me@tv: Um novo conceito baseado na automação e nos novos profissionais de televisão

NAB 2019 – “O OLHAR DOS ESPECIALISTAS DA SET”

por Fernando Moreira

Depois de mais de duas décadas de NAB tenho acompanhado além da evolução tecnológica, a especialização dos profissionais de televisão. Antes dominada pelos engenheiros de broadcast e hoje com a presença de profissionais de TI em todas as áreas, da mesma forma os profissionais de comunicação que estão na operação dos equipamentos tem se rendido à necessidade de aprofundar conhecimentos em outras áreas, como streaming programação básica e configuração de equipamentos IP. Neste ano de 2019, foi possível observar o amadurecimento da automação de processos mecânicos como corte de câmeras, geração de closed caption e legendagem em múltiplas línguas, busca de imagens e textos em arquivos e outras atividades que não envolvem a necessidade de uma análise mais crítica ou criativa do processo, somente uma reação ao que o conteúdo audiovisual apresenta e, assim a Inteligência Artificial, com suas máquinas de aprender, demonstra passos largos nesses procedimentos com grande capacidade de acerto.
Baseado em todo esse novo potencial podemos imaginar o quanto é possível hoje em dia automatizar funções e aprimorar procedimentos. Vejamos como poderia ser a produção de um telejornal:
Manhã – 8 horas – Repórteres utilizando uma ferramenta de Inteligência Artificial obtém dados dos assuntos mais comentados na sua região; com sugestões de pautas preparam uma matéria para o jornal diário; enviam a pauta por um aplicativo de redação de telejornal virtual e já saem de casa direto para o local da matéria com seu smartphone, um kit de microfone e luz led acoplados em um suporte de mão com gimbal. Para o link ao vivo, um kit com um tripé para encaixar o smartphone e fazer um stand up ou entrevista. 9h-10h30 – Na redação do telejornal o gerente de jornalismo analisa as pautas, dá suas sugestões e começa a fechar o espelho do programa. As matérias são pré-editadas pelo próprio repórter em um aplicativo para smartphones e são enviadas via web para um servidor dedicado; um editor ilustra as matérias e organizar em arquivos prontos para exibição. Os roteiros de edição, também feitos em um aplicativo, servem como referência para a edição final, para o texto do teleprompter, para o script do programa e para a geração de caracteres.
Dados referentes a números são automaticamente transformados em infográficos e disponibilizados no servidor para serem colocados no espelho final, que vai sendo preenchido automaticamente com os tempos dos VT’s. Os apresentadores vão para a bancada já com os textos e VT’s marcados com deixas de entrada e saída, tiradas diretamente dos VT’s, por reconhecimento de voz.
11h30 – No estúdio, antes de começar o telejornal, o diretor de TV faz um tracking do rosto dos apresentadores e o software passa a controlar as câmeras para acompanhar cada um: no roteiro técnico estão definidas as câmeras que vão acompanhar cada fala e conforme o texto roda no TP, as câmeras serão cortadas.
12h00 – Começa o telejornal, roda o VT de abertura e automaticamente no final do vídeo o switcher corta para a primeira posição de câmera pré-definida no script, o gerador de caracteres credita o apresentador no tempo pré-definido e então, começa o programa. No TP, após o texto da abertura, há uma indicação para o apresentador clicar em uma botoeira posicionada na bancada para chamar o VT da primeira matéria. No botão, que na verdade é uma tela OLED, está escrito apenas VT 1. Durante o VT os créditos da matéria são inseridos automaticamente nos pontos definidos pelo timecode, ao final o Switcher corta para o apresentador, que se levanta, sendo acompanhado pela câmera previamente trackeada e fica posicionado em frente a um painel de led que ocupa toda a parede do cenário. Ao lado do painel uma botoeira indica gráfico 1 em um dos botões e o apresentar o pressiona.


Enquanto isso, a previsão do tempo chega automatizada, já com os ícones e as temperaturas nos respectivos campos das cidades, datas e regiões. Segue o telejornal, no bloco de esportes o apresentador clica na botoeira um botão com a imagem do jogo e o texto “link futebol”: no campo as imagens são geradas por um conjunto de câmeras 8K interligadas por stitiching que acompanham o jogo por Inteligência Artificial e cortam a imagem ou fazem zoom in quando entendem que a bola está próxima do gol. Os comentaristas assistem ao jogo de dentro da emissora e voltam um replay quando desejam. O apresentador na bancada, clica em outro botão com a imagem do jogo e o texto “link direto” e do campo de futebol e um telespectador previamente cadastrado como colaborador faz um link ao vivo na arquibancada com seu smartphone. Sem esquecer que é transmitido com closed caption automático e versão legendada em até 46 línguas.
Esses equipamentos e tecnologias são oferecidos por empresas como Microsoft (Azzure – EUA), SNews (Brasil), Pixelote (Israel), Mediaportal (Brasil), Snnapers (Israel), Viewpoint Mobile (Holanda), ENCO (EUA) e Elgato (Taiwan), muitas desconhecidas no roll das empresas tradicionais de soluções para televisão, mas que propõem a verdadeira evolução para um novo patamar no mercado. É só lembrar de quando uma empresa chamada Blackmagic Design, quase desconhecida na época, apresentou um Switcher de 8 canais de baixíssimo custo e pensar no potencial que essas empresas nascentes têm contra a hegemonia das grandes… aliás, a Blackmagic apresentou este ano duas soluções para 8K a menos de U$5,000.00 cada, um VT e um Switcher. Um diretor de TV, no conceito brasileiro e de alguns outros países, é o maestro de uma orquestra formada por operadores de câmeras, operador de GC, operador de VT etc. tudo para fazer com que apresentadores ou jornalistas apresentem um programa e, por que não aproveitar a experiência dos gamers para formar uma nova geração de apresentadores e jornalistas que possam assumir o comando de diversas funções, como disparar um vídeo? Daí a criação de um novo conceito profissional: o me@TV, uma forma de fazer do apresentador um novo tipo de ator no processo de produção de programas, que controla seu tempo,  solta as matérias, gráficos, vinhetas. Esse novo profissional atuaria como um locutor de rádio, que no dia a dia não precisa mais de um operador toda vez em que precisa soltar uma música, no estilo dos gamers que, diferentemente dos youtubers, fazem a maioria dos programas ao vivo, ou como se fosse ao vivo, e foi exatamente a observação de algumas transmissões de games que deu início a uma pesquisa de como um só operador conseguiria cortar imagens de câmeras, inserir comentários de redes sociais, disparar imagens, vídeos e gráficos e telas da Internet, ou seja, tudo que um apresentador faz durante um telejornal.


Novos métodos
Pensando nesse conceito e sem querer que um jornalista ou apresentador seja obrigado a tornar-se um especialista em operar teclados de computador – que não são nada amigáveis – e aproveitando o advento dessas novas formas de controle em formato de botoeiras, acredito ser totalmente possível diminuir a equipe de produção de qualquer telejornal sem perder a qualidade e, inclusive, melhorar o dinamismo dessas transmissões. Trata-se de reduzir a equipe para profissionais da área técnica focados no que é mais criativo e menos mecânico.
Existe um software, que já está na versão 22.57, portanto bem amadurecida, denominado VMIX, cuja história começou aproximadamente em 2006, na Austrália, criado dentro de uma empresa dedicada à hospedagem e desenvolvimento web que acabou se tornando uma ferramenta que parecia impossível há alguns anos. Integra switcher, exibidor com playlist, gerador de caracteres com 4 layers, controle PTZ de câmera, inclusive NDI, monitoração com waveform e vetorscope, transmissão streaming para 3 pontos, cromakey com cenário virtual, até 8 chamadas simultâneas para smartphones (com latência baixíssima), versão para 4K, replay e várias gravações simultâneas, com preço inicial de U$60,00, versão HD por U$300,00 e a final por U$1.200,00. O VMix também oferece uma versão gratuita para iniciantes que é perfeita para testes. E não acaba aí, o software permite ainda correção de cores para todas as fontes de vídeo e integração com as redes sociais de forma automatizada, mas com intervenção manual.


Imagine o que não dará para fazer com sistemas como esse e o sonhado 5G, com a velocidade de conexão que todos sonhamos que, com certeza vai ser uma quebra de paradigmas para toda a indústria do entretenimento, abrindo mais espaço para todos os criadores de todas as indústrias, e permitir experimentação com muito mais qualidade. Será uma grande oportunidade para bons criadores de conteúdo e empresas que queiram focar no desenvolvimento e experimentação de formatos e, a cada vez que o 5G tiver maior cobertura, a indústria de broadcast será cada vez mais multicast, e poderá ser o renascimento da televisão – ao vivo, de bairro, local e ao mesmo tempo globalizada.


Me@TV
Finalmente, o que seria o conceito me@tv? Trata-se de um apresentador de programa ao vivo que, sozinho, ou com uma pequena equipe de apoio, faz um programa de jornalismo ou entretenimento no qual ele, além de protagonista da informação, também é um ator técnico, interferindo diretamente no ritmo do programa, sem precisar de uma grande equipe técnica para executar atividades mecânicas, seja com a ajuda da automação e Inteligência Artificial, seja com o apoio de uma pequena equipe que prepara os materiais audiovisuais e os coloca em dispositivos de fácil manuseio, criando um ambiente tecnológico altamente sofisticado, mas invisível e simples.
Este profissional ainda não existe, assim como a equipe técnica que entenda e trabalhe esse conceito, mas no momento em que várias funções na produção de TV estão morrendo – câmeras de estúdio, por exemplo: há uns 20 anos um telejornal tinha um operador de câmera para cada câmera de estúdio – novos formatos com câmeras fixas e poucos movimentos fizeram com que hoje tenhamos 3 ou 4 câmeras e um operador somente, isso quando as câmeras não são robóticas ou robotizadas, muito mais ágeis e obedientes, que também podem ser controladas e programadas por uma única pessoa. O operador de gerador de caracteres é também outra função em extinção, assim como o operador de VT, que com material preparado previamente por um técnico pode ser acionado por um botão no switcher pelo próprio diretor de TV.
O mais importante é garantir que a qualidade seja mantida e lembrar que, ainda com toda a inovação, nem tudo pode ser feito por uma equipe pequena, mas que tudo pode ser otimizado e reduzir o que é muito simples ou mecânico, valorizando o trabalho profissional daquele que busca uma especialização sem preocupação com acúmulo de funções menores e menos complexas.

me@tv, em breve na sua telinha!!!

Fernando José Garcia Moreira é doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Pedagogo, Publicitário, Profissional de Televisão, Professor Universitário. Coordenador do Curso de Rádio e TV e Diretor da TV Univap, Presidente da ABTU (2015-2019). Membro do Labcom Univap, da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão, da National Association of Television Program Executives, do Conselho Diretivo da Asociación de Televisones Educativas y Culturales Iberoamerica-nas e do Conselho da Broadcast Education Asociation Latin America – BEALA. Contato: [email protected]