EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E CUIDADOS COM A INFRAESTRUTURA

COBERTURA NAB 2012


Por Fred Rehme

É comum, após o retorno de cada NAB, as pessoas procurarem definir o tema central, a novidade, o assunto mais importante ou mais espetacular visto na feira e no congresso. Muitas vezes este foco é bastante definido e quase unânime, em outras edições nem tanto. Nesta descrição, não ousamos definir “o ponto alto” na área de transmissão, mas, com certeza, podemos dizer que dois temas recorrentes e, sem dúvida, muito importantes e atuais na NAB 2012 foram “Eficiência energética dos transmissores” e “Cuidados com a infraestrutura elétrica”.

A Unesco considera 2012 como o “Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos”. Seja por questões puramente mercadológicas ou por necessidade e diferencial, o uso racional e a eficiência energética estão presentes no dia a dia das equipes técnicas em qualquer setor: indústria, comércio, serviços.

É natural que para nós, broadcasters, este tema esteja mais voltado à área de transmissão, já que normalmente os equipamentos que a compõe representam a maior parte do consumo e demanda de energia elétrica de uma emissora de TV, e praticamente a totalidade em uma retransmissora. O momento para esta discussão é oportuno, pois a implantação de TV digital no mundo, inclusive no Brasil, já está madura, as maiores dúvidas, dificuldades e surpresas já estão compreendidas e tratadas, as definições de área de cobertura e potências mais ou menos equacionadas. Agora, para quem já implantou seus parques de transmissão digital, a preocupação é a cifra na conta de energia a pagar e com o marketing verde: a eficiência desta primeira geração de transmissores de TV digital, incluindo filtros, transformadores, sistema de refrigeração, dificilmente passava de 13%.

Uma das sessões do congresso técnico foi chamada de “Green Engineering for Broadcast” e foi conduzida por Glynn Walden. Foram discutidas diversas questões a respeito do tema e apresentados estudos para um melhor aproveitamento energético. Um dos palestrantes, sem dúvida nenhuma fazendo a mais didática e embasada apresentação desta etapa, foi um colega brasileiro, Henry Douglas Rodrigues, engenheiro da Hitachi Kokusai Linear, de Santa Rita do Sapucaí. Ele mostrou no artigo “High Efficiency Transmission – Green Amplification” as técnicas de amplificação e fez comparações de vantagens e desvantagens de cada uma delas. Segue um breve resumo, aproveitando aqui para recomendar a leitura do artigo publicado nos proceedings 2012 da Broadcast Engineering Conference.

O engenheiro Henry iniciou explicando o conceito de eficiência, e terminou sua apresentação com uma fórmula que transforma a alteração da eficiência quando comparados equipamentos tradicionais e os “verdes” em dinheiro a ser poupado na hora de se pagar a conta de energia elétrica.

Foram mostrados três métodos de amplificação, como alternativa à tradicional polarização classe AB, e que podem ser aplicadas para modulações COFDM. Todas elas buscam economia de energia, mas mantendose a relação C/N e linearidade. A primeira opção apresentada é chamada de LINC (Linear Amplification with NonLinear Components), ou ainda, Outphasing. Esta tecnologia divide o envelope variável em amplitude (e em fase) em dois sinais de amplitude constante e fase variável. A eficiência se dá pelo fato dos dois amplificadores trabalharem em apenas dois regimes de operação, e não excursionando por toda a faixa dinâmica (SMPA – Switching–Mode Power Amplifier).

O segundo método é chamado de Doherty. Também são combinados dois amplificadores, sendo um considerado o principal (portador) e outro auxiliar (amplificador de picos de RF). O primeiro deles trabalha em classe AB, entrando em saturação nas potências mais elevadas, quando então o segundo amplificador, polarizado em classe C, passa a operar. Como a linearidade é afetada, pior que a de amplificadores classe AB puros, exige-se mais trabalho dos pré-cor-retores. Mas a maior dificuldade para a indústria implantar esta metodologia é a necessidade de casamento de impedância através de linhas de transmissão, o que resulta em muitos desenhos diferentes de placas amplificadoras para atender toda a banda de UHF. O terceiro modelo de amplificação responde pelo nome de “envelope tracking”, que modula a tensão da fonte de alimentação dos amplificadores. A idéia é ajustar a tensão Vds dos transistores dinamicamente e de acordo com a amplitude do envelope de RF para minimizar a dissipação de calor, conforme mostrado na figura comparativa abaixo, gentilmente cedida pela Hitachi Kokusai Linear.

A tabela a seguir mostra que a eficiência costuma ser acompanhada da complexidade na implementação:

No tempo destinado às perguntas, o coordenador do painel mostrou conhecimento do assunto e fez alguns questionamentos que foram plenamente respondidos. Um destes comentários dizia que os métodos de amplificação não são novos, teoricamente existem há mais de setenta anos, mas que só agora estão sendo implementados, graças às novas tecnologias de linearização de amplificadores usando pré-correção digital só possível nos dias atuais.

Coincidência, concorrência ou momento oportuno, os mais renomados fabricantes de transmissores também trataram com destaque a eficiência de seus equipamentos. A Rohde&Schwarz também demonstrou esta preocupação e trouxe o conceito de eficiência com a marca E5. Desde o ano passado usava como um dos argumentos de venda o baixo consumo dos transmissores. Mesmo com amplificadores ainda tradicionais, a Rohde&Schwarz costuma otimizar o uso dos transistores de potência, explorando mais os limites da curva de transferência. A pequena degradação de linearidade do amplificador é compensada em parte no estágio pré corretor. No mais, costumam indicar através de estudos e white papers que uma MER menor (da ordem de 37 a 38 dB) na saída para a antena de transmissão é suficiente e não afeta a recepção. Já para este ano há a intenção do lançamento de novos equipamentos, usando amplificadores Doherty, com os quais a fábrica pretende chegar a um rendimento global dos transmissores de TV digital em 38 %. Continuando com a R&S, durante a NAB 2012 foi anunciada a instalação de fábrica no Brasil, no Estado de São Paulo, para produção ainda neste ano de transmissores de potências até 2 kW. A comunidade técnica de usuários de equipamentos sempre fica feliz com a presença no Brasil de fabricantes reconhecidos mundialmente. Além de acirrar a concorrência (oportunidade para as emissoras), a localização em solo nacional melhora as relações cliente/fornecedor, seja na etapa de compra ou de atendimento: evitar a importação já é um alento, e o suporte de módulos, peças e auxílio técnico ganham agilidade.

A Screen Service, já instalada há cinco anos no Brasil, também convidou o público para ver seus novos modelos de transmissores de UHF baseados em amplificadores de alta eficiência, também com a tecnologia Doherty. Na feira foi demonstrado um equipamento ligado, com as medidas de MER mínimo de 38 dB, e a eficiência do conjunto em 35%. Agora, um transmissor digital de 4.5 kW pode estar todo em um único rack refrigerado a água com rendimento próximo de 40%. A área comercial da empresa oferece uma tabela comparativa de custos de implantação e de energia elétrica entre equipamentos de eficiências diversas.

A Harris também esteve presente na apresentação do Congresso e oferece opções de equipamentos transmissores com eficiência elevada. O palestrante Geoffrey Mendenhall mostrou o conceito de TCO (Total Cost of Ownership), que envolve custos de aquisição, manutenção, operação (incluindo consumo de energia) e treinamento. A análise financeira deve considerar todos estes tópicos. Para exemplificar, comparou os equipamentos refrigerados a ar (família HVAC) e a água (serie ULX), apontando prós e contras de cada tecnologia. No estande da Toshiba, um profissional da empresa demonstrava os mesmos cuidados com eficiência na amplificação.

O “toma lá da cá” tão terrível e comum no nosso cotidiano político, é infelizmente aplicável neste caso que agora discutimos. Ganhos incontestáveis e sem contrapartida não existem. A eficiência energética é desejada e está sendo obtida. Mas sempre cobra um preço. Algumas empresas optam pela redução da linearidade e, consequentemente, abrem mão de alguma folga (mas sempre dentro das normas, estipulando valores mínimos) da intermodulação e da MER. Outras usam recursos tecnológicos mais avançados e menos tradicionais e, portanto, estão mais sujeitas a instabilidades, ou pelo menos a um aumento da complexidade no alinhamento ou reparo em campo. Ainda não há tempo e estudo suficientes para se inferir sobre a confiabilidade destes novos transmissores. Não sabemos se o tempo médio entre falhas é afetado, mas é de se pensar que a redução de tamanho dos dissipadores e o uso de correntes e temperaturas nos semicondutores mais próximos de seus limites físicos exigem um tratamento mais elaborado (muito embora o aumento de eficiência esteja atrelado à redução da geração de calor, o que sugere aumento de vida útil dos semicondutores)

Não é apenas nos amplificadores e pré corretores que se consegue eficiência. A forma de se espalhar o sinal de RF na cidade também é uma aliada neste quesito. Uma mesma potência de transmissor pode cobrir uma área maior se o sinal elétrico for transformado em onda eletromagnética por uma antena mais ajustada para um dado projeto. Partindo-se deste ponto de vista, citamos que na feira foram vistos diversos fabricantes de antenas, cada um defendendo seus princípios construtivos. No meio de tantos fabricantes de diversas nacionalidades (norte americanos, italianos, alemães, espanhóis), destacamos as empresas brasileiras que tradicionalmente se apresentam na NAB: Transtel e Ideal Antenas. Não basta, no entanto, produtos de boa qualidade nesta área, um bom projeto é fundamental, e estas empresas nacionais ou os representantes das demais, que marcam presença no Brasil, costumam auxiliar na escolha do sistema irradiante. Enfatizamos que um bom estudo de cobertura e definição de características do sistema irradiante, no entanto, é fundamental, obtendo eficiência entre potência irradiada x área atendida, mas muitas vezes tal atividade não é considerada como deveria.

Uma discussão ainda corriqueira e sem uma resposta consensual trata da po larização do sinal: horizontal, circular, elíptica e em que relação H / V ? Pro vavelmente nunca teremos uma respos ta única e nem uma que se aplique para todos os casos. A topografia, a ocupação do solo, a localização do site de trans missão em relação ao núcleo urbano que se deseja atingir, a ênfase no serviço HDTV ou na recepção portátil ou móvel deverão influenciar na decisão a respeito da polarização. Ainda não são muitos os estudos, teóricos ou de experimentação .

em campo, sobre o assunto. Em outro ano, o Dante Conti mostrou alguns resultados do uso de antena elíptica durante sua apresentação no evento SET e Trinta. Este ano, tivemos a satisfação de ver um trabalho sendo apresentado na Conferência de Engenharia da NAB por nossa colega, a diretora editorial da SET Valderez Donzelli. O título foi “Elliptical Polarization: Influences on the Performance of Digital TV Coverage”. Seu trabalho de mestrado versou sobre a polarização e foi conduzido de forma experimental, usando a estrutura de transmissão e antenas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Este trabalho prático demonstrou de forma numérica o ganho na facilidade de recepção, a influência da polarização no desempenho de um sistema de comunicação com a polarização elíptica, quando comparado com a polarização horizontal e também na vertical. Através de uma antena painel com duas portas, especialmente fabricada pela Kathrein para este teste, 4651 pontos em movimento foram medidos em um raio de cinco quilômetros na cidade de São Paulo. Também sugerimos a leitura do artigo encontrado nos proceedings 2012.

Observemos que, quando se fala em polarização elíptica, há dois modos de se analisar os resultados: um é a área coberta com relação à máxima potência autorizada pelo plano de canalização, e que considera apenas uma única polarização. A outra é do ponto de vista de eficiência energética. Neste último caso, temos que comparar a área S1 atingida e adequada para recepção quando se usa uma determinada potência de transmissor, considerando-se apenas a polarização horizontal, com a área S2 coberta pela antena elíptica, com a mesma potência de transmissor sendo dividida entre as duas portas, V e H. Só teremos melhoria de eficiência com a antena elíptica se S2 for maior que S1.

Ainda no mesmo tema, além da escolha de polarização, podemos citar que o uso correto de gap fillers, em locais bem escolhidos e nas potências e com antenas adequadas, pode resultar em eficiência espectral. Consideramos isto muito importante, tanto no aspecto financeiro, quanto na consolidação do direito de uso do espectro pelos broadcasters. Recorrendo e parafraseando campanha de marketing do passado “Espectro: ameo e use-o ou deixe-o” – devemos usá-lo de forma eficiente, não dando margens para especulação ou negociação.

Sobre a qualidade da energia elétrica e as conseqüências da falta de zelo na montagem da infraestrutura, também a NAB 2012 foi palco destas discussões. A Nautel ofereceu a seus clientes, no domingo pela manhã, um encontro técnico. O controle de temperatura e limpeza do ambiente e equipamentos e o tratamento da energia elétrica são considerados itens fundamentais para o bom funcionamento, durabilidade e economia em um site de transmissão. Sabe aqueles ferrites que são colocados em volta de cabos de energia ou até em cabos de sinais? Pois a sua presença (e dimensionamento adequado) é fator de sucesso nas instalações, segundo os estudos demonstrados neste encontro. Sobre a necessidade de protetores de surto e a utilização de no-breaks, (muito mais que meros reguladores e fornecedores de energia contínua), já não há o que falar. Na era de equipamentos digitais, a complacência com transientes e harmônicos na rede elétrica diminuiu consideravelmente, e os estragos nestes casos costumam ser grandes.

Com a pressão de controle de despesas e fazendo bem nosso papel de engenheiros, racionalizando o uso de recursos, devemos estar atentos à eficiência dos transmissores e sistemas irradiantes. Fazer as perguntas certas para fornecedores, para nós mesmos e para nossos colegas. Entre elas: “Qual o preço desta vantagem: Redução de vida útil? Aumento de complexidade? Aumento de valor de investimento?” A Engenharia econômica nos permite avaliar a melhor opção para cada caso.

 

José Frederico é coordenador de P&D Telecom na RPC-TV, Professor de Engenharia Elétrica da Universidade Positivo e integrante do Comitê de Ensino da SET . E-mail: fred@rpctv .com .br