A engenharia de televisão entrando no caminho transmídia

Nº 149 – Março 2015

por Dimas Dion*

ARTIGO

A partir de um breve histórico da TV Digital do Brasil, mostramos como a experiência do usuário vem construindo um novo caminho no desenvolvimento de interatividades na TV Digital e em 2nd Screen

Profissionais do setor de broadcast vêem com grande importância a inovação na estrutura de aplicações embarcadas nos aparelhos de televisão.
Correram em paralelo nos últimos anos, estudos e iniciativas tanto em soluções para televisões conectadas à internet quanto em Ginga. Apesar dos esforços até hoje, apenas uma pequena parcela utiliza as inovações embarcadas nos aparelhos. Vou discorrer aqui algumas hipóteses as quais acredito serem as causas do por que ainda não popularizamos essas soluções.
Barreiras na instalação, recepção e informações ao usuário dificultam atualmente o acesso do público a todos esses conteúdos. Desde o momento da compra até sua instalação na residência, em nenhum momento é explicado para o consumidor quais são as inúmeras funcionalidades do aparelho de televisão. Diria até que o consumidor não tem dúvidas de uso, simplesmente porque desconhece tudo o que ali contém. As informações que ficam disponíveis estão em um adesivo na lateral da tela com algumas siglas de pouco identificação com o cotidiano do usuário e que são descartadas no exato momento em que a tela é colocada no seu local de destaque na sala de estar.
Diferentemente do momento da compra de um celular, onde os vendedores explicam cada uma das funcionalidades, seja de voz, texto, internet e outros aplicativos nativos como alarme, calculadora, bloco de notas, entre outros, além das facilidades e características que cada sistema operacional trás. A maioria dos consumidores já ouviram falar do que se trata o termo “TV Digital”, mas não têm grande conhecimento das diferenças da recepção analógica. Esse desconhecimento faz com que as instalações permaneçam com antenas analógicas que já possuem.
Com o cronograma de desligamento do sinal analógico, a tendência será a universalização da recepção com sinal digital. A escolha da tecnologia para o sistema de TV Digital (SBTVD) passou por estudos aprofundados voltados à tendência de consumo nos anos que viriam, o Brasil foi pioneiro em pesquisas para escolha de padrão de TV Digital, sendo o único país emergente a tê-lo realizado, que reuniu esforços da SET, ABERT e Universidade Mackenzie.
Entre os modelos: norte-americano (ATSC), europeu (DVB) e o japonês (ISDB), fora escolhido este último sistema dentre diversos critérios de testes, entre eles: comportamento com interferência, robustez do sistema digital, desempenho de recepção e transmissão, e recepção móvel.
Além disso, havia a vantagem da independência de interconexão com operadoras de telefonia, regulamentação de transferência de tecnologia entre os países com mesmo sistema, pela baixa complexidade de operacionalização das emissoras e pela capacidade de compressão de dados nas frequências disponibilizadas nos canais.
O fator de capacidade de transmissão, quatro vezes maior do que no sinal analógico, abriu aos engenheiros a possibilidade de preencher esse espaço com inovações nas áreas de P&D das emissoras.
Já havia uma demanda latente no mercado consumidor e nas emissoras para aumentar a qualidade das produções para High Definition e o SBTVD já previa suportar transmissões até 4K. A demanda por qualidade de imagem começa a ser atendida, mas existia uma expectativa de que interatividades com programação, serviços de e-commerce e serviços públicos seriam disponibilizados embarcados no eletrônico mais popular do país.
Em 2007, quando se iniciou as transmissões da TV Digital no Brasil, além do desconhecimento que temos até hoje dos serviços, havia também uma desconfiança a respeito da inclusão de dados pessoais na televisão.
Os aplicativos relacionados aos bancos só foram lançados mais recentemente nas TVs conectadas e ainda não vemos serviços públicos avançarem no ambiente da TV digital, tampouco como aplicativos de TV conectada.

Oportunidades a disposição
De que forma as emissoras estão comunicando com a audiência que existe algo mais em seu aparelho de televisão? A resposta está no canto superior direito identificado por uma letra “i”. Só quem aproveita o material escondido na letra “i” são as pessoas que instalaram antena e conversor para receber o sinal digital. Além disso, não existe um convite explícito para acionar o ambiente interativo. O “i” em questão é o Ginga, uma camada de software posicionada entre os códigos de aplicações e a infraestrutura de execução (plataforma de hardware e sistema operacional). O middleware surgiu da parceria de desenvolvimentos autônomos de duas entidades: Telemídia da PUC-RJ e do LAVID da UFPB. A união gerou o nome Ginga que define uma qualidade de movimento e atitude presente nos brasileiros.
No cenário atual, cada emissora produz a interatividade ao seu modo. O ponto fraco está na capacidade de armazenamento de dados. Existe uma grande oportunidade de negócios para emissora nesse “i” escondido, mas que ainda é pouco explorado. Existe também a confusão do usuário quanto à oferta de aplicativos embarcados pelos fabricantes para uso da TV conectada. Enquanto isso, os aplicativos para TVs conectadas vêm ganhando força, mas necessita de acesso à internet e para acessar suas soluções, é necessário interromper o fluxo da programação televisiva. Cenário nada favorável às emissoras e nem um pouco atrativo para a audiência de um programa que não deveria ser interrompido por uma interatividade. Em outra frente de concorrência de modelo de negócios temos as operadoras de TV por assinatura utilizando satélites e set-top boxes, e conteúdos disponibilizados On Demand via IP (Internet Protocol) como Netflix e Apple TV, entre outras. Porém, esses modelos de negócio não dão acesso universal e gratuito ao conteúdo. Se de um lado a produção de soluções em Ginga não decolam por outro a experiência do usuário não é de fluxo televisivo, o mercado vêm desenvolvendo soluções utilizando ferramentas de segunda tela.

As ferramentas
Vimos anteriormente que, a simples criação de novas plataformas em um aparelho doméstico de alta capilaridade não são garantias de popularização. Isso porque a inovação proposta inaugura um novo meio de consumo de mídia. Partindo do ponto da observação do consumo de outras mídias associadas à televisão atualmente, podemos identificar as ferramentas preferidas dos usuários.
Recentemente na Pesquisa Brasileira de Mídia, publicada pelo governo federal e produzida pelo IBOPE, podemos visualizar a tendência futura de consumo de plataformas de mídias. Conforme publicado na edição 2015, os usuários das novas mídias ficam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semana, faz parte dessa amostra 42% dos brasileiros nesta última pesquisa, sendo 12% (24 milhões de brasileiros) audiência potencial a perder o engajamento à programação ou ser influenciado a mudar de canal. A preferência pela navegação nas mídias sociais se evidenciam quando vemos as preferências da plataforma utilizada: 66% acessa a internet preferencialmente pelo celular e 7% via tablet. Concluímos assim que as oportunidades de atrair o público para a programação estão nos dispositivos móveis, seja por iniciativas de desenvolvimento de aplicativos ou convite à participação nas mídias sociais.

Pesquisa Brasileira de Mídia ed, 2015. Pag.62

O uso das mídias sociais também é destacado pelas pesquisas da OBITEL. Em sua última edição são apresentados estudos de casos no Brasil e na América Latina, em todos eles, foi desenvolvida alguma campanha de engajamento nelas. Um desses estudos trata-se da novela “Amor à Vida” em que as mídias utilizadas foram: site oficial da novela, página de Facebook, Twitter, Pinterest, blogs, vídeos, websérie documentária, trilha sonora, cenas de bastidores, aplicativo “Tudo Sobre Amor à Vida”, e Mídia Out of Home.
Esse esforço multiplataforma gerou engajamento e cocriação do público que passou a produzir mídia espontânea nas redes sociais. Como por exemplo, a fanpage Félix Bicha Má, criada por um fã no Facebook, destinada ao humor que alcançou dois milhões de curtidas. Conforme pontua Imacolatta (OBITEL, 2014, p.142) “percebe-se a utilização conjunta das redes sociais Instagram e Facebook para a criação de conteúdos no formato de “selos” ao remixar imagens do personagem veiculadas na telenovela com frases que faziam referências ao cotidiano brasileiro abordando temáticas diversificadas: política, economia, Classe C, produção de telenovela, personagens marcantes, uso do celular, celebridades, sexo, funk”.
As iniciativas demonstradas no estudo de caso acima, porém, não se mostraram autossustentáveis, tampouco foram garantia de atração de novas audiências. Para esta necessidade, o papel do Produtor Transmídia se faz necessário. Pensando no cenário futuro, a SET já pesquisa em duas frentes soluções para garantir que a audiência continue com foco na programação televisiva e não seja interrompido ou desviado para outra atividade.
No Grupo de Estudos em IBB (Integrated Broadband & Broadcast) os integrantes pesquisam funcionalidades que prometem aumentar o potencial de oferta de serviços em relação aos possíveis atualmente; integrar o ambiente de múltiplas telas tanto origem ou destino, aumentando o engajamento do consumidor; otimizar o uso da banda de radiodifusão na TV Digital e permitir a distribuição de conteúdo adicional por broadband. O sistema IBB poderá ser usado em qualquer padrão ou canal de distribuição de TV Digital – terrestre, cabo, satélite ou IPTV.
E o recém-criado Grupo de Estudos em Novas Mídias da SET tem como objetivo inicial, o estudo de casos de experiências das audiências televisivas nos ambientes de novas mídias fomentando o modelo de negócio da televisão a partir dos meios emergentes, e reunir profissionais multidisciplinares como produtores audiovisuais, profissionais de agências de propaganda, publicidade e digitais, desenvolvedores de software, pesquisadores acadêmicos e anunciantes. Pois multidisciplinarmente, poderemos gerar o aquecimento de vários mercados, reduzindo esforços redundantes e maximizando resultados para a programação televisiva.

Referências:
BONQUIMPANI, Aguinaldo. O Futuro da TV Conectada. Disponível em: http://goo.gl/sZ1Ziu. Acesso em 15 fev. 2015.
Normas Televisão Digital Terrestre. Disponível em http://www.electronica-pt.com/tv-eletronica/normas-televisao-digital. Acesso em: 15 fev 2015.
NORÕES, Izequiel. TV Digital, 2011. Disponível em: http://goo.gl/ cXMkN8. Acesso em: 15 fev. 2015 TV Digital I: Padrões Existentes. Teleco – Intelegência em Telecomunicações. Disponível em:http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialtvdconsis1/pagina_3.asp. Acesso em: 15 fev. 2015.
Yamada, F. ; Sukys, F.; Dantas, C. E. S. ; Raunheitte, L. T. M.; Akamine, C. Avaliação dos sistemas de TV digital terrestres. Disponível em: http://goo.gl/y4hFvQ. Acesso em: 15 fev. 2015.
Brasil. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. – Brasília : Secom, 2014. Disponível em: http://goo.gl/70OhLi. Acesso em 15 fev. 2015

* Colaboração Rodrigo Arnaut e Daiana Sigiliano

Dimas Dion

Dimas Dion é psicólogo, gestor de projetos, palestrante na área de comunicação, conselheiro na Associação #EraTransmidia e coordenador do Grupo de Estudos de Novas Mídias da SET. Realizou as três edições do Fórum Transmídia, e hoje trabalha no Núcleo de Comunicação da SET.