Festa no interior

Jorge Alves, da TV Atalaia, emissora que tem tradição de pioneirismo no Nordeste

O mês de dezembro de 2008 ficará marcado na história da digitalização da TV brasileira pelo pioneirismo de algumas ações. Foi no dia 3 que, graças à EPTV, Empresa Paulista de Televisão, Campinas, a quase 100 quilômetros de São Paulo, passou a dispor de sinal digital. Ou seja, o HD já chegou ao interior do país. Assim, o plano governamental, de até 2016 ter todas as emissoras transmitindo sinais em alta definição, aparentemente vai de vento em popa.

Em 11 de dezembro, a Rede Mato-Grossense, formada pelas emissoras da TV Centro América, de Cuiabá, Mato Grosso, e da TV Morena, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, também estreou em digital. Mas teve mais: no dia 15 foi a vez da TV Atalaia, de Aracaju, Sergipe, se tornar, em todo o país, a primeira afiliada da Rede Record a digitalizar o sinal – ainda que em caráter técnico-científico.

Não é a primeira vez que a TV Atalaia é pioneira em algum quesito. “Mais de 30 anos atrás fomos a primeira emissora nordestina a transmitir em cores”, garante Jorge Alves, gerente técnico da Atalaia. Na ocasião, ela era afiliada do SBT, mas mudou para a Record há cerca de dois anos.

Sair à frente em Sergipe e de outras redes nordestinas era importante e oportuno: o transmissor valvulado já contava 33 anos de uso. Por isso, era mesmo hora de trocá-lo, pois nada garante que as válvulas continuem a ser fabricadas até 2016, data da morte anunciada do sistema analógico.

Isso, mais o decreto que impõe a TV digital no Brasil, levou a empresa a adquirir um transmissor digital da Screen Service e outro, analógico, da Linear – a antena é uma slot, de 12 fendas, da Ideal. O digital tem 7 kW e o analógico, potência similar. “Nossa necessidade é de apenas 3 kW. Teremos, pois, uma boa reserva”, diz Alves que, graças à longa experiência em montagem de emissoras de rádio e televisão, comanda uma equipe de sete pessoas, incluindo seu filho e engenheiro Victor Matheus.

Pioneirismo
O da TV Atalaia foi o primeiro transmissor fornecido pela Screen Service ao mercado brasileiro – na Europa, segundo Alves, ela tem mais de 1.600 instalados. As negociações, de acordo com Augusto Franco, diretor superintendente da Atalaia, começaram na NAB de 2008.

Logo após a volta dele e de Alves de Las Vegas (EUA), a Screen Service convidou os profissionais para ir a Brescia, na Itália, conhecer a fábrica e ver um transmissor em ação em Milão. “Subimos as montanhas da Itália, vimos o desempenho em baixas e altas temperaturas”, conta Franco.

Em agosto passado, a fornecedora emprestou um transmissor para testes, com opção de compra e pagamento a partir de março deste ano. “Se não funcionasse bem, poderíamos devolvê-lo”, explica Alves. “Isso, mais a base instalada na Europa e um preço justo, nos convenceu a assumir o risco de comprar um transmissor novo no mercado nacional”, diz Franco, ordenador de um investimento total de R$ 2 milhões até o momento.

Sergipe é um estado pequeno, de 75 municípios e pouco menos de dois milhões de habitantes. O sinal digitalizado da Atalaia, que não tem outras emissoras, está disponível para cerca de 60% da população.

Os 40% restantes vão começar a receber as imagens a partir do ano que vem por meio de uma rota de microondas própria na mesma frequência, na qual foram investidos R$ 300 mil em equipamentos, fornecidos pela Linear. Se houver demanda firme por televisores full HD no interior, a Atalaia acelerará o plano.

Por enquanto, na TV Atalaia a digitali zação se resume à transmissão. “Fazemos up conversão”, explica Alves. Ou seja, a programação própria da Atalaia e a recebida da Record são convertidas para digital.

Testes empíricos
Os testes de cobertura empíricos – num raio de 50 quilômetros de Aracaju, onde quer que vá Alves leva seu celular e um conversor para ver se há sinal – diziam que estava tudo bem. As medições de cobertura, e também nos equipamentos, foram feitas pela Rede Record em janeiro.

“Não houve surpresas desagradáveis, apenas pequenos problemas no codificador, facilmente resolvíveis”, diz Alves. Assim, o sinal digital da Record, que só em seu lugar, se tornou disponível em Sergipe em meados de fevereiro de 2009, pode entrar com força total. Ele chegou via fibras ópticas, pois a Record está instalando uma rede própria país afora.

As imagens em HD a serem geradas pela TV Atalaia vão demorar um pouco mais. As câmeras de estúdio e para externas, o controle mestre, as ilhas de edição digitais e integradas em Full HD e o restante dos equipamentos para TV digital serão comprados pela emissora na NAB de 2009. A idéia é ir novamente a Las Vegas e observar as novidades. “O preço sempre cai de um ano para o outro”, justifica Alves, que também pilota as reformas da infraestrutura da empresa.

Pelo plano da emissora, todo o material que for exibido será automaticamente arquivado. A Atalaia pensa em 30 Terabites de capacidade para o arquivamento. O acervo também será digitalizado. “Teremos a automação da exibição e a integração total. A Atalaia será uma emissora de primeiro mundo”, afirma Alves, com orgulho.

EPTV
A EPTV, afiliada da Rede Globo, com emissoras em Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos e Varginha, no Sul de Minas Gerais, tem em sua área de cobertura 294 cidades de algumas das mais ricas regiões do país e uma população estimada em 10 milhões de habitantes.

Em Campinas, o projeto de digitalização contemplou uma solução inusual: a adoção de antenas de polarização circular. Antenas assim são mais usadas para a faixa de frequência de FM.

“Foi um desafio técnico interessante”, diz Paulo Henrique Beghini, engenheiro de projetos da EPTV. “Nos baseamos em uma antena de polarização circular usada em São Carlos, no canal 6, em VHF, a fim de desenvolver uma também de polarização circular para a transmissão de TV digital, no canal 42, em UHF”. A Ideal Antenas foi a parceira escolhida para o desenvolvimento.

A idéia é que a antena de polarização circular facilitaria, em princípio, a instalação de retransmissoras e gap fillers. Com ela é possível receber o sinal proveniente de uma estação na posição vertical e retransmiti-lo na posição horizontal. “A isolação de polarização é uma das técnicas que melhora o funcionamento de um gap filler”, explica o engenheiro de projetos da EPTV.

Sistema irradiante
Cada antena é alimentada por dois cabos, um para o dipolo horizontal e outro para o vertical. A combinação dos dipolos com a defasagem correta gera a polarização circular.

O sistema irradiante é composto por 32 antenas, em oito níveis, distribuídas por quatro faces. As 32 dão um ganho total da ordem de 9 dBs, o suficiente para cobrir os 38 km de raio que o projeto propõe.

O sistema foi subdividido em dois grupos de 16 antenas, o A e o B. As antenas do grupo A são as superiores. “Na configuração normal temos 70% da potência no grupo A e 30% no grupo B, divisão feita a fim de se conseguir preencher melhor os espaços de cobertura”, explica Beghini.

Outra característica do sistema irradiante é a possibilidade de se trabalhar com diferenças de fase e de potência, o que permite variar o diagrama de irradiação de sinal e, logo, a área coberta. Ou seja, é possível chegar mais longe em uma região aonde normalmente não se chega e sair de outra se houver necessidade. No caso de Campinas, a potência máxima está dirigida para o centro da cidade. “Nós utilizamos um beam tilt para concentrar o sinal e assim protegemos as futuras estações retransmissoras de interferências”, afirma Beghini.

Os resultados estão dentro do esperado. Com a adoção da antena de polarização circular, resolveu-se também, e a contento, a questão da recepção em dispositivos portáteis, “pois independentemente da posição da antena, a recepção será viável”, afirma Beghini.

Conseguir isso, todavia, não foi assim tão fácil. Um problema enfrentado foi em relação à torre. Como precisavam respeitar o limite máximo de altura estabelecido pelo Ministério da Aeronáutica – a torre da EPTV está situada a cerca de 13 quilômetros do aeroporto -, Beghini e equipe providenciaram ajustes na torre para a instalação das antenas voltadas à transmissão digital.

Com os 32 painéis da antena, seria necessário aumentar a torre em cerca de cinco metros, “o que não era possível”, diz Beghini. Para resolver o problema, a solução foi a troca do sistema irradiante para a transmissão analógica. “Precisávamos alterar o sistema irradiante sem que houvesse perdas em nossa cobertura analógica.” diz Beghini.

A emissora de Campinas, com a utilização do Single Frequency Network (Rede de Frequencia Única), pretende distribuir seu sinal digital, com o auxílio de 10 retransmissoras, pelas 49 cidades de sua área de cobertura utilizando o mesmo canal.

Infraestrutura
Os equipamentos para TV digital da EPTV, incluindo transmissor (de 2,5 kW, da NEC) codificador, pré-transmissor, controle-mestre (da Thomson), moduladores e sistema irradiante, custaram cerca de 3 milhões de dólares FOB, mais impostos.

Estes ativos formam uma boa infraestrutura. Mas a EPTV não vai parar de modernizar-se. Há muitos anos suas emissoras dispõem de uma rota de micro-ondas. Mas ela é analógica. Isso não impede que, em Campinas, onde as operações são centralizas, se veja o que vai ao ar em Varginha e nas outras emissoras. “Digitalizamos o conteúdo e mesmo com um só canal de micro-ondas analógico recebemos os sinais das três outras emissoras”, explica Cláudio Ghiorzi, gerente de desenvolvimento tecnológico da EPTV. As micro-ondas também permitem a troca diária de matérias entre as emissoras.

Mais para o futuro, a EPTV deverá digitalizar toda a sua rota de micro-ondas. “A digitalização é importante, mas não prioritária no momento porque cada uma das nossas emissoras é autosuficiente em termos de programação”, explica Ghiorzi.

Agora a prioridade para os investimentos é a EPTV de Ribeirão Preto, que será a próxima a instalar o sistema para transmissão de televisão digital terrestre – provavelmente ainda neste ano – e contará basicamente com os mesmos equipamentos de Campinas. A antena, segundo Beghini, deverá seguir o mesmo princípio da antena utilizada em Campinas, com alguns pequenos ajustes para adequação da cobertura local.

Rede Mato-Grossense
No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, na topografia, ao contrário de outras regiões mais acidentadas, predomina um relevo composto por exuberantes florestas ao norte e imensas planícies ao sul. Com grandes distâncias entre as cidades, neste dois estados enormes em área, mas minúsculos em número de habitantes e municípios – Mato Grosso tem 144 municípios; seu vizinho, 78; a população conjunta é de cinco milhões de pessoas -, a Rede Mato-Grossense de Televisão distribui o sinal da Rede Globo, no estado mais ao Sul, por meio de emissoras localizadas em Campo Grande, Corumbá e Ponta Porã; ao Norte, em Cuiabá, Rondonópolis, Sinop e Tangará da Serra. Por isso, as soluções envolvidas na transmissão foram bem diferentes.Envolvendo as sete afiliadas e mais de 200 retransmissoras, a rede iniciou a digitalização promovendo mudanças desde a infraestrutura até a distribuição do sinal, o que envolveu três grandes projetos em 2008.

A implantação da transmissão digital na TV Centro América, de Cuiabá, que está no ar, e na TV Morena, de Campo Grande, já em fase de testes, foi um deles.

Flyaways
“Neste departamento, agimos conservadoramente”, diz Luiz Botelho, gerente de engenharia da Rede Mato-Grossense. Foi escolhida uma solução da Harris – entre os equipamentos estão um transmissor de 5 kw, codificadores e o multiplexadores (a mesma empresa havia fornecido, recentemente, um transmissor analógico já visando a transição para o digital). A antena é slot, da Transtel.

Por causa da grande área de cobertura da Rede, as flyaways – equipamentos móveis para transmissão de sinal para o satélite – também entraram na digitalização. A Rede Mato-Grossense tem equipamentos que podem ser encaixotados e transportados para qualquer lugar – daí o nome flyaway. “Nós cobrimos o acidente da Gol com um desses. À época ele ainda era analógico”, diz Botelho. Segundo ele, hoje já é possível transmitir em digital, mas não em HD, com o flyaway.

Os testes de campo ainda estão no começo, mas Botelho se diz otimista. Nos pontos mais críticos – em alguns casos, cerca de 40 km de distância, em regiões onde o analógico pega mal – o sinal digital terrestre chega muito bem.

Todavia, em Cuiabá, o sucesso de público é grande. A Rede treinou, em seu auditório, antenistas e vendedores das lojas de eletrodomésticos, num total de 600 pessoas. O estoque inicial de conversores acabou num instante. No final de janeiro, ninguém achava set-top boxes na cidade.

Três e quatro por um
A substituição de três up links DVBs locados em Campo Grande, Cuiabá e Ponta Porã por dois próprios com tecnologia MCPS e DVB-S2 foi outro projeto tocado concomitantemente.

Com ele, a fim de facilitar a recepção via satélite, a Rede Mato-Grossense levou, em julho de 2008, por fibras ópticas, os sinais de Ponta Porã e Sinop para Campo Grande e Cuiabá, respectivamente, usando um modelo conhecido por MCPC – em Sinop ainda não foi para o satélite. Ou seja, transmissão de múltiplos canais numa única portadora. “Numa só antena eu subo mais de um sinal simultaneamente para o satélite”, explica Luís Botelho, gerente de engenharia da Rede Mato-Grossense. O sinal digital no satélite é em SD.

O modelo, desenvolvido pela Scopus, permite à emissora de Cuiabá ter uma antena que opera quatro sinais distintos em SD – um para cada geradora; a de Campo Grande envia outros três, totalizando sete sinais distribuídos para as respectivas áreas de cobertura via satélite. “Isso é uma solução tecnológica com uma redução de custo muito interessante. Se tivéssemos uma antena para cada geradora, com toda a estrutura e segurança com certeza seria bem mais custoso do que centralizado desse jeito”, se orgulha o engenheiro.

De acordo com ele, as imensas distâncias entre as geradoras e cidades obrigaram a rede a optar pela distribuição por satélite, pois por micro-ondas se torna inviável. “Propagar o sinal de Cuiabá por mais de 1.000 quilômetros, até Vila Rica, na divisa com o Pará, custaria uma fortuna”, argumenta Botelho.

O investimento também seria muito maior. Botelho calcula que, se toda a digitalização da transmissão fosse feita no modelo terrestre, o custo chegaria a ser 10 vezes maior do que os 10 milhões de reais gastos até agora.

Mais velocidade
O terceiro projeto executado em 2008 diz respeito à substituição da infraestrutura de central técnica e controle mestre de SDI para HD-SDI. Com isso, a velocidade em que o tráfego interno dos sinais é feita passou de 270 Megabites do SDI para 3 Gigabites, tanto na TV Centro América como na TV Morena.

Em Cuiabá, o controle mestre e outros equipamentos, como as oito câmeras, são da Thomson/Grass Valley – Campo Grande conta com equipamentos similares em tudo. “Fizemos uma nova emissora. Mas ainda vamos demorar um tempo para começar a gerar programação própria em HD”, diz Botelho.

De todo modo, a combinação de equipamentos novos com infraestrutura refeita mais transmissão vai abrir as portas para que, no futuro, a Rede Mato-Grossense modernize os controles gerenciais e de programação. Hoje, o sentido da transmissão é unidirecional, não há canal de retorno e isso não permite que Cuiabá tenha os sinais das outras afiliadas. “As distâncias também nos levam à cautela. Por isso, primeiro vamos testar exaustivamente esse modelo de transmissão”, afirma Botelho. “Só vamos operar em central casting daqui a um ano, quando tivermos con- fiabilidade total”.

Apesar dos investimentos, do aumento do volume de trabalho e da operação dupla – provocada pelo simulcast – o impacto no tamanho da equipe ainda não foi sentido, pois só agora a Rede Mato-Grossense está contratando mais quatro engenheiros, que vão se somar aos 48 profissionais que já trabalham na área técnica. A equipe da parte de produção de conteúdo também não sofreu mudanças. Mas Luís Botelho reconhece que a chegada do HD deve forçar investimentos no tamanho da equipe, mesmo porque, por volta de 2016, quando só o sistema digital deverá estar no ar, a Rede Mato-Grossense continuará subindo ao satélite a mesma quantidade de sinais, mas em HD. Não será tão difícil. “Teremos que fazer uma atualização dos codificadores e a substituição dos receptores digitais, os IRD para HDTV”, diz Botelho.

Revista da SET – ed. 105