O desafio de digitalizar o Brasil

Especial Switch-Off
Parte II

Relato em primeira pessoa de uma caminha pelo Brasil em prol da digitalização da TV. Um processo que começou na primeira década do século XXI e finalizará depois de 2023

por Andre Dias

No dia em que cheguei à cidade de Rio Verde, interior de Goiás (a escolhida para ser o projeto piloto de switch-off no Brasil), queria entender o que poderia mover aquelas pessoas. Como incentivá-las a realizar a mudança do sistema analógico para o digital? Como atingir o índice de 93% de mudança? Será que elas acreditavam naquele processo? E o que eu poderia levar de aprendizado para o grupo técnico de Comunicação da Anatel do qual eu passava a fazer parte?
Eram muitas as dúvidas e, de antemão – por todas as informações do processo em outros países – eu sabia que a complexidade seria muito grande.
Naquele momento, a Globo exibia, de forma voluntária, no canto inferior direito da tela da TV, a letra “A”, que indicava a transmissão analógica. A partir dessa ação, foram criadas peças publicitárias com o elenco da Globo para explicar o processo de digitalização.

O cronograma de desligamento se estenderá até 2023

Durante a incursão pela cidade, quando procurei conversar com todas as pessoas, observei que havia um sentimento de descrédito da população com o processo. Essa mesma população que tinha se sentido enganada com a obrigatoriedade do uso do extintor de incêndio nos automóveis, por exemplo. Tal obrigatoriedad havia sido cancelada. E, pior, muitos haviam realizado até empréstimos para poder atender a exigência!
Outra situação que chamou muito a atenção foi o sentimento da população em relação ao processo. Como a única geradora da cidade era a TV Anhanguera, afiliada da TV Globo, a população dizia que a responsável pela mudança era a TV Globo. Diziam que a única emissora que seria desligada seria a Globo. E, pasmem: que a Globo havia comprado uma fabricante de televisores e queria vender TVs.
Visitei algumas residências de pessoas que tinham retirado o kit conversor e constatei que existia uma dificuldade enorme na instalação correta dos kits. As pessoas reclamavam muito. Diziam que o sinal congelava, que havia reduzido o número de canais, que a imagem não era boa. Diziam ainda que era muito difícil instalar os conectores na antena e na TV – era preciso descascar o cabo da antena. Também não tinham ideia do que era ressintonia de canais; reclamavam de que quando passava uma Mobilete pela rua ou ligavam o liquidificador em casa, havia interferência no sinal. Observamos um número enorme de uma antena chamada foguetinho (tubo de PVC com um arame interno). Os moradores da área rural acreditavam que o sinal somente seria desligado no perímetro urbano; e, para complicar mais ainda: como as pessoas que não eram beneficiarias do programa Bolsa Família poderiam realizar a conversão, uma vez que não tinham condições financeiras de adquirir os kits?
Outro sentimento de grande parte da população era de que o sinal digital somente ficaria disponível no dia seguinte ao desligamento. Portanto, poderiam aguardar, não deveriam realizar a conversão para o sistema digital imediatamente.

Antenistas
Existia uma dificuldade enorme! Pensei, será que as pessoas estão usando o serviço de antenistas? A resposta foi imediata: uma senhora, moradora da cidade, ligou para a TV dizendo ser impossível assistir à TV durante o dia; que não tinha sinal, que a tal tecnologia digital era um horror; porém, depois das seis horas da tarde o sinal ficava perfeito e, aí sim, a TV tinha ficado muito melhor e que a tecnologia digital era a perfeição! Tínhamos que desvendar esse mistério.

TV Anhanguera desligou o sinal de TV analógica em Rio Verde (Go), na terça-feira, 1 de março de 2016, às 12h50 (Horário de Brasília), quando os transmissores analógicos da única geradora de televisão da cidade – a TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo – foram desligados

Para completar o diagnóstico, durante uma caminhada pelo comércio com o diretor de tecnologia da TV Anhanguera, Carlos Cauvilla, percebemos que mesmo com toda a campanha voluntária das emissoras de TV e da EAD (nome utilizado inicialmente pela Seja Digital), as lojas estavam vendendo televisores plugados no sistema analógico. Elas (lojas) não percebiam a oportunidade daquele momento.
Outra percepção foi a quantidade de televisores de tubo, muitos em boas condições, descartados de forma inadequada. O sentimento da população, das classes A e B, era que aqueles televisores não seriam adequados para a tecnologia digital.
Enfim, tínhamos um grande desafio. Mas, o que fazer?
A primeira providência foi visitar o SENAI de Rio Verde. De fato, a ideia seria o treinamento dos alunos de eletrotécnica para que eles pudessem ajudar no processo de multiplicação do conhecimento. Assim, iniciamos a formação de 30 alunos do SENAI. No dia da segunda aula, ministrada pelo Luiz Fausto, engenheiro da TV Globo, observamos uma movimentação anormal na porta da sala de aula. Fomos averiguar e verificamos que eram os alunos do curso de elétrica que, espontaneamente, desejavam também aprender a técnica – e claro, foram muito bem-vindos!
Formada a equipe – batizada de Patrulha Digital, convidamos os alunos para que, de forma voluntária, ajudassem a população com a instalação dos kits. Assim, visitamos mais de 3.500 residências, disseminando informação sobre a tecnologia digital e auxiliando com os ajustes necessários. Para atuar nos telhados ou em situações de algum risco, os antenistas da TV Anhanguera estavam sempre presentes. Funcionou tão bem que formamos mais um grupo e chegamos a 70 alunos da Patrulha Digital.
Nas visitas às residências, procurávamos tirar todas as dúvidas da população e orientar sobre o correto posicionamento e fixação da antena, o porquê da antena externa, a correta busca de canais, os equipamentos adequados, a necessidade ou não de utilização do conversor, o correto descarte dos televisores, a fixação dos conectores e o que mais fosse preciso para a perfeita recepção do sinal digital.
Com toda essa experiência de campo, muitos alunos aproveitaram a oportunidade para incrementar o orçamento familiar. Realizaram instalações em residências e buscaram seu primeiro trabalho.
E você, amigo leitor, deve estar se perguntando: E aquele caso da senhora que reclamou que a TV não funcionava durante o dia, somente à noite? Pois bem, a Patrulha Digital foi até a casa dela, em um bairro próximo à TV Anhanguera. Chegando lá, fizeram a análise da instalação dos conectores, busca de canais, energia elétrica, cabos e… posicionamento da antena. Opa! Encontrado o problema! A antena estava fixada na janela da residência. Pela manhã, quando acordava, a senhora abria a janela para entrar o sol e o ar da manhã. Nesse momento, a antena perdia o apontamento e, consequentemente, perdia o sinal. Porém, no final do dia, quando ela fechava a janela para evitar pernilongos, a antena voltava a ficar com o apontamento correto. TV perfeita. Refizemos a instalação da antena e ajustamos o direcionamento. Melhor imagem, melhor som e tudo de graça!

André Figueiredo, então Ministro das Comunicações, desligava o sinal analógico da TV em Rio Verde

Mas, nem tudo era muito fácil. Muitas pessoas resistiam em abrir as portas para a Patrulha. Precisávamos de uma pessoa que já lhes fosse familiar. E não era eu! Convidamos a Érika Moura, a Globeleza, para nos ajudar no processo em Rio Verde. Foi um sucesso! A Érika chegava na casa das pessoas, batia palmas e, depois de um primeiro olhar desconfiado, na janelinha da porta, notávamos a abertura de um grande sorriso. A Globeleza tinha chegado!
Além disso, a Érika Moura participou – acompanhada por mim e pelo Cauvilla – de um tour pelas lojas de eletrodomésticos da cidade, onde ministramos, durante o expediente, um pequeno treinamento para os vendedores.
Durante o processo de Rio Verde, o Governo Federal ampliou o número de beneficiários do kit conversor. A partir de então, além dos beneficiários do Bolsa Família, os beneficiários dos programas sociais federais também passariam a ter direito. Acreditávamos que, com isso, o volume de retirada dos kits aumentaria muito. E tinha uma razão, existiam muitos beneficiários do “Minha casa, minha vida”. Mas, não foi o que aconteceu. O número não subia. Nas matérias jornalísticas era dito, quase que diariamente, que os beneficiários do “Minha casa, minha vida” tinham o direito de receber os kits. Mesmo assim, nada acontecia. Fomos então a um núcleo programa para entender o que poderia estar ocorrendo. Simples: o programa não era conhecido pelo nome oficial, e sim como projeto “Casinha”. Sucesso! As pessoas se identificaram ali. Para os demais beneficiários, a alternativa foi a exibição de cartelas com os nomes de cada programa social.
Restava, ainda, outro desafio: Como demonstrar para a população que o desligamento decorria de uma determinação do Ministério das Comunicações e da Anatel? Como indicar que o sinal de todas as emissoras de televisão seria desligado e não apenas o da TV Anhanguera?
No grupo técnico de Comunicações do SWO, em Brasília – composto por representantes das emissoras de televisão, do Ministério das Comunicações, da Anatel, da Abert, da Abratel e das operadoras de celular – criamos o Manual de Publicidade Obrigatória. Esse documento relata uma série de procedimentos obrigatórios com o objetivo de informar a população sobre o desligamento. Um dos mecanismos foi a cartela obrigatória, que entraria em faixas horárias em todas as emissoras de TV. Essa cartela dizia o seguinte: “O Ministério das Comunicações e a Anatel informam que o sinal analógico dessa cidade será desligado. Assista a mesma programação no canal digital de sua cidade. Acesse Seja Digital.com.br ou ligue 147”.
Dessa forma, deixamos claro para a população que o sinal de todas as emissoras seria desligado e que, esse procedimento, ocorreria por determinação dos órgãos federais.
Além das cartelas, criamos a contagem regressiva, a inserção do “A” de analógico (para que as pessoas soubessem que estavam assistindo a uma transmissão analógica) e a inserção de vídeos tutoriais. O Manual foi aprovado na reunião do Gired (Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV) do mês de dezembro de 2015.
Além da campanha obrigatória, a área de Comunicação da TV Globo desenvolveu uma série de comerciais voluntários para informar a população. Essa campanha estava dividida em três fases: conhecimento, compreensão e emergência do processo. Nesse sentido, foram feitas paródias de músicas com cantores populares, campanhas em datas comemorativas, entre tantas outras.
Em parceria com a área de Pesquisas da TV Globo, desenvolvemos um relatório para ouvir a população. Com o resultado, conseguimos ajustar a metodologia de trabalho de forma a melhor atender a população.
O processo seguiu até fevereiro de 2016, quando foi realizado o desligamento da cidade de Rio Verde. Um marco para o Brasil.

Diretoria do Grupo Jaime Câmara após o desligamento do sinal analógico da TV Anhanguera

No entanto, nossos grandes desafios ainda estavam por vir: Brasília, São Paulo, Goiânia, Recife, Salvador, Fortaleza, Vitória, Rio de janeiro, Belo Horizonte e interior de São Paulo. Mais de 200 cidades deveriam ser desligadas até o final de 2017. O que fazer?
Brasília e entorno: Como viabilizar a Patrulha Digital? Como digitalizar aquele cluster imenso, maior do que países como a Costa Rica?
A primeira providência foi procurar o SENAI. Por indicação dos nossos colegas da Globo em Brasília, fomos ao SENAI de Taguatinga, onde a primeira turma recebeu 1.200 alunos para a Patrulha Digital.
Os alunos foram treinados e, de forma voluntária, nos ajudaram a visitar residências no entorno da escola. Residências como a do Josinei Costa. Estávamos em uma rua em Taguatinga, quando avistei em um portão, um rapaz com cerca de 35 anos, segurando uma bengala – o que indicava um problema visual. Perguntei a ele: E aí amigo, a sua televisão já é digital? Ele me respondeu: Infelizmente, eu não assisto mais televisão. Perguntei: O que houve? Ele respondeu: Antigamente, a minha irmã narrava tudo o que acontecia nos filmes, mas ela se casou, mudou de cidade, e hoje eu não consigo mais assistir TV. Eu fico perdido no meio das histórias. Nesse momento, um engenheiro da Globo de Brasília se aproximou e disse que poderíamos ajudar a resolver o problema. Instalamos o kit na residência dele e mostramos o benefício da audiodescrição. Quando o Josinei percebeu a possibilidade, ele começou a chorar e confesso que todos nós, naquele momento, também choramos.

Portaria tornou obrigatória a divulgação do desligamento

A Patrulha Digital foi formada nas demais unidades do SENAI no Distrito Federal e colaborou, muito, no processo de digitalização.
No entorno de Brasília, tínhamos a necessidade de digitalizar, também, cidades de Goiás, como Formosa, Luziânia, Valparaíso, entre tantas outras. Em muitas dessas cidades não existia a estrutura do SENAI. O que fazer? Procuramos a direção do Instituto Federal em Goiás e fechamos um acordo para a formação dos alunos na cidade de Luziânia. O processo foi tão vitorioso que possibilitou um acordo nacional com o Conif – conselho de Institutos Federais no Brasil, para a formação de jovens em todas as escolas brasileiras.
Tínhamos, a partir daquela experiência, dois grandes parceiros: o SENAI e o Conif.
Observamos, porém, que a população de Brasília e do entorno de Goiás sabia do desligamento, da proximidade, mas, não se movimentava. Precisávamos criar algo que mobilizasse as pessoas. Foi assim que criamos a Onda Digital. Com um caminhão com dois enormes painéis de Led que captava o sinal do ar, visitamos desde favelas, feiras, shows, parques, condomínios, locais religiosos, até a Esplanada dos Ministérios. Sempre demostrando os benefícios da TV digital e esclarecendo as dúvidas sobre a instalação dos kits.
Em Brasília, com o auxílio dos engenheiros da área de Tecnologia e da área de Negócios da Globo, criamos um treinamento para os lojistas. Notamos, a partir da experiência de Rio Verde, como era importante que o vendedor desse a informação correta para o consumidor.
Observamos também que os não beneficiários dos programas sociais federais tinham dificuldade na aquisição do kit. Com a parceria da área de Negócios da Globo e com a Seja Digital, realizamos em Taguatinga, o Feirão da TV Digital. Um projeto piloto, mas que logo no início demonstrou ser muito útil para o processo. As pessoas precisavam de bons preços e condições para a aquisição.

Cartela informativa que aparecia na tela das TVs analógicas de Rio Verde após o histórico switch-off

O apoio do Jornalismo disseminando as informações corretas para a população foi fundamental. Durante o Feirão, que recebeu um grande fluxo de pessoas, notamos uma senhora que chegou com uma TV embaixo do braço. Perguntamos como poderíamos ajudá-la. Ela disse: Eu trouxe minha TV e o conversor para que vocês, que entendem, a deixem preparada. Eu não posso perder a minha novela e tampouco o jornal. Assim foi feito!
No feirão, era possível a retirada dos kits pelos beneficiários dos programas sociais federais. Tivemos uma situação inusitada. Compareceram duas moradoras de rua, beneficiárias, para buscar os kits. Mas o que essas duas moradoras de rua fariam com o kit, que era, sem dúvidas, um direito delas? Fui conversar e elas me disseram que moravam, sim, na rua, embaixo de uma ponte, e que estavam ansiosas para ver a imagem da TV com a tecnologia digital. Assim foi feito. Se você avistar, na região de Brasília, uma antena UHF embaixo de uma ponte, saiba que pode ser uma daquelas beneficiárias. Foi emocionante!
Em um bairro chamado Fercal, em uma das cidades satélites, tivemos duas situações que merecem destaque. Em uma das residências, a Patrulha instalou o kit, o nosso antenista posicionou a antena e… nada. A imagem não estava boa. Até que observamos a existência de um mamoeiro ao lado da antena. Pois bem, as folhas do mamoeiro estavam prejudicando a recepção do sinal. Afastamos as folhas, reposicionamos a antena e o sinal ficou perfeito.
Outra situação foi o grande volume de antenas parabólicas em um local onde o sinal da TV Digital era bom e as pessoas poderiam migrar para a tecnologia. Impulsionados pela possibilidade de assistir à programação local, tivemos um número enorme de migração do sistema da parabólica para o digital.
Em uma ação da Patrulha Digital na maior favela de Brasília, Sol Nascente, verificamos a existência de um grande número de pessoas que não tinham o direito de receber o kit de TV digital e tampouco condições de adquiri-lo. O que fazer com aquelas pessoas? Criamos um projeto chamado “Fora de Rota”: pessoas que precisavam do kit, mas não tinham condições de acesso. No caso da favela Sol Nascente, o nosso parceiro SENAI adquiriu 500 kits para a distribuição no local. Depois, fomos a hospitais, penitenciárias, escolas e residências.
Outra situação que nos emocionou foi na cidade de Formosa. Encontramos um orfanato público, ao lado da delegacia. As crianças tinham histórias muito tristes que as fizeram ser separadas da família. E, com a digitalização, estavam prestes a perder um dos principais entretenimentos: a TV. Adquirimos no mercado conversor, cabo e antena e fizemos a instalação. Emocionante ver a alegria daquelas crianças, emocionante ver o quanto a TV era importante na vida delas.
Essa mesma importância verificamos na unidade de detenção em Brasília. Os adolescentes encarcerados só tinham a televisão como fonte de notícias do mundo. Recebemos várias correspondências sobre esse tema. E o agradecimento por temos instalado os kits.
Em novembro de 2016, foi desligado o sinal analógico em Brasília e no entorno.

Próximo desafio: São Paulo
Passado Rio Verde e Brasília, desembarcamos em São Paulo. A cidade mais desafiadora do processo. Talvez a cidade mais complexa do mundo! Ao sobrevoar a cidade, a sensação era de que todas as pessoas moravam em apartamentos. Não é verdade. A maioria das pessoas mora em casas. Mas, considerando apenas os apartamentos, tínhamos ali o nosso maior desafio até então. Mal sabíamos que viriam outros.
Como abordar os prédios, os síndicos, os moradores, os porteiros? Como informar a população desses locais? Como explicar a necessidade de instalação de uma única antena? E as caixas dos cabos? A solução foi dar um treinamento no SECOVI (Sindicato de Habitação) para síndicos e administradores de condomínios. Começava, ali, o nosso desafio de 2017!
Para São Paulo, ampliamos a ação da Patrulha Digital. Com o SENAI, formamos 30.000 alunos, fundamentais no processo de São Paulo. Circulamos pela capital e 38 cidades do cluster, tirando dúvidas e auxiliando na instalação dos kits. O interessante em São Paulo é que as pessoas já haviam se antecipado, mas necessitavam de ajuda para a ressintonia ou a busca de canais. Essa foi a nossa maior demanda na região.
A Onda Digital passou pelos lugares mais diversos: Avenida Paulista, Paraisópolis, Embu, Heliópolis, Mogi das Cruzes, apenas para citar alguns. O “Dia D_Digital” abriu todas as escolas do SENAI para que a população pudesse tirar as dúvidas e realizar o agendamento para a retirada dos kits.
Em relação à aquisição, por estarmos em um cluster que tinha uma rua como a Santa Efigênia – a rua reúne centenas de lojas de produtos eletrônicos com preços competitivos –, as próprias lojas buscaram, a partir da nossa comunicação, condições melhores para os consumidores adquirirem os kits.
Em relação à operação “Fora de Rota”, fizemos, em parceria com o SENAI e a Seja Digital, a instalação de kits em hospitais, asilos, orfanatos, abrigos, penitenciárias, entre tantos outros. Não poderia deixar de destacar o Hospital Emilio Ribas – hospital público de referência no tratamento de doenças infectocontagiosas. Os pacientes ficam internados por muito tempo e a única diversão e companhia para suportar todo o tratamento e a distância da família é a televisão. Por isso, quando os alunos da Patrulha Digital realizaram a instalação dos kits (doados pela Seja Digital) foi um dos momentos mais emocionantes de nossa passagem por São Paulo. Em seguida, fomos a Casa André Luis, na cidade de Guarulhos. O local é um centro de internação de deficientes mentais. Um dos alunos da Patrulha Digital que nos ajudava na instalação, contou, muito emocionado, que tinha morado ali por cerca de 3 anos (ele não era doente, mas como os pais trabalhavam na casa, ficava abrigado na creche), e que alguns internos tinham convivido com ele.

Os outros desafios
De São Paulo, seguimos para os clusters de Goiânia, Recife, Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e parte do interior de São Paulo. Em cada local, encontrávamos situações que nos estimulavam a buscar alternativas aos projetos já criados. Como cada cidade tem a sua característica própria, o processo de comunicação direta precisou de ajustes.
No Rio de Janeiro, por exemplo, encontramos dificuldades para realização da Patrulha Digital em algumas comunidades e favelas. A cidade atravessava, naquele momento, uma situação de violência, medo e enormes operações das Forças de Segurança Nacional nas favelas. Logo, seria uma situação de risco a entrada da Patrulha Digital. Por outro lado, sabíamos que a população precisava de ajuda para entender o processo de distribuição de kits e, especialmente, para instalação dos mesmos. Então, em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), criamos a “Favela Digital”. Treinamos cerca de 10 mil moradores, de favelas e de comunidades de todo o cluster do Rio de Janeiro para que eles pudessem multiplicar o conhecimento e pudessem ainda, voluntariamente, instalar os kits para as pessoas mais necessitadas. O mais interessante desse treinamento foi a percepção da grande oportunidade que se criava naquele momento. Após receberem o treinamento teórico e realizarem ações práticas de instalação, muitos jovens tiveram a oportunidade da primeira entrada no mercado de trabalho. Outros, desempregados, conseguiram com as instalações realizadas a um custo de cerca de R$ 30 a R$ 40 resolver alguns problemas financeiros, quitar dívidas e, a partir de um treinamento mais específico, puderam ser aproveitados em grupos de antenistas que passaram a realizar trabalho no cluster.
A impossibilidade da ação efetiva da “Patrulha Digital” no Rio nos levou a realizar uma outra ação que consistia em reuniões em praças públicas, associações de moradores, lonas culturais, teatros, cinemas, universidades e outros locais com grande fluxo de pessoas. Sempre com o nosso caminhão digital, realizávamos palestras para esclarecer dúvidas e destacar as vantagens da tecnologia digital. Quando percebíamos que existiam pessoas interessadas em entender mais o processo para realizar a instalação dos kits, um engenheiro da TV Globo dava um treinamento de quatro horas para aquele público. Tudo isso foi importante para o processo.
Com essas informações, as pessoas queriam entender melhor o funcionamento da retirada do kit. Em parceria com a Seja Digital, criamos ações em todas as 19 cidades do cluster nas quais, a partir de promotoras, as pessoas podiam tirar todas as suas dúvidas e, caso fossem beneficiárias de programas sociais federais, realizar o agendamento para a retirada dos kits em localidades próximas de sua residência.
Outro desafio no Rio de Janeiro era como digitalizar aquelas pessoas que não eram beneficiárias de programas sociais federais e que, com a crise financeira, teriam dificuldades para aquisição dos kits em lojas especializadas. Assim, iniciamos em parceria com a área de negócios da TV Globo e a Seja Digital, uma série de feirões, a partir do Mercadão de Madureira e que se estendeu por todas as 19 cidades, com um volume de 144 pontos de vendas e cerca de um milhão de itens vendidos, entre televisores, antenas e conversores. Nesses feirões, os preços praticados eram inferiores e as condições de pagamento eram facilitadas.
Apesar de tudo, estávamos ainda com um desafio em relação a esse tema. Aquelas pessoas que mesmo com os feirões não tinham condições de adquirir o kit. Cito, por exemplo, os aposentados e pensionistas do Rio de Janeiro, hospitais públicos, penitenciárias, orfanatos e asilos. Em parceria com fabricantes, com a Seja Digital, entre outros, conseguimos viabilizar a instalação e distribuição de 1000 kits para aposentados e pensionistas do Estado.
Outra situação no Rio de Janeiro é que muitas pessoas tinham dificuldade de ir até o centro de distribuição dos kits para retirada dos mesmos. Por vezes, a falta de dinheiro impossibilitava a compra da passagem de ônibus ou trem para fazer a retirada. Com isso, criamos, em parceria com a Seja Digital, mutirões de retiradas dos kits. Em Duque de Caxias, por exemplo, fizemos uma grande ação na Praça do Pacificador, que recebeu grande público da Baixada Fluminense. Na cidade do Rio de Janeiro, a ação ocorreu no Estádio do Maracanã e, durante dois dias, a população compareceu em peso.
Nas cidades de Salvador e Fortaleza, as ações se repetiram com grande destaque para o Feirão da TV Digital. Em Salvador, as pessoas formavam longas filas para aguardar a abertura das lojas. O volume de vendas, tanto em Salvador quanto em Fortaleza, foi muito alto e importante para o processo de digitalização.
Em Belo Horizonte, o grande destaque foi a Patrulha Digital. A população aguardava a chegada dos alunos para instalação ou ajuste, visando à perfeita recepção do sinal digital. Ainda em BH, durante os dois finais de semana de provas do ENEM, não podíamos contar com a participação dos alunos. Por outro lado, notávamos a população preocupada e ansiosa com a chegada da Patrulha em suas residências. A alternativa, de sucesso, foi criada pelo diretor de tecnologia da Globo Minas que reuniu os engenheiros de sua equipe e foram todos, voluntariamente, de casa em casa, ajudar a população no processo de instalação dos kits.
É evidente que muitas histórias ainda serão contadas a partir dos desafios de 2018. Mas, espero que você, leitor, tenha percebido todas as soluções que foram encontradas para auxiliarmos no processo de digitalização nos anos de 2016 e 2017.
Por fim, vale ressaltar, que países como a Costa Rica e Equador nos procuraram para que pudéssemos explicar a eles o que estávamos realizando no Brasil para que pudessem levar nossa experiência para seus países. Respondi a eles que poderíamos criar um Manual do Processo, contudo, o elemento humano e o brasileiro, que adora televisão, foram os fatores determinantes para o sucesso do projeto.

André Luis da Costa Dias André Luis da Costa Dias
André Luis da Costa Dias é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Diretor de Projetos Especiais da TV Globo. Responsável pela Globo no Rio de Janeiro do Brazilian Day NY, e pelo processo de comunicação da Globo no SWO. Representa a Abert nos seminários de SWO no Brasil. Foi convidado a realizar palestras sobre a implantação da Patrulha Digital no Brasil para os países da América Central e Caribe (Costa Rica) e para o governo do Equador. Contato: [email protected]