David Britto – Entrevista

*Roberto Perrone

Formado em administração de empresas, o diretor de interatividade da SET, David Britto, enveredou pelos caminhos da
engenharia de produção e análise de sistemas. Isso foi há 25 anos, tempo no qual ele se considera um profissional de tecnologia
da informação, porque foi nessa época durante um estágio no departamento de informática de uma empresa que
ele se vislumbrou a área de TI, da qual o aprendizado era somente na prática. Aos 45 anos, Britto é diretor da TQTVD, empresa
que desenvolve middleware para TV digital. Sobre interatividade na TV digital ele diz: “Existe possibilidade de explorar na TV uma
interatividade que na internet você não tem. Na medida em que acontece a programação, os aplicativos ficam disponíveis, sem
interrupção”. Nesta entrevista, David Britto avalia que os radiodifusores têm feito a lição de casa quando se trata de entender e
desenvolver interatividade para TV e também fala sobre a missão de sua área na SET. Acompanhe.

Qual a previsão para a entrada do padrão Ginga no mercado e quais etapas ainda precisam ser vencidas para que essa meta seja cumprida?
Estamos vivendo o momento de lançamentos de produtos para uso no Natal e principalmente para Copa do Mundo do próximo ano. Como existe grande expectativa de as emissoras oferecerem diversos aplicativos interativos ligados principalmente a esportes, as empresas fabricantes de TV e de set-up boxes pretendem estar prontas para atender esse mercado que vai acontecer. Está programada uma safra de produtos para o fim do ano. O padrão Ginga já vem instalado no aparelho e quando o telespectador sintonizar o canal, se tiver interatividade disponível ele pode usar. Produtos baseados na especificação Ginga deverão ser muito robustos e completos, e ainda é necessário executar um trabalho de adaptação às plataformas de televisão, que não é feito da noite para o dia. Principalmente, na questão dos testes para o produto estar pronto para o mercado. As empresas se encontram em fase de pesquisa & desenvolvimento, outras em fase de homologação.

Quais são os outros middlewares para TV digital interativa existentes no mercado e em que se diferenciam do sistema Ginga?
Existem dois tipos de padrão no mercado: o aberto, que é uma recomendação, caso do MHP, do MHEG, padrão BML, e os padrões proprietários usados na TV a cabo. No Brasil, para TV aberta só existe o Ginga. Fabricantes de TV têm acesso ao mercado de fornecedores de empresas que desenvolveram essa tecnologia, mas outra medida é desenvolver por conta própria, de acordo com os padrões estabelecidos.

Como você avalia o grau de desenvolvimento atual dos aplicativos de interatividade?
O Ginga é o padrão mais moderno e mais completo de middleware que existe no mundo. Oferece recursos e ferramentas bastante avançados.
Para efeito de desenvolvimento de conteúdos interativos não há nada que supere o padrão Ginga na atualidade. Pelo contrário, ele complementa o que muitos padrões não implementaram por um motivo ou outro. Estamos falando de interatividade para qualquer tipo de conteúdo. O Ginga tem duas ferramentas muito completas, uma chamada NCL/Lua, e outra que é o Java. Nossa plataforma de desenvolvimento é mais completa justamente por ter uma abordagem mais simples, a chamada declarativa, pelo NCL. A outra é resolvida com Java, a chamada procedural, ou imperativa que é a nomenclatura mais correta.

Há muitas diferenças entre os padrões de interatividade para TV digital comparadas a Internet?
As diferenças são fundamentais. A interatividade para TV é normalmente orientada para o conteúdo, que é linear. Existe possibilidade de explorar na TV uma interatividade que na internet você não tem. Na medida em que acontece a programação, os aplicativos ficam disponíveis, sem interrupção, porque no modelo de TV aberta o conteúdo é oferecido em regime de broadcast e tudo o que está passando é em tempo real. Por outro lado a interatividade também oferece a produção de conteúdos não-lineares onde, por exemplo, o final de uma trama depende da manifestação da audiência.

O que você pode dizer sobre o mercado desses aplicativos no Brasil?
Exatamente hoje, o mercado é zero, fazendo analogia, da época em que a internet começou. Era só perspectiva. Ninguém em sã consciência iria dizer que sairia comprando, carro, geladeira pela internet. As pessoas estavam reticentes a isso. O que acontece com o mercado de aplicações interativas para TV digital é exatamente isso. Com a vantagem de que se o telespectador já é usuário de internet, certamente está mais familiarizado com a sistemática de fazer consultas, de comprar, enfim de interagir com a mídia. Assim, a perspectiva acaba sendo de uma introdução mais veloz, comparada à internet, até porque na internet você tem teclado e mouse, e na TV digital a navegação é mais simples apenas por meio do controle remoto. As aplicações são mais objetivas, mais lúdicas, para que a pessoa consiga navegar pelas opções, que podem ser pesquisas, “Quiz”, pode ser simplesmente um texto ou imagem que enriqueça o conteúdo.

Um publicitário costuma dizer brincando que as pessoas quando assistem TV estão mais preocupadas em interagir com a geladeira, obviamente se referindo ao fato de que cada mídia tem seu hábito de consumo e que as pessoas estão acostumadas a serem passivas diante da TV. Quando se pensa no desenvolvimento dos aplicativos de interatividade para TV se leva isso em conta?
Na verdade, dentro do processo natural de formação de novas gerações de consumidores de conteúdo, para um adolescente ou uma pessoa usuária ativa de internet, a interatividade na TV vai parecer uma coisa absolutamente natural. Vamos supor uma novela na qual um determinado personagem começa a fazer uso do Twitter. A emissora pode enviar uma aplicação para que se acompanhe o que ele está escrevendo e permitir interatividade. Isso inclusive nos programas ao vivo tende a ser muito utilizado. Abre portas para a comunicação com as redes sociais, as integrações com serviços diversos que hoje em dia estão apenas na internet e torna esse processo mais rico. Não sou publicitário, tampouco produtor de conteúdo, sou construtor de ferramentas de tecnologia, mas é bem possível que se pense em produção de conteúdos não lineares. Basta lembrar o programa “Você Decide”, no qual o telespectador ligava no intervalo para decidir o final do episódio. Agora, em termos práticos, temos uma ferramenta muito mais efetiva

Quais são os principais desafios da área de interatividade da SET?
Na SET não temos ainda uma estrutura formal de promoção dessas informações. O que temos feito é participar do maior número de eventos. Foram oito esse ano entre regionais e internacionais, nos quais levamos os conceitos de interatividade, para tornar o conhecimento mais acessível possível. Agora, por exemplo, no SET Norte, em Manaus, fizemos, em parceria com a Amazon SAT, uma aplicação interativa que é um portal de notícias para ser exposto no evento. As pessoas puderam entender de maneira muito rápida o que é a interatividade na TV e o que pode ser usado para efeito de explorar novas oportunidades.

Como você avalia a formação de profissionais que atuam no desenvolvimento de softwares e aplicativos para interatividade de TV?
O mercado tem categorias de profissionais muito importantes nesse ecossistema. O de design de interfaces que trabalha com a parte gráfica é fundamental porque por meio do design gráfico é que se encontra a linguagem mais adequada de usabilidade. O desenvolvedor de aplicativos é aquele profissional com formação em ciência ou engenharia da computação que desenvolve, faz testes e homologa o aplicativo, porque em se tratando de broadcast, a última coisa que as emissoras querem é que a TV pare de funcionar ou tenha funcionamento irregular. Outra área importante é a dos produtores de conteúdo, que vão ter que entender como essa tecnologia pode ser incorporada ao desenvolvimento de conteúdo.

Muda a forma de produzir?
Diria que complementa e enriquece a forma de produzir. Pode mudar na medida em que se imagine introduzir um conteúdo que não seja linear e variações no destino.

Em que estágio se encontra a norma de transmissão interativa para aparelhos móveis?
A norma do Ginga para dispositivos móveis está pronta tem algum tempo. Não foi pra frente ainda porque o modelo de negócios não estava claro para os participantes da cadeia de valor (Radiodifusor-TELCO-Fabricantes) e a perspectiva de ter uma programação interativa para dispositivos móveis não estava explicitada pelos radiodifusores. Para a Copa do Mundo também se espera ter dispositivos móveis com interatividade.

Em linhas gerais, quais têm sido as estratégias dos radiodifusores nacionais com relação às transmissões interativas?
Tenho visto que os principais radiodifusores têm investido tempo razoável em compreender a tecnologia e fazer parte das discussões da especificação técnica. Estão fazendo inúmeros testes de interatividade. No Congresso da SET, três emissoras estavam com aplicações interativas. Duas relacionadas a conteúdo específico e outra em um formato de portal de notícias. Certamente, a tecnologia não é uma surpresa para os radiodifusores, porque têm feito a lição de casa.

Que conselhos você daria aos radiodifusores para seguirem o melhor caminho com relação à implantação efetiva da interatividade na programação?
Montar laboratórios de interatividade, formar profissionais e contratar consultorias especializadas.

*Roberto é editor da Revista da SET

Revista da SET – NO XXI – N.110 – OUT/NOV – 2009