AS FORÇAS DO PASSADO MOLDAM O FUTURO

RÁDIO
AS FORÇAS DO PASSADO MOLDAM O FUTURO
A TECNOLOGIA DIGITAL TRAZ EM SI A PROMESSA DE UMA REVOLUÇÃO TÉCNICA TÃO SIGNIFICATIVA, CAPAZ DE ALTERAR O MODO DE PRODUÇÃO DA PROGRAMAÇÃO, DE DISTRIBUIÇÃO DE SINAIS E A RECEPÇÃO DA MENSAGEM
Por Nelia R. Del Bianco

Instantâneo e presente em toda parte, o rádio desafia distâncias, barreiras geográficas e fronteiras geopolíticas. Foi a primeira manifestação tecnológica de uma realidade virtual que ajudou a forjar as formas de pensar do século 20. Mudou mentalidades provincianas de horizonte estreito, ligando vilas e cidades ao que ocorria no mundo. O rádio teve fundamental importância na disseminação de costumes, idéias e ideais políticos e valores democráticos.
Ao longo do século 20, esse meio de comunicação tão popular passou por várias mudanças tecnológicas. No Brasil, o receptor a válvulas da década de 30, substituiu o pioneiro de cristal de galena, o que favoreceu a popularização do meio com a disseminação de aparelhos mais acessíveis. Na década de 60, o transistor contribuiu para o aparecimento de aparelhos portáteis, sem fios ou tomadas, que transformaram a audiência antes coletiva em individual. A expansão da FM, nos anos 70, deu vida nova ao meio que estava estagnado com o predomínio do AM. As novas emissoras trouxeram incentivo comercial ao meio que perdia espaço para a TV na disputa das verbas publicitárias, quando conseguiram aumentar a audiência graças a uma programação diversificada e com melhor qualidade sonora. Na década de 90, a transmissão digital via satélite possibilitou a formação de grandes redes de emissoras. Sua maior vantagem foi oferecer cobertura nacional a um custo mais baixo. No limiar do século 21, o rádio expandiu seu alcance com a Internet. Emissoras em todo mundo colocaram seu sinal na rede, alcançando audiência global.
A transformação mais radical desde a invenção do transistor e da freqüência modulada ainda está por vir no Brasil: o rádio digital. A transmissão do sinal em bits (informação numérica) melhora de forma fantástica a qualidade de som do AM, passando a ser equivalente ao do atual FM. O ganho maior é do FM que terá som igual ao do CD. Com a digitalização, desaparecerão por completo interferências na transmissão de sinais nas freqüências AM e FM. Outra vantagem será a possibilidade de transmissão simultânea de dados para receptores de rádio com tela de cristal líquido, desde informações de trânsito, tempo, compras e prestação de serviços. Os modelos de aparelhos receptores digitais já disponíveis nos mercados da Europa e Estados Unidos são portáteis, multifuncionais, multimídia, permitem ter voz, vídeo, fotos, base de dados, opções do tipo unidirecional e funções interativas.
As vantagens da transmissão digital são, potencialmente, significativas e sugerem que essa revolução tecnológica irá revitalizar o rádio tanto no conteúdo quanto na forma de consumo. Uma delas é a diversificação do conteúdo, uma vez que a tecnologia permite a divisão do espectro em dois ou mais canais de áudio. Pesquisadores da área de várias partes do mundo apontam para a necessidade de uma “reinvenção” do rádio analógico para que possa se adaptar à nova tecnologia.
De fato, o surgimento de uma nova tecnologia carrega em si predições de toda ordem. Para os pessimistas, o novo destrói o velho irremediavelmente, enquanto os otimistas agitam-se perante o estímulo do potencial e da perspectiva revolucionária do meio emergente. No entanto, é preciso cautela nessa análise. O processo de mudança de um padrão tecnológico para outro é bem mais complexo.
O professor norte-americano Roger Fidler (1997), um estudioso dos padrões de adoção e implantação de novas tecnologias, afirma que as novas mídias não surgem espontaneamente e independentes, mas emergem gradualmente a partir da metamorfose das velhas. O novo meio se apropria de traços dos existentes para encontrar, posteriormente, a sua própria identidade e linguagem. Diante das novas mídias, as tradicionais normalmente não morrem, ao contrário, adaptam-se e continuam evoluindo.
O curioso desse processo, segundo Fidler, é que as forças que moldam o novo são, essencialmente, as mesmas formas que moldaram o passado. Quer dizer, as mudanças podem parecer rápidas porque são muitas tecnologias de comunicação vindas ao mesmo tempo. Mas é engano pensar que surgem de repente. São trabalhadas em laboratórios durante anos e passam por uma série de testes, especialmente de viabilidade técnica e econômica, até chegarem ao grande público. Podem atravessar décadas até saírem dos laboratórios e serem comercializadas.
Mas até ser totalmente disseminada, uma nova tecnologia passa por aceleradores e freios. A indústria, o poder econômico, pressões competitivas e políticas, os processos de regulação atuam nesse processo dando impulso ou simplesmente barrando aquilo que julgam inconvenientes na dinâmica das forças em confronto naquele momento. Portanto, as novas tecnologias não são adotadas apenas por seus méritos e potencial inovador. Há sempre que existir uma oportunidade, assim como motivação social, política ou razão econômica para um novo meio tecnológico ser desenvolvido.
No caso do Brasil, as forças conservadoras do passado e do presente tendem a moldar a adoção do rádio digital aquém de seu potencial inovador. Uma evidência disso está na decisão de doze emissoras, em sete capitais brasileiras, de testarem o sistema de transmissão digital norte-americano IBOC (In-Band On-Channel)1.

Manutenção do status
A escolha de um modelo de transmissão digital é, tradicionalmente, uma prerrogativa do Estado. O Ministério das Comunicações não fez, até o momento, essa escolha. Optou por liberar as emissoras para que realizem testes com um dos quatro sistemas disponíveis: o norte-americano IBOC (In-Band On Channel), os europeus DAB (Digital Audio Broadcasting) e DRM (Digital Radio Mondiale) e o japonês ISDB-Tn (Integrated Services Digital Broadcasting – Terrestre narrowband).
A escolha dos radiodifusores de emissoras convencionais pelo IBOC é um esforço para combinar vantagens tecnológicas com a possibilidade de preservação do negócio e da marca. O sistema norte-americano permite a convivência dos canais AM e FM analógicos com o novo digital, sem que haja necessidade de mudar freqüência no dial. Uma vez que o sinal digital é transmitido no canal adjacente, não é preciso de canal adicional, nem há necessidade de fazer novas licitações ou outorgas. Outra vantagem é favorecer o uso de infra-estrutura existente. Acredita-se que não será necessário trocar torres e nem mudar os locais de transmissão, embora algumas emissoras precisarão de um novo excitador de radiodifusão digital, alguns equipamentos e periféricos. O novo sistema provê uma fonte adicional de renda com a comercialização de serviços de datacasting (transmissão de dados classificados de acordo com o seu uso). O inconveniente é que a tecnologia IBOC é proprietária. Para seu uso é necessário pagar licenciamento anual, hoje em torno de US$ 5 mil. A empresa IBiquity, detentora dos direitos de exploração da tecnologia, pode reduzir o valor do licenciamento para favorecer países interessados em adotá-la como uma vantagem competitiva em relação aos demais sistemas.
O sistema europeu DAB, em funcionamento na Europa há mais de 15 anos, nunca atraiu os radiodifusores brasileiros porque, para entrar em operação, exige uma nova faixa de freqüências, acima de 30MHz, para transferência das atuais estações de FM ou para consignação a novas estações. A transmissão é feita por operadores multiplex. Significa que seis emissoras podem partilhar a mesma freqüência e transmissor, o que reduz custos de transmissão. Uma característica técnica elogiada pelos radiodifusores europeus.
O ponto crítico é a necessidade de atribuir uma faixa de freqüência exclusiva para o DAB, uma vez que o padrão não pode funcionar simultaneamente com as emissoras AM e FM analógicas. O partilhamento do mesmo transmissor por várias emissoras é considerado inaceitável dentro dos padrões comerciais. Não haveria como garantir diferencial técnico quando o transmissor não é propriedade das emissoras e sim de uma entidade independente, de uma provedora de meios de transmissão. Nos Estados Unidos, como no Brasil, existem estações com níveis de potência e alcance de audiência diferentes no mesmo mercado. Fazer com que todas fiquem iguais apenas com o objetivo de serem digitais debilitará as estruturas financeiras da indústria, segundo os críticos do DAB.
Ao deixar de colocar em teste outros sistemas, por exemplo, o DRM, exclusivo para freqüências AM e OC, os radiodifusores brasileiros optam por uma exploração conservadora da tecnologia emergente para manter o status. E quando o Ministério das Comunicações sinaliza que o mercado irá decidir qual é o melhor padrão de difusão digital. Sinaliza que o mercado vai regular o processo para manter o status adquirido ao longo dos anos. Diante dessa tendência, o que se pode antever é um aprofundamento das diferenças quanto a padrões técnicos e de produção já existentes entre emissoras grandes e as demais – pequenas e médias – que integram o sistema de radiodifusão brasileiro.

Sistema de radiodifusão desigual
Historicamente, as concessões têm beneficiado um segmento expressivo de pessoas vinculadas a interesses políticos e econômicos que não são do ramo de comunicação, e nem possuem o menor compromisso com a função social do rádio. Lamentavelmente, usam a concessão como um bem à espera de valorização para ser vendido, ou como meio para promover outros negócios e favorecer a políticos. Poucos são os verdadeiros proprietários de emissoras que vivem do negócio rádio.
Estimativas do setor privado apontam que 45% das emissoras pertencem a políticos, 25% a seitas evangélicas, 10% à Igreja Católica e 20% das emissoras comerciais são independentes. Em suma: mais da metade das emissoras de rádio é comandada por políticos e religiosos.1 Evidentemente, que esses dados não são oficiais e podem apresentar falhas, como por exemplo, em relação ao verdadeiro percentual de emissoras vinculadas às Igrejas Evangélicas. Diante da crise financeira provocada pela queda no faturamento com publicidade – conseqüência da carência de investimentos na melhoria da programação – emissoras de rádio cederam parte de sua programação para programas religiosos. Não se sabe exatamente o número de emissoras que adotaram essa prática devido à ausência de controle legal sobre o conteúdo da programação.
É fato que as pequenas e médias emissoras são dominantes, representando 70% do total existentes. Em geral, são empresas que mantêm reduzida equipe de funcionários; disponibilizam programação de baixo custo, centrada na figura de comunicadores, um mix de música, fofocas com pouca ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Poucas são as que possuem equipe de jornalismo e algum interesse em produzir radiojornalismo local de qualidade, isento, livre de injunções políticas e econômicas. É comum que algumas emissoras dependam da verba publicitária do governo local para manter suas atividades. E isso leva, invariavelmente, ao comprometimento da qualidade da informação.
Para essas emissoras, os custos para adaptação dos transmissores de analógicos para digitais são elevados. As emissoras autorizadas a testar o digital terão de desembolsar R$ 75 mil com o excitador de rádio digital para os transmissores. Se decidir investir em um novo transmissor digital, as emissoras terão de gastar entre US$ 40 mil e US$ 120 mil. Além das dificuldades financeiras para fazer esse investimento, boa parte das pequenas e médias emissoras ainda não estabeleceu estratégias de modernização de transmissores, informatização dos processos de produção e sequer imaginam um plano de negócios para o rádio digital.
É verdade que o ministro das Comunicações, Hélio Costa trabalha para desenvolver um aparelho nacional que funcione ao preço de R$ 10 mil por meio de um convênio realizado entre a Funtel com o Instituto Nacional de Telecomunicação (Inatel) de Santa Rita do Sapucaí (MG). Acredita o ministro que, com a medida, estará dando o primeiro passo ao desenvolvimento da política industrial de incentivo à adoção do rádio digital.2 A medida é positiva. Porém, fica pendente a situação das comunitárias já legalizadas. Sem uma política governamental, dificilmente as comunitárias poderão se integrar à nova ordem tecnológica pelas condições de sua origem, em geral, vinculadas às associações e instituições que não possuem recursos.

Digital limitado
Outro sinal de ação das forças conservadoras do passado que moldam o novo é a tendência das emissoras que testam o rádio digital em usar, inicialmente, a nova tecnologia como uma forma de melhorar a qualidade de som da transmissão das emissoras AM, que é muito ruim. O que é necessário, pois permitirá a revitalização de uma freqüência que vem perdendo audiência para o FM há vários anos. No entanto, isso representará reproduzir a mesma programação de hoje em uma tecnologia que oferece muito mais. De acordo com projeções feitas por Antonio Rosa, diretor da Associação das Emissoras de Rádio e TV de São Paulo, AESP, e um dos responsáveis pelo projeto piloto de testes, somente nos próximos cinco anos o rádio digital brasileiro terá mensagens de textos, gerenciados por satélites. Daqui a dez anos estará totalmente implantado, inclusive com propaganda interativa e oferecimento de dois ou três tipos de programação simultânea no mesmo canal.3
A experiência de quem já convive com rádio digital há mais de dez anos mostra que a tecnologia digital, para que seja adotada pela sociedade, precisa oferecer muito mais que a melhoria de qualidade de som da programação existente. A experiência no Reino Unido é exemplar nesse sentido.
Durante o seminário internacional “A radiodifusão pública no desenvolvimento e na cidadania”, promovido pela Associação de Rádios Nacionais de Serviço Público da América Latina, em abril de 2005, o diretor de Projeto de Rádio Digital do Serviço Mundial da BBC, John Sykes, contou que o DAB ficou parado por vários anos no Reino Unido por suposições tácitas equivocadas. A primeira era de que os primeiros produtos de consumo do DAB seriam rádios para carro. A suposição era de que o custo extra de um rádio digital para carro seria facilmente absorvido no valor do veículo. Um erro de avaliação, segundo ele. A indústria automobilística é bastante conservadora e os períodos de desenvolvimento de novos produtos são longos. A segunda suposição era de que os ouvintes se sentiriam atraídos pela qualidade superior dos serviços de rádio DAB. Imaginava-se que esse fator levaria rapidamente ao desenvolvimento de receptores para o mercado de consumo de massa. O que não aconteceu. Por muitos anos, o aparelho permaneceu caro. Além do que o ouvinte se perguntava, antes de comprá-lo, sobre as vantagens que teria ao trocar o seu aparelho pelo digital. Além da qualidade de som, o ouvinte queria programas novos e atrativos.
Somente depois de perceber o erro dessas suposições e corrigir rumos, o DAB se desenvolveu no Reino Unido. Segundo John Sykes, somente conteúdo novo foi capaz de estimular o aumento da demanda do consumidor. Simplesmente retransmitir serviços existentes não era suficiente para estimular a adesão. Outro fator determinante para a mudança foi favorecer o acesso do ouvinte a aparelhos receptores mais baratos e fáceis de usar. As empresas de rádio comercial se uniram em 2001 para patrocinar o desenvolvimento de um rádio de cozinha de menos de US$ 190 (Pure Evoke). Ao chegar às lojas em 2002, os estoques do novo aparelho esgotaram rapidamente tal era a demanda do consumidor. Hoje é possível comprar um aparelho mais simples por US$ 90 a preço de varejo. Por que esse interesse do consumidor? Pelo conteúdo novo disponível. Somente a BBC criou cinco canais de rádio exclusivos para a freqüência digital. Assim o fizeram as emissoras comerciais. Hoje ouvintes regulares de rádio digital no Reino Unido escutam 4 horas a mais que ouvintes de rádio analógico.4
A experiência mostra que o investimento terá de se dirigir também para a criação de produtos atrativos voltados ao consumidor e de uma programação diversificada. Significa aliar qualidade de som com melhoria do conteúdo da programação.

De olho no futuro
Cada tecnologia que surge traz em si promessas, discursos, potencialidades, projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais. E não poderia ser de outro modo. As tecnologias são produtos da sociedade e da cultura. São criadas, imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante o seu uso pelos homens.
O sentido da tecnologia reside nas intenções dos usuários que as trocam e formulam. Uma inovação tecnológica programa, sem dúvida, certos usos, mas estes por sua vez desviam, modificam ou adaptam a ferramenta aos mundos próprios dos utilizadores. O seu verdadeiro poder de alterar a comunicação somente pode ser avaliado quando inserida na dinâmica da vida social, política e econômica, incluindo também as contradições que marcam a lógica da acumulação capitalista.
A adesão do Brasil ao rádio digital mostra que o passado molda uma mudança conservadora. No momento, segue a lei da sobrevivência. Essa evolução tende a ocorrer sem que os radiodifusores abram mão de seus valores tradicionais e, muitas vezes, guiado por suposições tácitas que podem estar na direção contrária ao interesse do ouvinte.
Ao optar pelo IBOC, a princípio, sem demonstrar interesse por outros sistemas de transmissão, o modelo de rádio digital que se configura impede a entrada de novos atores. Isto porque, ao ocupar os canais adjacentes e efetivamente aumentar a largura do canal ocupado por uma estação, está-se reduzindo a disponibilidade de espectro para eventuais novas emissoras. Tal fato é agravado ainda pela falta de espaço no espectro de freqüência de radiodifusão brasileiro. De acordo com a Anatel, não há mais lugar no dial para novas emissoras ou para mudar de lugar as atuais e, por isso, ao se fazer a digitalização do rádio, é preciso uma solução que permita às emissoras permanecer no mesmo canal.6“
Essa tendência parece estar na contramão do potencial revolucionário da tecnologia digital que traz em si a promessa de integrar e convergir vários meios de comunicação numa aldeia global constituída a partir das redes informatizadas interativas. Quer dizer, pode aproximar as pessoas e tornar o mundo cada vez menor e igual. Por ser mais flexível, a tecnologia digital difere daquela que orientou o processo de industrialização no passado, quando surgiram novas relações técnicas de produção, relações sociais e de poder baseadas na propriedade privada dos meios de produção. A mudança hoje é tão cultural e imaginativa quanto tecnológica e econômica, segundo Johnson (2001). A tecnologia digital distingue-se por ampliar a capacidade intelectual do homem. Não apenas possibilita centralizar conhecimentos e informação numa rede técnica informatizada, como permite aplicar esses conhecimentos na geração de novos conhecimentos e mecanismos de processamento da informação. O que mudou, segundo Castells (1999), não foi o tipo de atividade em que a humanidade está envolvida desde a era industrial, mas sua capacidade tecnológica de utilizar, como força produtiva direta, aquilo que caracteriza a singularidade do homem: a capacidade superior de processar símbolos.
Potencialmente, a tecnologia digital oferece a possibilidade de mudar a radiodifusão no país e abrir espaço para novos operadores e serviços diferentes e para a popularização da produção e veiculação de conteúdos. Permite tornar o rádio mais interativo, na medida em que as emissoras poderão trabalhar como as TVs por assinatura, com o usuário optando pelo programa ou música que gosta de ouvir, por exemplo, ou até mesmo comprando a programação. Este novo formato para o rádio pode ser uma maneira de fidelizar o ouvinte e de aumentar a lucratividade das emissoras.
Essa tecnologia pode oferecer multiplicidade de formas de transmissão. Uma única emissora poderá operar transmissores terrestres para cobertura nacional ou local, transmissores por satélite para cobertura de grandes zonas, transmissores por cabo para zonas pequenas, além de transmitir dados e serviços especializados. Essa variedade de formas de transmissão pode provocar uma reconfiguração dos atuais conteúdos e das funções sociais do rádio. Evidentemente, poderá provocar um aprofundamento da segmentação da programação para atender diferentes faixas ou segmentos da audiência. Uma hiper-especialização não só pela música, com seus mais variados gêneros e estilos, mas também pela temática – emissoras especializadas em esportes, turismo, economia, literatura, entre outros.
Tais mudanças, se ocorrem, poderão colocar fim a audiência massiva e a fidelidade do ouvinte a uma única emissora, o que exigirá dos radiodifusores muita criatividade não somente para gerar conteúdos específicos, como também para enfrentar o desafio de fazer rádio para ser lido. Diante da possibilidade de transmissão de dados e oferta de serviços especializados, o rádio não mais se caracterizará como um meio de comunicação exclusivamente sonoro. Boa parte de seu conteúdo também poderá ser lido na tela do cristal líquido do aparelho receptor digital – portátil e multifuncional – ou em outras plataformas de mídias convergentes.
Ao conviver com serviços de texto e imagens, além de ter potencial para integrar cadeias de serviços de informação, entretenimento e comércio eletrônico, fatalmente haverá uma sinergia que estimulará o radiodifusor a buscar parcerias e alianças estratégicas com provedores de conteúdo para desenvolver serviços complementares e agregar valor à programação do rádio. Esse cenário promissor sugere ao radiodifusor abrir mão do conteúdo exclusivo para entrar no campo da troca de informação. Significa modificar a atual estrutura de trabalho, adequando-se seu perfil para se transformar em um provedor de conteúdo que oferece seus produtos a outros players.
Com o digital, o rádio não poderá ser mais um negócio para solitários. A digitalização abre caminhos para a diversificação do negócio a partir de parcerias que favoreçam o aumento da oferta de novos produtos, e, conseqüentemente, da rentabilidade das emissoras. Quem sabe, finalmente, o rádio deixará de ser o eterno primo pobre entre os demais meios de comunicação.
Como ensina Roger Fidler (1997), não existe uma linha cronológica ascendente para a absorção da tecnologia que saiu do laboratório. O caminho é mais parecido com o de uma montanha russa, com vários pontos altos e quedas. E nada garante que depois de uma queda haverá uma ascensão principal no final da linha. Em geral, primeiro há uma overdose, uma excitação, depois segue a dinâmica da vida real e passa por uma fase de acomodação. Os modismos passam.
Na adoção de uma nova tecnologia se avalia a vantagem que ela oferece em relação às demais existentes, se é compatível com os padrões existentes, se possui baixo grau de complexidade no manuseio, se é confiável e, finalmente, se as pessoas que fazem uso dela emitem comentários positivos.
O sucesso de uma nova tecnologia depende de sua capacidade de ajustar-se à vida das pessoas. Precisa ser confortável e fácil, ter ligação com o passado, com aquilo que as pessoas já conhecem ou que possa melhorar o que já existe.
Se a revolução do rádio digital é cultural e imaginativa, como diria Johnson, talvez seja recomendável ao adotá-la seguir um célebre conselho de Marshall McLuhan, um dos mais populares teóricos da comunicação: não olhar o novo pelo espelho do retrovisor.
“O passado foi embora naquela direção. Quando confrontados com uma situação inteiramente nova, tendemos a ligar-nos aos objetos, ao sabor do passado mais recente. Olhamos o presente através de um espelho retrovisor. Caminhamos de costas em direção ao futuro. Os subúrbios vivem imaginariamente na terra de Bonanza”.

 

A Autora
Nelia R. Del Bianco é professora do curso de Comunicação Social na Universidade de Brasília, doutora em Comunicação pela Universidade de São Paulo.
E-mail: [email protected]

Notas
1 – “Lá vem eles de novo – a fragmentação da audiência da TV deve dar um empurrãozinho no rádio, que lança associação e busca reposicionamento comercial”. Propaganda, nº 570, ano 43, dezembro de 1998.
2 – Entrevista concedida à Folha de São Paulo em 30.10.2005, p.15.
3 – IDG Now!, 21.09.2005
4 – John Sykes, Diretor de Projeto, Rádio Digital, Serviço Mundial da BBC.

Referências
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultural – A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FIDLER, Roger. Mediamorphosis – Understanding New Media. California: Pine Forge Press, 1997.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface – Como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2000.
MCLUHAN, Marshall e FIORE, Quentin. O meio são as massa-gens – um inventário de efeitos. Rio de Janeiro: Record, 1969.
SYKES, John. “O lançamento da Rádio Digital no Reino Unido – A experiência britânica de implementação e lançamento do DAB”. Palestra no Seminário Internacional -A radiodifusão pública no desenvolvimento e na cidadania. Brasília, abril 2005.