV em três dimensões.
• UHDTV (Ultra High Definition TV) que é a nossa full HD (1920 x 1080 pixels) multiplicada por 16, ou seja, da ordem de 32 milhões de pixels e áudio 22.2.
• Mídias competidoras como IPTV, Broadband TV, Cinema Digital etc.
• Compartilhamento do espectro que é finito e os concorrentes só crescem.
• Algumas ferramentas especiais como SOA (Service-Oriented Architecture) (computing) usando representação em MPEG-21 (5) e Cloud Computing.
• E, talvez, o mais importante: pesquisa e desenvolvimento, no Brasil e no Japão, para suportar as inovações tecnológicas que chegam quase diariamente.

Quanto ao conteúdo apareceu também uma novidade: Games via interatividade. Já se pode jogar Tetris na TV digital. Broadband TV, ou banda larga e TV no mesmo aparelho (televisor, claro) estava sendo mostrado. Foi o resultado da parceria entre Samsung (o televisor vem com o aplicativo) e o Portal Terra. Esse assunto foi tema de dois painéis e ambas as salas estavam lotadas. Não é mais visível a fronteira entre profissional e consumo. Televisores, câmeras full HD, games, lente com zoom ótico de 100x e estabilizada, servidores a prova de falhas, infraestrutura completa em 3 Gbps para produzir/distribuir/gravar 1080p, LCDs com LEDs na back light (chamavam a atenção pela espessura mínima e também melhor qualidade do vídeo), redes ópticas etc. Estava tudo misturado na feira deixando os visitantes confusos. Acabou a classificação consumo, industrial e profissional; só ficou o digital.

O futuro da mídia foi discutido em painel cuja mesa parecia divergente pela sua composição: telecomunicações, TVs pagas, TV grátis (com duas associações) e agências de publicidade. No final, o que se viu foi a convergência nos negócios onde parece que o papel de integrador ficará com as agências de publicidade. Quanto mais regulamentar, pior; quanto mais informar, melhor.

Agora somando tudo, ou seja, estratégico, operacional, presente, futuro, conteúdo, palestras e feira foi possível destacar os seguintes pontos:

• Storage (armazenamento de conteúdo) estava na grade e na feira; não é mais um problema de tecnologia, mas sim de gestão. Não tem saída. Tem que assumir algum risco de investimento porque as equações não fecham, principalmente com planta e acervo híbridos, tanto em formato (4:3 e 16:9), tanto em resolução (SD e HD), quanto em mídia (fita e película). Sim, ainda existem acervos em películas. Quem não fizer as contas certamente vai errar.

• Mas o que dá audiência é conteúdo e as novidades para produzi-lo e distribuílo, quer para dramaturgia, jornalismo/ esportes e interatividade, estavam na Broadcast & Cable: câmeras robotizadas; captar, mixar e ouvir áudio surround 5.1; sensores para 4K; toda linha de equipamentos para SFN (Single Frequency Network – Rede de Freqüência Única) e Gap Filler; UM de 13 m toda preparada para full HD; plataformas para interatividade full/1-Seg e carrosséis; vans com materiais especiais no revestimento interno para agilizar a instalação; invasão da optrônica (fibra óptica) nas produções, distribuições e redes; telecom invadindo as tecnologias de STL (Studio Transmitter Link) para permitir novos serviços, como monitoração e controle remoto; equipamento terminal portátil de satélite para transmitir banda larga na TV com velocidade da ordem de 400 Kbps; a invasão do wireless, (no congresso e na feira); softwares e LEDs (Light Emitting Diode) chegaram na iluminação cênica; tira dúvidas sobre as normas do ISDB-TB; o porquê da polarização elíptica com 33% no vertical; como avaliar objetivamente e subjetivamente o vídeo comprimido; como receber a TV digital em residências, prédios e condomínios horizontais; a visão industrial da portabilidade e mobilidade; como integrar a TV digital grátis nas plataformas pagas; como anda a TV paga pelo mundo; microondas digitais com baixo retardo para jornalismo/eventos; a experiência das redes que já operam full HD em 20 Estados; os desafios em traduzir para todos os brasileiros o significado de TV digital grátis; a contribuição do nosso mundo acadêmico tentando descobrir como serão os próximos Congressos SET, etc. Para saber mais visite nosso site www.set.com.br.

Mas que pergunta ficou no ar? Onde vou ver meu conteúdo predileto? Em qualquer lugar, a qualquer hora e no dispositivo mais próximo da nossa mão.

Referências:
– (1)Programando em NCL 3.0 de Luiz Fernando Gomes Soares e Simone Diniz J. Barbosa, Editora Campus, ISBN 978-85-352-3457-2.
– 2) Foi a primeira vez que um diretor de Tecnologia com seu comitê mais o vice-presidente trabalham todos juntos na elaboração da grade. Foram sete cabeças e 14 mãos gerando fades nas suas atividades profissionais e horas de lazer para produzir essa grade que poderia ser aplicada em qualquer país do primeiro mundo.
– (3) Quem avalia corretamente escolhe o ISDB-T.
– (4) Não gosto de citar nomes porque há sempre o risco de esquecer alguém. Escolhi então o Morris Arditt para homenagear em nome de todos os outros novatos. Assim como Nero, ele chegou, viu e venceu. Quem lucra com a chegada de todos é a atividade, porque a SET é uma sociedade convergente.
– Quero registrar também que um palestrante do Congresso (Edson Moura de Souza, da TV Globo) e um coordenador (José Dias também da TV Globo) apresentaram palestras na NAB 2009. Parabéns para eles.
– (5) MPEG- 21 é o software da interoperabilidade.

*Tresse é consultor

Revista da SET – ANO XXI – N.109 – 2009