O programa de televisão
Televisão parece mágica. Basta apertar um botão e lá está, literalmente, o mundo todo dentro de nossa casa. Mas, esta sensação de magia, de encantamento não fica restrita apenas aos leigos, ao público comum. Muitos estudantes de comunicação e até mesmo profissionais trabalhando na área se deixam envolver por seu apelo altamente emotivo e glamoroso e, lamentavelmente, se esquecem do seu lado “pés no chão”. Produzir um programa para a televisão requer conhecimento, organização, disciplina e, é claro, se houver talento, tanto melhor. O trabalho em televisão é árduo, fruto de inspiração e transpiração. Pesquisa para definição de tema Outro ponto a considerar é o caráter altamente emocional da mensagem televisiva. O público gosta de novidades, de viver, mesmo que virtualmente, as experiências de outras pessoas – famosas ou anônimas. O público gosta de aprender algo ao assistir à TV. Quer se sentir representado, confrontar seu modo de pensar com o de outras pessoas e se emocionar. Um profissional bem informado que procura se manter atualizado com os temas da sociedade do seu tempo e que investe na sua formação educacional e cultural – cursos complementares, boas leituras, bons filmes, música etc – certamente terá todos os requisitos necessários para ser um profissional de TV criativo e útil à sociedade. E vale mencionar: é preciso, também, ter “cultura televisiva”, ou seja, é preciso assistir televisão criticamente e procurar não se deixar capturar totalmente pela sua magia. Os programas não são todos iguais, portanto deve-se distinguir a linguagem e o formato dos programas que assistimos. Vamos voltar a este assunto futuramente, uma vez que ele sempre gera dúvidas. Observação do cotidiano Cabeça nas nuvens, mas os pés no chão. Passemos então aos pontos pragmáticos do “fazer televisão”. Mesmo que você tenha todas as qualificações para criar um programa de TV, aprovar uma idéia para um novo programa ou para reformular um programa já existente, não é tarefa assim tão fácil. Não basta que o programa tenha ingredientes que agradem ao público. Ele precisa também agradar à emissora que vai exibi-lo, em particular se o projeto for destinado a uma emissora comercial. E aí entram vários itens que precisam ser examinados cuidadosamente: adequação aos objetivos da emissora, harmonia com outros programas da grade de programação, duração e custos de realização. Sem mencionar que esta proposta de programa deve ter, também, apelo suficiente para atrair patrocinadores ou apoiadores. Televisão é indústria, um importante segmento de nossa economia e, portanto, o programa deve se pagar e de preferência, gerar algum lucro. Conhecimento técnico Manter-se em sintonia com as inovações e as novas tecnologias de comunicação também permite uma melhor aproximação com o público. Hoje em dia, o telespectador gosta de interagir com os programas e sabe utilizar muito bem as ferramentas de interatividade como blogs, mensagens online, redes sociais… Tudo isto está sob controle? Então vamos à luta, usando de habilidade para colocar no papel, com clareza e honestidade, as ideias de um programa para televisão. Os principais passos nessa etapa: • Pesquise o tema ou o assunto escolhido para que sua proposta esteja bem fundamentada Determine o público-alvo para o produto que você está criando Pesquisa de conteúdo de um programa de TV Outro exemplo, numa linha totalmente diferente, é o excelente Viola, minha viola da TV Cultura de São Paulo. Há mais de 20 anos no ar o programa alia o gênero popular do programa de auditório com um conteúdo altamente significativo em termos culturais. Inezita Barroso é uma especialista em folclore brasileiro. O foco do programa é a música sertaneja de raiz, as tradições das festas populares, os ritmos genuinamente brasileiros. Inezita conserva a fala simples e direta, a qualidade das informações e das atrações que apresenta. Desta forma o Viola, minha viola mantém sua identidade e o respeito da audiência. Grande público Num programa de televisão, um dos grandes riscos que se corre é o de “perder o foco”. A TV de sinal aberto tem como característica dirigir-se a um público heterogêneo. As emissoras comerciais precisam conquistar a audiência, porque disto depende a maior ou menor entrada de anunciantes, leia-se, dinheiro. Na ânsia de buscar essa universalidade de audiência, de querer inovar ou dar agilidade a um programa, o profissional que o dirige, produz ou escreve sucumbe à tentação de saltar de um tema ou de um formato para outro sem muita coerência. Esse “valetudo” pode custar muito caro. Quando um programa “perde o seu foco” significa que ele, provavelmente, está se distanciando dos seus objetivos iniciais e do seu público- alvo ou público prioritário. Outra armadilha que com freqüência aprisiona os profissionais de TV, e que os leva a cometer excessos, é a manutenção do programa no ar por um período superior àquele que o tema pode suportar. E a TV segmentada? Na TV de público segmentado os realizadores são capazes de manter uma visão mais clara do que o seu público quer assistir e, deste modo, podem criar programas com conteúdos igualmente segmentados que falam aos interesses do telespectador. Tentar “empurrar” um conteúdo, um tema ou um estilo que não é adequado ao público-alvo é um risco. Nestas circunstâncias o telespectador pode ficar confuso e afastar-se do programa e da emissora. Porém, mesmo na TV de sinal aberto, é possível, por meio de pesquisas de opinião, detectar nichos de audiência e manter- se fiel a eles. O “Altas Horas” comandado por Serginho Groisman e exibido pela Rede Globo, nasceu na TV Cultura como “Matéria Prima” e migrou para o SBT como “Programa Legal”. Conserva até hoje basicamente o mesmo formato e objetivos: falar ao público jovem. A coerência mantém o público fiel à proposta inicial. Desta forma, passamos a primeira etapa de definição de público e objetivos gerais, podendo partir para a elaboração de roteiro ou sinopse do programa.
Roteiro e formatos A formatação está intimamente ligada ao gênero de programa que será produzido. A criação de um formato para um programa envolve o trabalho de um roteirista (ou uma equipe de roteiristas) que trabalha em parceria com o diretor de programa. Eles usam sua experiência (técnica), criatividade e cultura audiovisual jogando com diversos elementos dramáticos, visuais e sonoros, para criar momentos de interesse e descontração, de tensão e alívio. E pesquisam, pesquisam muito. Syd Field², consultor de produtores americanos na análise e desenvolvimento de roteiros diz enfaticamente: Muita gente se questiona sobre o valor, ou necessidade de fazer pesquisa. Até onde posso opinar, pesquisa é absolutamente essencial. Todo texto exige pesquisa e pesquisar significa reunir informação”. Gênero revista Por sua enorme flexibilidade e variedade, o gênero revista eletrônica tem se tornado o formato (ou melhor, uma combinação de formatos) mais usual na televisão atualmente. Pelo fato de ser constituído de quadros de curta duração, não exige um grande nível de concentração por parte do telespectador; ele pode conversar, sair do aposento, atender ao telefone, comer uma pizza e seguir tranquilamente assistindo ao programa, sem compromisso, sem ter a sensação de que perdeu algo fundamental. Puro entretenimento, é ideal para exibição nos dias e horários em que as famílias e amigos se reúnem em torno do aparelho de TV. Documental As demais produções jornalísticas, exceto os telejornais, têm, em geral, uma formatação mais próxima do gênero revista ou talk show hibrido (entrevistas ilustradas com matérias). Nelas encontramos a figura do editor chefe que orienta a criação da pauta e a redação das matérias, cabendo ao diretor de programa a sua execução. Os programas de ficção como as novelas, os seriados, as comédias de situação, as minisséries são um capítulo à parte, sem querer fazer um trocadilho. Neste gênero de programa, a história, o enredo e o elenco são fundamentais. O formato já não importa tanto, embora tenham surgido nos últimos tempos séries como “Lost”, inspirada em games, na qual o telespectador é levado a seguir pistas e a desvendar o final da história. Ou como “24 Horas” que brinca com o tempo ficcional e o tempo televisivo de exibição. São produções de orçamento elevado e que requerem um longo tempo de preparação ou, usando o jargão do meio – préprodução. Estas séries, entretanto, podem ser comercializadas com facilidade e reapresentadas de tempos em tempos sem perder o interesse, o que representa uma grande vantagem. É o que os americanos chamam, poeticamente, de “evergreen TV shows” – séries sempre-verdes, perenes – que podem ser reprisadas durante décadas, atraindo novos públicos. É o caso de “A feiticeira”, “Agente 86”, “Friends”, e outras séries exibidas principalmente nos canais a cabo. Reality show Os programas educativos ou instrucionais, e os infantis, por suas naturezas específicas, devem contar com a participação de especialistas em educação – pedagogos e/ou psicopedagogos – na equipe de criação. Eles ajudam a selecionar os conteúdos mais adequados à faixa etária do público-alvo e a definir os objetivos a serem alcançados. No caso dos programas infantis, o formato que tem se mostrado mais atrativo às crianças é o de uma história central (ficção) entremeada de quadros com formatos diversos que exploram vários temas. A série Vila Sésamo, criada nos Estados Unidos em 1969 pela PBS (está na sua 40ª temporada) para atender crianças de pré-escola com dificuldades de aprendizagem, foi pioneira neste tipo de formato. As etapas de produção
Pré-produção Os programas regulares de uma grade de programação podem sofrer pequenos ajustes ao longo de sua existência. Mudança de cenário, reorientação de pautas e até mesmo a troca de um apresentador, se forem conduzidos com cuidado, não causam abalos irreparáveis ao programa. O mesmo já não acontece com uma produção de grande porte. É na fase de pré-produção que todos os elementos constituintes do programa devem ser considerados. Escalação de elenco, escolha de apresentadores, cenários, locações externas, objetos de cena, figurinos, logomarcas, vinhetas de abertura, efeitos especiais, trilhas sonoras e uma infinidade de outras providências precisa ser tomada pela equipe. Som e imagem O roteiro ou sinopse deve ser analisado pela equipe de produção num primeiro momento – mesmo que ainda na sua versão inicial – e o “to do” ou lista de tarefas elaborada seguindo um cronograma criterioso. Em seguida, o roteiro deve ser apresentado às demais áreas – as artísticas, as técnicas e as operacionais que irão se incumbir de levantar suas necessidades especificas para a concretização do trabalho. A análise detalhada do roteiro por todos os profissionais envolvidos permite a elaboração do orçamento. Orçamento A produção de realities shows, coberturas de eventos esportivos grandiosos como Copa do Mundo de Futebol ou as citadas Olimpíadas, merecem uma abordagem à parte porque elas envolvem o trabalho de um grande número de pessoas, tarefas inter-relacionadas e interdependentes, um longo tempo de pré e de produção e custo elevado. Este tipo de produção exige a montagem de um grupo interdisciplinar de trabalho. As palavras de ordem, nestes casos, são: conhecimento profundo do produto que está sendo produzido, planejamento, organização, conhecimento técnico, levantamento e controle de custos e a captação de recursos. Qualquer erro pode colocar a perder todo o trabalho de uma enorme equipe e uma pequena montanha de dinheiro. Produção Durante a produção de um programa de TV, todos os esforços devem ser concentrados para evitar eventuais erros ou sanar falhas que passaram despercebidas durante pré-produção e resolver problemas de última hora como a perda quase total de grande cenário decorrente da inundação de um estúdio após uma tempestade. Nestes casos, cabe ao produtor e sua equipe avaliar o problema, envolver o pessoal técnico e o operacional na busca de soluções rápidas e eficazes e estabelecer um novo plano de produção que evite a interrupção do trabalho por vários dias, o que implicaria numa série de prejuízos, sendo o maior deles a possibilidade de descontinuidade de exibição. Ele é o elo entre todas as áreas e deve esforçar-se para manter a motivação da equipe, o cumprimento do cronograma e o controle do orçamento. Ele precisa, inclusive, prever o futuro. Pós-produção Outra atividade que contribui para o êxito da pós-produção é a decupagem do material, ou seja, a identificação e duração das tomadas realizadas na gravação. Esta identificação pode ser realizada de diversas maneiras, de acordo com o tipo de equipamento que está sendo utilizado. Este assunto será mais detalhado quando se falar dos aspectos técnicos da edição. Mescla de sons Não há nada mais desgastante para um editor do que ficar “caçando pra lá e pra cá” os melhores takes, as músicas que serão utilizadas ou, ainda pior, esperando “descarregar”, por horas e horas, material bruto não identificado. Desperdício de tempo e de talento que poderiam ser utilizados para compor uma edição com ritmo e beleza. Finalmente, algumas outras atividades e tarefas devem ser consideradas por quem se dedica a realizar um projeto para televisão. Embora não esteja diretamente ligada à atividade de produção, criadores, diretores e produtores devem considerar a possibilidade de propor a criação de um site, que tanto pode ser de divulgação como de consulta. O trabalho da equipe neste caso será o de alimentar o site com informações sobre o projeto – sinopses, novidades, textos complementares, dados sobre o elenco, bastidores, entre outras. Afinal, aqueles que acompanharam a execução do projeto desde o nascimento são os mais capacitados a falarem sobre ele. Os programas educativos (público adulto e infantil) e instrucionais precisam criar sites mais completos, incluindo conteúdos mais aprofundados e atividades online. A preparação deste material deve ser feita ao longo de todo o processo de realização e será de muita valia para os departamentos de Marketing e de Divulgação da emissora. Aí, é torcer pelo sucesso. Boa sorte. Referencias bibliográficas
Nádia é radialista e professora, orientadora de trabalhos de conclusão de curso – Faiter / Faculdades Oswaldo Cruz – [email protected] |
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Revista da SET | |
ANO XXI – N.113 – MAR/ABR 2010 |