OPERAÇÃO DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO DE UMA RÁDIO FM FRENTE À ENERGIA DE SUPRIMENTO

Por Arnulfo Barroso de Vasconcellos, Roberto Apolônio, Alcides Teixeira da Silva, Thiago Vieira da Silva, Alexandre Vinícius Festa e Fernanda Leles Gomes

Resumo – A constante evolução tecnológica no rádio desde a descoberta das primeiras experiências realizadas por Guglielmo Marconi, somada as contribuições das invenções de James Maxwell e Heinrich Herts, fez com que o rádio se tornasse um veículo de comunicação de massa. Com o sucesso do rádio e a evolução da eletrônica que teve início com as válvulas de transmissão e posteriormente com a descoberta do transistor, componente que viabilizou a mobilidade do rádio receptor, as estações transmissoras das emissoras de FM e de OM sofreram grandes transformações do ponto de vista de tamanho dos equipamentos e de consumo de energia elétrica. Isto proporcionou um crescente uso de cargas não lineares em todos os setores, principalmente nos sistemas de transmissão das emissoras. Este artigo apresenta medições em um barramento que alimenta cargas não lineares comuns em instalações de uma estação de transmissão de rádio FM e analisa as distorções harmônicas de corrente, assim como, se as distorções harmônicas individuais e totais de tensão estão de acordo com a Resolução 345/2008 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Introdução
A qualidade da energia elétrica é um dos temas mais abordados atualmente, fazendo parte do cotidiano da sociedade, e, em consequência, começa-se a discutir a qualidade da energia entregue pelas empresas distribuidoras aos consumidores. Ressalta-se, que até algum tempo atrás, a qualidade de energia elétrica tinha a ver, sobretudo, com a continuidade do fornecimento, visto que qualquer interrupção do serviço se constitui num transtorno de caráter relevante. Exigia-se também, que as tensões e frequência fossem mantidas dentro de determinados limites considerados aceitáveis. Durante dezenas de anos a grande maioria dos receptores ligados às redes de energia elétrica era preponderantemente constituído de cargas lineares. Por essa razão, sendo as tensões da alimentação senoidais, as correntes extraídas eram também senoidais e de mesma frequência, podendo apenas encontrar-se defasadas relativamente à tensão. Atualmente a realidade é muito diferente, as cargas ligadas nos sistemas elétricos evoluíram, proporcionando esse salto tecnológico que permite a difusão de informações com mais qualidade, confiabilidade e gerando menos custos, tornando-se acessível a todos. Na atualidade é comum a existência de cargas eletrônicas no cotidiano das pessoas. Esses equipamentos, cargas elétricas comandadas eletronicamente, porém, possuem a característica da não-linearidade, extraindo correntes do sistema em forma de pulsos curtos, com isso acabam distorcendo as formas de onda de tensão e corrente, e dessa forma “poluindo” a rede elétrica com harmônicas. A presença de harmônicas nos sistemas elétricos resulta no aumento das perdas relacionadas com a distribuição e transformação de energia elétrica, que podem provocar problemas de interferência em sistemas de comunicação e na degradação do funcionamento de significativa parte dos equipamentos ligados à rede. Este problema é percebido, sobretudo, por dispositivos que necessitam de uma alimentação senoidal, uma vez que são mais sensíveis por incluírem sistemas de controle microeletrônicos (cada vez em maior número), como os equipamentos de comunicação e processamento de dados.

Normas internacionais relativas ao consumo de energia elétrica tais como IEEE 519, IEC 61000 e EN 50160, limitam o nível de distorção harmônica nas tensões com os quais os sistemas elétricos podem operar e impõem que os novos equipamentos não “contaminem” as redes com harmônicas de corrente de amplitude superior a determinados valores. Dessa forma, evidencia-se a importância de resolver os problemas das harmônicas, tanto para os novos equipamentos quanto para os equipamentos já instalados [1]-[2]- [3]-[4].

No Brasil, os órgãos reguladores do setor de energia elétrica (ANEEL, ONS) e concessionárias vem tratando esta questão com o devido rigor. A ANEEL através do procedimento de distribuição (Prodist) publicado em Dezembro/ 2008, em seu módulo 8 (Oito) [5] trata da qualidade de energia no que tange ao serviço e produto em âmbito nacional.

Nesse contexto, o presente artigo apresenta os resultados obtidos através de medições, em uma estação transmissora de rádio FM, em Cuiabá – MT. Foram monitoradas as tensões e correntes no barramento que alimenta os equipamentos da transmissora de rádio que opera na frequência 102,5 MHz, que dispõe de um transmissor TELAVO de 5 kW, NOBREAK, etc., sabidamente equipamentos com características não lineares.

Conceituação e classificação das harmônicas Sinais de tensão ou corrente com a presença de harmônicas apresentam comportamento periódico. Estes sinais possuem, além da frequência dita fundamental, frequências múltiplas inteiras desta, portanto, a forma de onda apresenta-se deformada em relação a um sinal puramente senoidal.

As harmônicas podem ser classificadas quanto a sua ordem ou frequência e sequência de fases, conforme o exemplo da Tabela I.

TABELA I
Ordem ou frequência e sequência das harmônicas
Ordem Frequência Sequência
1 60 +
3 180 0
5 300
7 420 +

Pode-se ver na Tabela I que as harmônicas possuem sequência positiva (+), negativa (-) e zero (0). As equações (1), (2) e (3) permitem verificar a origem da sequência de fases. Todavia, por não ter presença característica nos sistemas elétricos, as harmônicas de ordem par não são contempladas neste trabalho. Analisando (1), (2) e (3), observa-se que a sequência de fases das harmônicas depende diretamente da sua ordem:

Onde n representa a ordem harmônica, Vna, Vnb, Vnc e Vnam, Vnbm, Vncm representam, respectivamente, os valores eficazes e valores máximos das tensões fundamentais e das tensões harmônicas nas fases A, B e C.

As equações (4) a (9) descrevem o modelo matemático para as tensões na frequência fundamental, e a Fig. 1 ilustra no circulo trigonométrico a sequência de fases para a mesma.

Para o caso da terceira harmônica, (10) a (17) ilustram o desenvolvimento matemático para as tensões enquanto que a Fig. 2 mostra o seu desempenho no círculo trigonométrico.

As expressões (10) a (17) permitem constatar que, para o caso da terceira ordem, as três tensões estão em fase, sendo conhecidas como tensões harmônicas de sequência zero.

Analogamente, (18) a (27) mostram o desenvolvimento matemático para a 5ª harmônica, e a Fig.3 ilustra o comportamento para a sequência de fases da mesma.

Para o caso da quinta harmônica, ilustrada na Fig.3, pode-se observar que as três tensões estão defasadas de 120º e o sentido de rotação dos fasores é contrário ao da fundamental, sendo assim conhecidas como tensões harmônicas de sequência de fase negativa. Por último. (28) a (37) mostram o desenvolvimento matemático para a 7ª harmônica, e a Fig.4 mostra o seu comportamento no círculo trigonométrico.

Assim como no caso anterior, pode-se observar que as três tensões estão defasadas de 120°, no entanto, neste caso o sentido de rotação coincide com o da tensão fundamental, ou seja, sentido de giro anti-horário, conhecida como componentes harmônicas de sequência de fases positiva.

As demonstrações matemáticas das demais harmônicas, isto é, 9ª, 11ª, 13ª, 15ª, 17ª, 19ª, 21ª, 23ª e 25ª são análogas as anteriores, uma vez que estas alternam nas sequências zero, negativa e positiva.

Valores de referência para os níveis de distorção harmônica no sistema elétrico. Com foco nesta questão, na sequência, aborda- se a terminologia e valores de referência estabelecidos pela ANEEL para os sistemas elétricos de distribuição. A tabela II sintetiza a terminologia aplicável às distorções harmônicas, regulamentada pela ANEEL através da Resolução 345/2008, que em seu módulo 8 trata dos níveis de harmônicas permitidos no sistema de distribuição elétrica nacional


A mesma resolução estabelece que as expressões para o cálculo das grandezas DITh% e DTT % são representadas por (38) e (39).

É importante salientar, que os sinais monitorados devem utilizar sistemas de medição cujas informações coletadas possam ser processadas por meio de recurso computacional e atendendo os requisitos quanto aos protocolos de medição definidos pela ANEEL. Para os de sistemas elétricos trifásicos, as medições de distorção harmônica devem ser feitas através das tensões fase-neutro para sistemas estrela aterrado, e fase-fase para as demais configurações. O espectro harmônico a ser considerado para fins de cálculo da distorção total deve compreender uma faixa de frequências que considere a frequência fundamental e até no mínimo, a 25ª ordem harmônica (hmin=25). A mesma resolução estabelece também os valores de referência para as distorções harmônicas totais, conforme apresentado na tabela III. Estes valores servem para referência do planejamento elétrico em termos de qualidade de energia, e serão estabelecidos em resolução especifica após período experimental de coletas de dados.

TABELA III
Valores de referência global das distorções harmônicas totais (em porcentagem da tensão fundamental)

Medições em campo
O equipamento empregado para o registro das grandezas elétricas no sistema de transmissão de rádio FM corresponde ao analisador de energia MARH-21, fabricante RMS, que é um medidor registrador de grandezas em tempo real para sistemas elétricos monofásicos, bifásicos e trifásicos em baixa, média e alta tensão. Possui três canais de entrada para sinais de tensão, três canais de entrada para sinais de corrente e ainda três canais de entrada para grandezas auxiliares definidas pelo usuário. A partir dos sinais de entrada de tensão e corrente o MARH-21 calcula e indica no mostrador alfanumérico os valores de tensões de fase, tensões de linha, correntes, fatores de potência por fase e total, potência ativa, reativa e aparente por fase e total, energia ativa total (consumida ou fornecida), energia reativa capacitiva/indutiva total, DHT de tensão e correntes por fases, DHT de tensão e corrente (% por faixa de frequência), potência reativa total necessária para alteração do fator de potência, sequência de fases, demandas na ponta e fora de ponta por fase e totais, fator de deslocamento , etc.

A. Resultado das Medições

Inicialmente, mostram-se as formas de onda das tensões e correntes de suprimento do sistema de transmissão de rádio FM enfocada, Fig.5 e Fig.6


Por inspeção das Fig. 5 e 6, fica evidente que o sinal de corrente apresenta uma distorção bastante significativa, contrariamente à tensão, que praticamente encontra-se com formato senoidal. As Fig. 7 e Fig. 8 mostram os espectros harmônicos da tensão e da corrente, respectivamente, relacionados com a fase A. Quanto às tensões, corroborando com as formas de onda mostradas anteriormente, as componentes existentes possuem valores muito pequenos, comparativamente à fundamental.

O espectro de corrente, por outro lado, em decorrência da predominância de cargas não lineares, apresenta componentes harmônicas diversas e com valores significativos. A Fig. 8 permite observar ainda, um valor significativo das harmônicas de corrente múltiplas de 3, também conhecidas como harmônicas de sequência zero. Estas componentes se somam no neutro, podendo alcançar valores elevados, que podem, dependo da situação, ocasionar sobreaquecimento do cabo, atuação da proteção, etc.

B. Análise dos Resultados
A tabela IV mostra os valores das distorções harmônicas individuais e da distorção total das tensões das fases A, B e C medidos do barramento que alimenta o sistema de transmissão de rádio FM. Os números encontrados apresentam-se inferiores aos valores limites estabelecidos ou recomendados, portanto, encontram-se em conformidade com a Resolução 345/2008 da ANEEL.

 

C. Impactos provocados pelas distorções harmônicas de tensão e corrente: na potência aparente, potência reativa, potência ativa e no fator de potência.

A Fig. 9 ilustra o comportamento da potência aparente requerida pelas cargas do sistema de transmissão de rádio FM para o caso da frequência fundamental e considerando-se as várias frequências presentes. Observando o gráfico, fica evidente o aumento ocorrido na potência aparente solicitada pelo sistema quando consideradas as múltiplas frequências presentes devido às cargas não lineares.

Da mesma forma, desta vez atentando para a Fig. 10, que ilustra a potência reativa requerida pela carga, nota-se que a demanda por reativos também sofre um aumento significativo. Esta situação, como dito, proporciona um aumento das perdas no sistema e alteração das características do fator de potência.

Na Fig. 11 pode-se observar o desempenho da potência ativa requerida pela carga para o barramento que alimenta o sistema de transmissão de rádio FM. O gráfico mostra a diferença entre a potência ativa, considerando a frequência fundamental e as múltiplas frequências. Observase que para este caso a variação não é tão significativa como no anterior, isto porque o efeito maior ocorre na absorção de potência reativa.

Por último, a Fig. 12 mostra o desempenho do fator de potência da carga considerando as duas situações anteriormente mencionadas. Neste caso, a maior demanda de reativo, para o caso de múltiplas frequências, também reflete negativamente no desempenho do fator de potência, com uma redução significativa, comparativamente ao caso puramente senoidal. Vale registrar que o fator de potência considerando-se apenas a fundamental é denominado de fator de deslocamento, calculado em (40). Esta situação se verifica exclusivamente em sistemas com tensões e correntes senoidais e isentos de cargas com características não lineares. A equação (41) permite evidenciar a diferença introduzida no fator de potência, quando consideradas as componentes harmônicas presentes em um sistema elétrico.

A desconsideração das distorções das medições, provocadas, como dito, pela presença de cargas não lineares, pode levar a erros nos projetos de correção do fator de potência de um determinado sistema. Em outras palavras, se considerada apenas a frequência fundamental, o dimensionamento do banco de capacitores será insuficiente para atingir os objetivos da correção. Portanto, a presença de cargas não lineares altera os valores tradicionalmente conhecidos de potências aparentes, ativa, reativa e fator de potência, alterando as características de consumo de energia ativa e reativa quem podem sobrecarregar os diversos equipamentos presentes nos sistemas elétricos, além dos dispositivos de proteção.

Conclusões

O presente trabalho apresenta os resultados de um diagnóstico da qualidade da energia elétrica em um centro de transmissão de rádio FM. Os resultados alcançados mostram que trantdo-se de cargas predominantemente não lineares, o impacto sobre o desempenho das correntes do sistema é significativo. A performance das tensões de superimento, como esperado, sofrem influência desprezível, uma vez que o sistema de potência contribui para sua manutenção. É, no entanto, um assunto atual de grande relevância, uma vez que evidencia também, neste tipo de instalação, a necessidade de atentar para este tipo de inconveniente, provocado por cargas não lineares, que podem comprometer, além da própria instalação, outros consumidores. Sistemas de transmissão de rádio FM, via de regra, utilizam equipamentos com grande complexidade em termos de hardware e software. A disponibilidade de energia elétrica com qualidade, as condições das instalações elétricas, o aterramento adequado e possíveis fontes de interferência são fatores determinantes para o funcionamento correto das instalações como um todo. Os efeitos das distorções de corrente, além de provocar alteração nos valores das grandezas elétricas com a consequente sobrecarga nos condutores e equipamentos, podem afetar também a adequada operação dos dispositivos de proteção, que podem atuar devido aos incrementos dos valores eficazes ou de pico destas grandezas. Pelo exposto, compreende- se, que devem ser adotadas técnicas de mitigação deste tipo de perturbação. Um dos métodos mais comuns de mitigar o problema consiste na utilização de filtros harmônicos, que podem ser instalados ao lado das “fontes” poluentes (ou internamente a elas). Conforme existente na literatura, estes filtros podem ser de dois tipos: filtros passivos ou ativos. Na ausência de dispositivos mitigadores das distorções harmônicas, os condutores elétricos e os transformadores devem ser especialmente escolhidos e dimensionados, considerando-se também o aquecimento adicional produzido pelas componentes harmônicas. Este fato resulta normalmente em condutores de fase e neutro com seções maiores (o condutor neutro pode ter sua seção duas vezes maior em relação à seção do condutor de fase), bem como a instalação de transformadores de maior potência ou com componentes internos reforçados. Desta forma, o conhecimento de perturbações presentes nos sistemas elétricos merece um cuidado especial, devendo ser tomadas medidas corretivas, garantindo, dessa maneira, projetos seguros, evitando-se situações de risco para usuários e equipamentos.

Referências IEEE Standard 519-1992, “Recommended Practices and Requirements for Harmonic Control in Electric Power Systems”, 1992O.
IEEE Task Force, “The Effects of Power System Harmonics on Power System Equipment and Loads”, IEEE Trans. Power App. and Systems, vol. 104, no. 9, Set. 1985, pp. 2555-2563.
R. D. Henderson e P. J. Rose, “Harmonics: The Effects on Power Quality and Transformers,” IEEE Trans. Industry Applications, vol. 30, 1994, pp. 528-532.
A. B. de Vasconcellos, J. A. Lambert, D. L. R. Martins, T. V. da Silva, T. I. R. de Malherios, “Energy Quality in an Operation Center Of Data Processings In: COBEP 2009 – The 10TH Brazilian Power Eletronics Conference, 2009, Bonito – MS. COBEP 2009, 2009.
Resolução 345/2008 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

 

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