Entrevista – David Britto

ENTREVISTA

Por Gilmara Gelinski

Após quatro anos do início da implantação da TV digital no Brasil, muito pontos estão em discussão e 2011 foi um ano de regulamentação e intervenção do governo em pontos vulneráveis do sistema digital. A implantação do Ginga, por exemplo, teve que ir à Consulta Pública para que os aparelhos de TV saiam de fábrica com o aplicativo embutido. Para fazer um panorama da atual realidade da interatividade brasileira, o entrevistado desta edição é o diretor de Interatividade da SET, David Britto. Nascido no Rio de Janeiro, ele é formado em administração de empresas, pós graduado em engenharia de produção pela Universidade Federal Fluminense, analista de sistemas e especialista em tecnologia da informação. Após passar pelas empresas RENASCE e Quality Software, atualmente, é diretor de estratégia de tecnologia da TOTVS. À frente da diretoria de interatividade da SET desde 2008, ele pretende contribuir com a difusão da tecnologia de interatividade. Em defesa do Ginga, ele acredita que o middleware nacional foi e é, sem dúvida, o grande diferencial que o padrão ISDB-TB teve na decisão de mais de dez países, que escolheram o sistema brasileiro. Então, por que a implantação do Ginga está atrasada e a interatividade ainda não foi consolidada no Brasil? Nosso entrevistado faz um balanço sobre o que aconteceu com esta tecnologia, o que podemos esperar da interatividade e por que uma especificação tão importante e tão respeitada mundialmente teve que ir à Consulta Pública para se tornar realidade em seu país de origem.

Por que especialistas acreditam que o Ginga perdeu a chance de ser transformador dos negócios na TV aberta?
Não concordo com esta opinião. Já existem várias marcas de receptores no mercado que já suportam a tecnologia, o volume ainda é pequeno comparado ao total de televisores produzidos, porém, comparado ao volume de “tablets“, chega a ser de cinco a sete vezes superiores, o que tornam o veículo muito importante. O problema não é do Ginga e sim da percepção da TV digital pelo consumidor, que passados quatro anos ainda desconhece o recurso. Em recente pesquisa de audiência realizada em outubro de 2011, os canais abertos representam mais de 60% da audiência total e, no entanto, o número de assinantes está crescendo a taxas consideráveis. Que conclusão podemos tirar? Que a TV digital aberta está gerando clientes para os provedores de serviços de TV por Assinatura.

Quais eram as expectativas para o Ginga quando ele foi lançado?
O Ginga padeceu de dois problemas. Um foi o excesso de expectativas sobre o seu potencial e o outro é que ele foi, erroneamente, rotulado como produto, sendo que ele é somente uma especificação de produto. O produto é decorrência de uma especificação.

E como aconteceu a especificação do Ginga?
Ela aconteceu à luz do ceticismo por parte de vários setores do Fórum. Problemas como credibilidade, reconhecimento, propriedade intelectual, financiamento para o desenvolvimento, complexidade da proposição e formação de mão-de-obra adequada. Todos estes problemas foram superados por pessoas obstinadas de alguns setores, que trabalharam diuturnamente para transformar o Ginga em um padrão brasileiro e recomendação da União Internacional de Telecomunicações (UTI).

E quais são as expectativas atuais?
O momento agora é de engajamento. O Governo e demais setores devem apoiar o Ginga, ele é uma especificação de software, aberta, com um enorme potencial de geração de conhecimento, empregos e divisas. Pode transformar-se em um Android, IOS e Windows Mobile, tecnicamente, é tão bom quanto.

Qual o trabalho que as entidades estão fazendo para que o Ginga ganhe força novamente e seja um sucesso como era esperado?
O Ginga é o elemento que gera a sinergia entre os radiodifusores, empresas de software, receptores, academia e transmissão. Ele depende fundamentalmente destes entes para funcionar plenamente. O consumidor é o grande beneficiado deste trabalho conjunto quando tem acesso a um conteúdo enriquecido pelos recursos interativos associados a este.

Quais seriam os modelos de negócios que os radiodifusores deveriam desenvolver para a interatividade?
A principal motivação de alguém ligar a televisão é o entretenimento de vídeo. O modelo de negócios mais óbvio é conseguir passar ao anunciante a efetividade de uma campanha veiculada na TV aberta. A interatividade é o elemento mais natural para registrar a percepção do consumidor.

Podemos dizer que as pessoas, que fazem parte do setor de radiodifusão, se decepcionaram com o rumo que tomou ou não tomou a implantação do Ginga?
Não acho correto as pessoas da radiodifusão se decepcionarem com o Ginga. A TV digital como um todo, incluindo aí fixa, portátil e móvel são frutos de preocupação pelo elevado nível de investimento e mudança de cultura.

Como está a relação entre radiodifusores, indústria e Teles para tornar a interatividade real?
A relação tem se mantido em alto nível, com o diálogo aberto e construtivo. Mesmo com temas polêmicos tais como a TV conectada dividindo esta mesma agenda.

Como fica o setor radiodifusor com a entrada das Teles neste mercado?
O setor de radiodifusão possui um modelo de negócios sólido que foi construído ao longo de mais de 50 anos. As Teles não possuem know-how de desenvolver conteúdo e sim entregar serviços de comunicação. Comparando o modelo de negócios é diametralmente oposto. Este aprendizado levará um tempo considerável para acontecer e resultará na geração de novas oportunidades. Para mim, o segredo para a convivência harmônica é a capacidade que o radiodifusor tem de gerar conteúdo cada vez mais interessante para o consumidor de forma a fidelizá-lo. A interatividade pode ser um fator muito importante neste sentido.

Esta abertura no mercado pode ser um incentivo para os radiodifusores produzirem produtos para atender a demanda por interatividade?
A questão de produção de conteúdo interativo está intimamente ligada com a quantidade de pessoas que estão habilitadas a receber e exibir o conteúdo interativo. A disponibilidade de equipamentos DTVi é o empurrão que falta para o mercado acontecer.

Como estão os projetos de interatividade na TV aberta? E na TV por assinatura?
Na TV aberta estão acontecendo, a prioridade dos investimentos depende da percepção do consumidor com a nova TV aberta digital e com a disponibilidade de receptores. Na TV por Assinatura a questão é um pouco mais complicada. O software de TV por Assinatura é 100% proprietário e não tem nenhum processo de padronização ou regulação. Os consumidores quando perceberem que estão pagando para receber um conteúdo incompleto poderão questionar e exigir que as operadoras preservem toda a experiência desenvolvida pelo autor, neste caso a interatividade terá de ser suportada. Outro aspecto é do próprio produtor do conteúdo exigir que a experiência da obra seja 100% fiel em todos os meios de distribuição.

Existe o interesse de outros países em querer utilizar o Ginga?
O Ginga foi e é sem dúvida o grande diferencial que o padrão ISDB-TB teve na decisão de mais de dez países. Concorríamos com o próprio padrão japonês, que não tem suporte ao Ginga.

A consulta pública diz que até 2012, 75% dos televisores deverão sair de fábrica com o Ginga embutido e até 2013 a produção será 100%. A indústria brasileira está apta a cumprir estes prazos?
O que posso dizer aqui é que a indústria de receptores dispõe de fornecedores de software e centros de pesquisa aptos a contribuir com esta tarefa. Os fornecedores de software trabalharam mais de três anos para viabilizar este importante pilar da tecnologia ISDB- TB.

Quais são as perspectivas para o Ginga, após o encerramento da consulta pública sobre a fabricação de televisores com o Ginga embutido?
A perspectiva é que com uma massa crítica de receptores habilitados para a interatividade, os radiodifusores possam explorar esta importante tecnologia e, assim, criarmos um novo ciclo de desenvolvimento da tecnologia. Isto se dá através da análise dos resultados alcançados.

Por que este processo teve que ir à Consulta Pública?
Pelo risco de nos tornamos seguidores em vez de líderes no processo de renovação. Foi necessário perguntar publicamente qual caminho queremos seguir neste quesito.

Antes desta consulta pública quais foram os reais investimentos da indústria para atender a interatividade na TV digital no Brasil?
O setor privado realizou investimentos de mais de R$ 80 milhões de reais de acordo com a pesquisa realizada somente junto ao setor de software.

Que produtos seriam estes que estão sendo desenvolvidos? O que já tem disponível no mercado? Tanto no tocante a indústria como nas emissoras?
Alguns fabricantes já fornecem produtos com suporte a tecnologia DTVi (Ginga). Em relação aos radiodifusores, os principais já fornecem conteúdo interativo dos mais variados tipos: reality show, novelas, portais de informação e esportes.

O que você acha da relação do Ginga com o IPTV?
O Ginga nasceu com recursos de IPTV. Aliás, ele já é uma recomendação da ITU-T para IPTV.

Então, o que falta para termos de fato a interatividade difundida e funcionando na TV aberta?
Em primeiro lugar, que o consumidor conheça a TV digital aberta. O desconhecimento geral do público sobre o assunto, passados quatro anos, é inaceitável. O Fórum SBTVD sozinho não conseguirá fazer a promoção do sistema para o grande público. A interatividade irá se beneficiar do mercado quando ele existir.

Mas de que forma o consumidor pode conhecer a TV digital e a interatividade? Ele pode fazer isso sozinho?
É necessário a divulgação adequada para que o consumidor conheça a disponibilidade, recursos, custo e o processo de instalação. Isto ocorrerá através da publicidade. Entre elas a propaganda governamental (talvez a mais importante pelo volume de recursos disponíveis); Propaganda das próprias emissoras (os comunicadores precisam estar envolvidos); E por fim, a propaganda dos fabricantes de receptores. É necessária uma comunicação não somente com os consumidores, mas também com antenistas e síndicos de condomínios. A divulgação hoje é muito insuficiente.

Que país você indicaria como um exemplo de implementação da interatividade? Por quê?
Reino Unido e Japão. Nesses países, existe a iniciativa dos radiodifusores e governo, com vasta experiência em P&D, que estão moldando a televisão do amanhã. Investir em novas linguagens de produção de conteúdo e convergência traz o retorno do telespectador e lições aprendidas.