Fórum Latino-Americano de Negócios: transição da TV Digital é o foco principal

FEIRAS E EXPOSIÇÕES – SET Expo Parte II

Nº 155 – Out /Nov 2015

por Francisco Machado Filho, em São Paulo


J
á está se tornando mais comum o discurso sobre a necessidade de implantação de um novo modelo de negócios para a TV Digital que abarque todas as oportunidades que a integração e convergência das plataformas móveis e on-demand podem oferecer para a televisão aberta. Mas, antes disso, é preciso findar o processo de digitalização.E esta não é uma tarefa fácil.Fórum Latino-Americano de Negócios: transição da TV Digital é o foco principal

Vários países que ainda estão passando pela migração e mesmo aqueles que já encerraram a transição estão encontrando novos desafios, pois a velocidade na popularização de outras plataformas de distribuição é cada vez maior. O Brasil, por seu tamanho continental, tem grandes desafios pela frente. Cumprir o cronograma estabelecido será uma tarefa árdua e muitos desconfiam de que o cronograma não será cumprido.
Por conta disto, a primeira sessão do 2º Fórum Latino-Americano de Negócios de Radiodifusão, ocorrido paralelamente ao Congresso SET 2015, tratou da questão da migração, pois os modelos de negócios somente poderão ser implantados quando se completar o processo de migração. A sessão contou com a participação do Conselheiro, Rodrigo Zerbone Loureiro, representando a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – e presidente do GIRED – Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV – que apresentou um panorama da migração digital em mercados internacionais e as ações que o Brasil deverá tomar caso queira cumprir o cronograma de desligamento do sistema analógico dentro do prazo estabelecido, planejado para ocorrer entre 2016 e 2018.
Críticas à parte, a situação do Brasil na migração não é tão diferente de boa parte dos mercados internacionais. Países como Canadá, China, México, Rússia, Índia, dentre outros, operam com a transmissão simultânea analógico/digital. Estados Unidos finalizou a digitalização das emissoras Full Power em 2009, mas as emissoras menores, ainda operam no analógico e têm como meta o desligamento ao final de 2015. Contudo, indicativos apontam que está meta será adiada. Grande parte dos países da África, e Paraguai e Bolívia na América do Sul, não possuem informações disponíveis para início da migração.
Portanto, este quadro demonstra que os desafios da migração são grandes e comuns para todos. Apenas países como a Austrália, Japão, África do Sul, Namíbia, Zimbábue, a Comunidade Européia, e outros mercados menores, já finalizam a migração. O que o Brasil pode e está fazendo, é aprender com a experiência dos outros países e tentar evitar repetir os mesmos erros.

Rodrigo Zerbone (Gired) apresentou no Fórum Latino-americano de Negócios de Radiodifusão, um resumo de vários encontros bilaterais que apontam para uma solução mais tranquila da transição para o sistema brasileiro de TV Digital

Zerbone apresentou um resumo de vários encontros bilaterais que apontam para uma solução mais tranquila da transição para o sistema brasileiro de TV Digital. No encontro com a FCC/EEUU, representada pela comissária Jessica Rosenworcel, as principais limitações reconhecidas no processo de migração norte-americano foram o switch-off muito rápido e a implantação de um plano de comunicação tardio. Além de falhas na distribuição de set-top boxes(programa de cupons da NTIA – National Telecommunications and Information Administration – que subsidiava a compra dos aparelhos).
A experiência da União Europeia na migração foi mais trabalhosa devido às diferentes características de cada país membro. A proporção de domicílios que utiliza somente TV por radiodifusão terrestre varia muito entre países, afirmou Zerbone. Há casos com pouquíssima penetração, como na Holanda (5%) e outros com números quase iguais aos do Brasil, como na Itália, que tem uma penetração de 90% dos domicílios com TV pelo ar.Peter MacAvock (EBU) foi representante do lado europeu na reunião bilateral e expos que o plano de comunicação foi um elemento chave na transição. Foi implantado também, um plano de assistência aos idosos e domicílios de baixa renda. Em resumo, a casos de sucesso e outros nem tão bem sucedidos, com vários estudos disponíveis para análise.

Raymundo Barros (TV Globo) chamou a atenção dos presentes afirmando que a emissora possui 16 estações digitais instaladas e desligadas

O caso japonês de migração foi apontado por Zerbone como o mais completo e um padrão a ser seguido pelo Brasil. E os números realmente impressionam. 120 milhões de pessoas assistem TV por radiodifusão terrestre no Japão. Atendidas em um universo de 10 mil estações de TV. O início das transmissões digitais se deu em 2003 e se encerrou em 2011. Dois milhões de set-top boxes foram distribuídos. Mas, o que o Conselheiro chamou mais a atenção para o caso japonês, foi seu plano de comunicação. A meta estabelecia que 95% dos domicílios deveriam estar preparados para o switch-off. O plano utilizou mascotes, celebridades japonesas, outdoors, reuniões comunitárias, call-centers, dentre outras ações. Nove pesquisas foram realizadas ao longo do processo (por correio, após seleção da amostra por telefone). Utilização de logo e tarja nas transmissões analógicas. A cidade-piloto de Suzu (2010), a primeira a ter o sinal analógico desligado promoveu uma interrupção no serviço de TV por uma hora em 2009 e posteriormente uma interrupção de 48 horas em 2010. Reiko Kondo, diretora do Escritório de Informações sobre Tecnologias de Exibição Digitais e Comunicações do Ministério das Comunicações e Relações Internas do Japão (MIC) foi a representante do governo japonês na reunião bilateral.
Por fim, o ultimo estudo de caso apresentado foi a reunião bilateral com o México, representada pela Maria Lizarraga (IFT). O processo de mitigação está em andamento, com previsão de conclusão para dezembro de 2015. A cidade piloto foi Tijuana (2013). O caso mexicano apon2015ta alguns erros que o Brasil pode evitar em seu processo. Houve uma coincidência à época do desligamento como o calendário eleitoral (no Brasil, datas importantes também coincidem com o cronograma do desligamento que serão apresentadas à frente no texto). Além disso, houve graves problemas no plano de comunicação e de distribuição dos set-top boxes. O planejamento passou por uma reformulação entre 2014/2015 e consistia na distribuição de aparelhos de 24 polegadas de TV Digital; estabelecimento da meta de 90% dos domicílios atendidos pelo programa social (SEDESOL); melhorias no processo de comunicação com efetiva participação dos radiodifusores; sequência de switch-off em cidades com base no atingimento da meta de domicílios preparados e prioridade nas localidades fronteiriças com os Estados Unidos. Estes exemplos estão norteando o processo de transição no Brasil. O GIRED – Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV – constituído pela Anatel, Ministério das Comunicações, proponentes vencedoras do leilão da faixa de 700 MHz e radiodifusores é o órgão incumbido de disciplinar, fiscalizar e avaliar o processo de remanejamento e as atividades da EAD – Empresa Administradora da Digitalização – que é a empresa de logística criada pelas operadoras de telefonia Vivo, Claro, TIM e Algar, para operacionalizar, divulgar e acelerar o processo de transição dos canais analógicos para digitais. O GIRED também avalia a viabilidade técnica para a antecipação do uso da Subfaixa e o atingimento da condição para o desligamento do sinal analógico de TV e RTV. Três outros Grupos Técnicos apoiam o GIRED com assessoramento, são eles: GT de Recepção (GT-Rx), GT de Remanejamento (GT-Rm) e o GT de Comunicação (GT-Com). Os grupos são coordenados por membros da Anatel e contam com a participação do Ministério das Comunicações e colaboradores indicados pelas proponentes vencedoras e pelos radiodifusores. A EAD conta com um orçamento inicial de R$ 3,6 bilhões compromissados com o pagamento dos custos previstos no Edital, incumbida de operacionalizar e divulgar o processo, além de distribuir conversores, filtros e antenas para os beneficiários do Programa Bolsa Família. Serão distribuídos 14 milhões de conversores aos inscritos no programa. O cronograma estabelecido teria início na cidade-piloto de Rio Verde/GO, no dia 29 de novembro de 2015. Contudo, o Novo Ministro das Comunicações, André Figueiredo, anunciou o adiamento do cronograma em 60 dias, porém até o fechamento desta edição a portaria oficializando o adiamento e o novo cronograma não havia sido publicada. Caso o cronograma seja mantido para as demais localidades, ele se concentra a partir de 2016 até 2018. E este será um período complicado para o desligamento. Caso o Brasil não queira repetir o mesmo erro do México na coincidência do desligamento com acontecimentos nacionais o calendário deveria sofrer algumas mudanças.

Roberto Franco (SBT/Fórum SDBTV) disse que o país passa por um momento importante e o processo de desligamento precisa ser conduzido da melhor maneira possível

Em 2016, por exemplo, serão realizados os jogos Olímpicos Rio 2016, e pelo cronograma a cidade de Goiânia/GO coincide com os jogos que será no mês de agosto. Lembrando ainda que nada mais do que a cidade de São Paulo tem a previsão de desligamento para o mês de maio e Belo Horizonte para junho. É muito provável que uma parcela significativa não consiga migrar para o sistema digital a tempo de ver os jogos pela televisão.
Além disso, em 2018, ano eleitoral, Manaus, Belém, São Luís, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracaju e Teresina estão agendados para o mês de julho. Campo Grande, Cuiabá e Palmas para o mês de agosto, possivelmente coincidindo com o horário eleitoral gratuito e Porto Velho, Macapá, Rio Branco e Boa Vista para novembro, sendo possível um segundo turno das eleições.
O Governo Federal já vem dando indícios de que o cronograma pode ser alterado. A Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, que participou da cerimônia de abertura do 27º Congresso Brasileiro de Radiodifusão que aconteceu de forma conjunta com o SET Regional Centro-Oeste 2015, disse na ocasião, que o cronograma de desligamento analógico pode ser revisto. Ela afirmou que o cronograma “se ajusta” e “as dificuldades se superam sempre que se estabelece o diálogo adequado entre os segmentos que estão envolvidos nesta questão”. Além disso, a portaria do 2015MC nº 481/2014 impõe que “pelo menos 93% dos domicílios do Município que acessam o serviço livre, aberto e gratuito por transmissão terrestre, estejam aptos à recepção da televisão digital terrestre”. O problema é como aferir esse grau de domicílios. Vale lembrar o caso japonês que realizou nove pesquisas durante todo o processo. Para cidades consideradas críticas como Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, previstas para 2016, o tempo para aferição é fator primordial.
O ponto positivo é que a distribuição dos set-top boxes para os beneficiários do Programa Bolsa Família irá atender a uma parcela importante da audiência que poderia ficar sem o sinal digital por falta de recursos ou informação. Das 13.971,924 famílias beneficiadas, 11,4% estão nas localidades desligadas em 2015/2016, 12,6% em 2017 e 75,9% em 2018.
Até o presente momento, todas as decisões do GIRED foram tomadas em consenso, dentre elas:
• Orientações para a página na internet e o call center da EAD;
• Orientações para o plano de comunicação da EAD;
• Orientações para a pesquisa de validação do atingimento da condição de desligamento do sinal analógico;
• Orientações para a definição da entrada em operações e realização de investimentos, para fins de ressarcimento;
• Avaliação do cronograma de desligamento das emissoras do DF, SP, MG, GO e RJ (etapa 2016)
• Especificação técnica dos Filtros de 700 MHz para a mitigação de interferência de recepção;
• Especificação técnica das antenas e do conversor de televisão digital terrestre, a serem distribuídos aos beneficiários do Programa Bolsa Família;
• Orientações para a metodologia da pesquisa;
• Orientação para a distribuição dos kits de conversor de TV Digital e antena, para 2016;
• Avaliação da viabilidade de realização de transmissões experimentais de convivência em Rio Verde/GO.
Os principais desafios da transição no Brasil, apontados por Zerbone, passam pela realização de investimentos em equipamentos em operação para RTV, principalmente o caso de prefeituras, a comunicação em larga escala necessária para adesão ao sistema pela população, o planejamento necessário para a distribuição dos kits, além do abastecimento natural do mercado com conversores de baixo custo e a aplicação e refinamento das pesquisas de aferição de desligamento.

Marcio Herman (Samsung) afirmou no Fórum a indústria nacional é capaz de atender à demanda a ser gerada pelo processo

Estes desafios estão também a cargo da EAD. Por conta disto, a sessão teve prosseguimento com a participação de Gunnar Bedicks, diretor técnico da EAD que apresentou as ações desenvolvidas até agora pela entidade e o planejamento para cumprimento das etapas seguintes até a conclusão do desligamento analógico.
A EAD tem como finalidade principal operacionalizar a adoção do sinal de TV Digital dentro do prazo estipulado, além de aferir a adoção dentro da meta estabelecida de 93% dos domicílios da localidade e seguir as diretrizes do GIRED que venham a ser tomadas durante o processo. Dentro da operacionalização da adoção do sinal a EAD tem como responsabilidade principal:
a) Disponibilizar atendimento telefônico e pela internet;
b) Executar a redistribuição de canais de TV na faixa de 700 MHZ ;
c) Distribuir kit conversor para TV para o Programa Bolsa Família;
d) Prover campanha publicitária;
e) Interagir com a indústria para assegurar equipamentos.
Tarefa gigantesca em vista do tamanho do Brasil e da grande penetração da TV aberta no país. A entidade já disponibiliza o serviço de informação por telefone no número 147, além de conteúdo informativo, interativo e didático com tutoriais sobre temas relacionados ao processo no sitio www.vocenatvdigital.com.br. O sitio direciona as informações especificadamente para a cidade que é efetuada a consulta, inclusive com uma contagem regressiva para o desligamento naquela região.
A cidade piloto de Rio Verde/GO vem recebendo a campanha publicitária planejada pela EAD que consiste em inserções diárias de 30 segundos distribuídas conforme o quadro abaixo, estabelecidas pelo Ministério das Comunicações.
O símbolo e tarja consistem em uma informação visual que deverá indicar que a transmissão é analógica e devem seguir o padrão estabelecido na portaria de nº 3.205, de 28 de novembro de 2014, que também define a contagem regressiva que deverá ser iniciada 60 dias antes da data estabelecida no cronograma de desligamento.
Além da campanha na televisão e rádio a EAD prevê um trabalho focado em públicos distintos e que interferem no sucesso ou não cumprimento da meta de 93%. Este trabalho prevê ações tanto para estratificação da população e suas características (classes A/B, C, D/E, Bolsa Família, etc) até atuação com outros seguimentos como varejistas, antenistas e síndicos. Estimam-se em 400 mil condomínios no Brasil e a maioria deles ainda precisa converter a antena coletiva. Ação importante para os aparelhos de TV secundários nos domicílios, principalmente nas classes A/B.

Gunnar ainda chamou a atenção para o grande número de aparelhos de tubo no Brasil, que de acordo com a PNAD 2013 passam dos 60 milhões. Somente nos domicílios das regiões chaves (Distrito Federal, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia e Rio de Janeiro) 4.295 domicílios possuem aparelhos de tubo. “Nossa ação principal é dar alto conhecimento do processo de migração, preparando todas as regiões para o iminente período de troca de sistema. Deixando claro que quem não se adequar ficará sem o serviço”, afirmou Gunnar.
Do ponto de vista do radiodifusor, Raymundo Barros (TV Globo) chamou a atenção dos presentes para duas questões, que do seu ponto de vista merecem atenção especial durante a transição. A questão das prefeituras, pois muitas ainda possuem pendencias que as impedem de digitalizar o sistema. A TV Globo possui 16 estações digitais instaladas e desligadas. Somente em Minas Gerais, 11 cidades estão com pendências e que abrangem mais de 800 mil pessoas. A outra questão é que na opinião de Barros, o Brasil já está atrasado em relação aos mercados internacionais no que diz respeito ao UHD – Ultra HD. Para ele, a curva de adoção da tecnologia pela população será maior do que fora no sistema HD. Já existem aparelhos em 4K vendidos por preços acessíveis e o Brasil não pode ficar ainda mais atrasado nesta questão, visto que alguns mercados IIinternacionais e os serviços de vídeo sob demanda já estão ofertando conteúdo em UHD. A própria TV Globo pretende em 2018 ter a maior parte de seu conteúdo produzido em 4K.
Esta visão é acompanhada pela indústria de receptores. A Samsung esteve representada no Fórum por Marcio Herman quem apresentou como a empresa está se preparando para esta nova demanda. De 2014 para 2015 houve uma significativa mudança no portfólio da companhia na oferta de aparelhos Full HD para UHD. Os modelos em formato curvo e em UHD já superam os agora tradicionais formatos HD. Herman entende que os usuários querem um aparelho simples, mas que ao mesmo tempo seja integrado à convergência com internet e que permita serviços customizados. No Brasil, disse ele, o fator qualidade da imagem é importante para 12% da população, enquanto o fator preço, para 21%. Mas, quando o nível de preço chega a um patamar mais acessível, a qualidade da imagem passa a ser ponto-chave. No México, 18% já preferem este quesito. Nos Estados Unidos é de 21%, e na Alemanha de 26%.

De esquerda à direita: Raymundo Barrros (TV Globo); Roberto Franco (SBT/Fórum SDBTV); Marcio Herman (Samsung); Gunnar Bedicks (EAD); Rodrigo Zerbone (Gired); Emiliano José (MiniCom); Fernando Ferreira (SBT/SET)

Por fim, Herman resumiu bem o que o mercado acredita ser o processo de digitalização no Brasil. A indústria nacional é capaz de atender à demanda a ser gerada pelo processo. Os usuários de baixa renda não atendidos pelo Programa Bolsa Família devem buscar aparelhos e conversores de baixo custo, mas farão a migração. A troca do segundo ou terceiro aparelho analógico dependerá das condições financeiras das famílias. E como é de se esperar, salientou que programas de isenção de impostos e financiamento com foco no atendimento das classes de baixa renda poderiam acelerar o processo de digitalização. Com uma redução no consumo de energia e aumento da inclusão digital.
De qualquer modo, o que for feito tem que ser feito muito rapidamente, pois a transição em um período de três anos é um desafio para qualquer mercado, ainda mais para o Brasil, seja pelo seu tamanho, seja pelas condições econômicas. O certo é que enquanto o processo não for finalizado, modelos e oportunidades de negócios deverão ficar a espera desta definição. O que é de se esperar em uma indústria da importância da indústria televisiva brasileira.