Como (e por quê) produzir um piloto de televisão

Nº 143 – Julho 2014

Por José Renato Bergo*

ARTIGO

O crescimento do share da televisão por assinatura, as intervenções de políticas públicas de incentivo e proteção ao conteúdo nacional via Lei 12.485 – lei da TV paga – permitiram aos produtores independentes brasileiros a oportunidade de cruzar a linha primária que os limitava.

Oconceito “episódio piloto”, como o conhecemos, nasceu nos Estados Unidos em meados dos anos 1950 quando grandes redes americanas como ABC, CBS e NBC começaram a comprar produtos de terceiros, muitos indicados por agências de propagandas que precisavam testar uma audiência muito sensível às inclinações sociais. Dada às regras sociais estabelecidas à época, uma pessoa de cor, por exemplo, surgir como protagonista em um programa de costumes femininos poderia comprometer o faturamento da emissora porque anunciantes sentiam-se ligados a temas não pertinentes à sua marca. Assim, os pilotos eram em grande maioria “estudos de casos”, e representavam uma régua mensurável onde o investimento publicitário deveria ser colocado no ponto mais alto.
A indústria de TV americana detém processo definido para a execução e compra de pilotos de televisão. As maiores redes possuem processos de submissão de projetos e um time de profissionais que pré selecionam um número definido de scripts. Os showrunners das ideias são convidados para pitchings e devem vender “na garganta” o conceito, a abordagem e a dinâmica destas propostas e que poderão vir a ser uma série de televisão. Mas até aqui nada de piloto!

Somente as ideias mais alinhadas ao perfil e a rentabilidade da rede, além de aderentes às variáveis como atualidade, formato inovador ou abrangência de público passam à segunda fase onde os responsáveis recebem uma bolada de investimento para produzir o piloto. Isto se dá após uma negociação de cessão de direitos autorais e que futuramente passarão a propriedade do canal/rede – apesar de às vezes manterem percentuais para os showrunners. Destes, os que “funcionam”, tornamse série contratada por uma ou mais temporadas. No cenário nacional independente o processo de contratação de piloto de TV praticamente não existe. A variável fundamental que define isto passa pelo direito autoral da ideia, e aqui, as emissoras e redes, não podem ser “donas” do projeto. Isto as deixa pouco confortáveis para financiar um produto que não possuem direitos de autor, e talvez nem venham a ter o de propriedade.
De fato a legislação brasileira protege a soberania nacional no que se define como “produto audiovisual brasileiro”; e não propõe abrir mão disto; mas isto estabelece um impasse. Os autores brasileiros são os empreendedores de fato e de risco da ideia, criando e produzindo o escopo inicial da pesquisa e do desenvolvimento de modo empírico – tentativa e erro -, já que a grande maioria não dispõe de grandes recursos para fazer de modo eficiente esta etapa. Por outro lado, os canais exibidores de TV por assinatura em maioria estrangeiros e americanos “sambam bem quadrado” quando apostam na virilidade de uma ideia nacional via piloto. Eles simplesmente não investem e esperam que ideias alinhadas às suas grades de programação; e principalmente as que já venham com uma linha de financiamento resolvida; caiam no colo e então iniciam longo processo de contratação que muitas vezes gera expectativas doentias nos produtores.
De fato, na perspectiva destes canais que historicamente somente precisavam “nacionalizar” produtos vindos de fora e agora se vêem obrigados a adquirir ou a co-produzir conteúdos nacionais; desembolsar qualquer valor para o desenvolvimento de pilotos-testes sem serem donos da ideia gera uma dor de cabeça que não pretendem para si. Isto não é de se culpar, vendo pelo viés do capital.
Mas observando dados da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), percebe-se a evolução quantitativa mensal de conteúdo brasileiro e nos dá a sensação que tem começado a valer a pena produzir na nossa língua. O órgão atento a este gargalo do inicio do funil, dispôs através do Fundo Setorial Audiovisual, do dispositivo onde o proponente poderá se beneficiar para desenvolver ideias, pesquisar conceitos, fazer pilotos e testar formatos respeitando algumas regras de classificação.
No gráfico a seguir, vemos que canais de filmes – Telecine, AXN, TNT – conseguiram adaptar-se melhor no período, adquirindo longas-metragens brasileiros prontos e aptos a veiculação. Exceção é o canal HBO, que investiu em oito séries nacionais, os demais apenas mantém-se na cota ou abaixo dela.

Mas por quê fazer um piloto? Pulando do foco político-econômico para o foco criativo-produtivo, minha opinião é que precisamos essencialmente pulsar sobre o tema porque não se pode fazer uma “ficção ufológica” sem alguém que seja adicto e meio doido por isto. Antes de decidirse em produzir um piloto, veja vídeos, discuta, leia e pesquise teorias e práticas da coisa e então faça um projeto, porque pode parecer óbvio, mas “uma ideia e um roteiro não são um projeto”.

A estrutura
O mercado profissional brasileiro audiovisual é de risco e muitas vezes bem oneroso para quem empreende, e, se este for seu caso, não se furte de contar com o apoio espontâneo de seus colaboradores ou parceiros. Apesar da frágil promessa do “lá na frente”, meio caminhão de projetos chegaram a algum lugar; e isto me lembra a retomada do cinema nacional via Curtas-Metragens que era caminho para fazer algo independente na década dos prêmios estímulos no final dos 1980, meados de 1990. Fazer um curta com e para amigos nesta época era uma curtição inocente, e nos deixava duros como sempre, mas se pensarmos em perspectiva do passado para hoje, veremos que o audiovisual do cinema ganhou maturidade e já não é tão mais inocente assim.
Nesta análise, você não necessariamente precisará de modernos equipamentos digitais de captação para fazer um bom piloto, mas é importante; seja ficção ou documentário; que o resultado gráfico tenha qualidade Full HD pensando que estamos na atrasada transição para TV Digital e há poucos frames do 4K. Se não contar com uma câmera RED, há equipamentos híbridos de captação portáteis e que resultam em boa impressão quando bem manuseados. Mas você deve ir além, se houver condições.

Uma história em múltiplas plataformas

Se seu projeto se direcionar a formatos inovadores de engajamento transmídia, o conhecimento técnico e tecnológico para a demanda vai contar muito na execução desta empreitada, e então siga a premissa de contar com profissionais capazes oferecendo parcerias societárias ou compensações justas. Esta coisa técnica será provavelmente o cérebro da história. Um case estrangeiro que alinha conteúdo à tecnologia é Time Tremors. Uma série multiplataforma no formato tvgame no modelo “Wacht, Collect and Play” para público infantil (5 a 8 anos).

Pichting, Promo e Piloto
As oportunidades de pichtings em eventos ou editais do setor audiovisual estão crescendo aritmeticamente, bem como plataformas on-line de submissão de projetos que as redes têm disponibilizado. E isto facilita o aprouch entre players de produção e exibição. A edição do Rio Content Market deste ano contou com um número considerável de quick apresentações e pitchings de projetos. Todos estes agentes estavam dispostos a fazer pesquisas e negócios em variados estágios, como venda, busca de coproduções, além do entendimento das complexas regras de financiamento público. Estive por ali para circular e assistir painéis sobre perfis de canais, coisa realmente importante para quem quer estar na área. Minha atenção se prendeu nas apresentações de pitchings, onde o proponente tem um pouco mais de sete ou oito minutos para convencer a plateia que a ideia dá caldo.
Nas rodadas de pitchings, vi formatos arrojados sem piloto, como a série ficcional “Confinados” de Marcello Muller e Benjamin Avila da Academia de Filmes, para escopo de exibição diária; e o documental: “Eu me Movo” da Sentimental Filmes, onde atletas paraolímpicos descrevem suas bem aventuranças num mundo não adaptado às suas necessidades. Nesta mesma edição do RCM esteve Nelson Hoineff , diretor geral do Festival Internacional de Televisão – FITTV, evento que acontece no segundo semestre no Rio de Janeiro e que tem em sua pauta uma mostra competitiva de pilotos para televisão. O evento procura ser vitrine para pilotos feitos de modo independente; muitas vezes sem visão sistêmica do processo de contratação que buscam contatos com grandes players, sejam produtores ou exibidores.
Participei da última edição deste festival com um piloto para televisão sobre a “cena biker” nas urbes brasileiras. Meu piloto, finalista da mostra documental sofreu ajustes pós-exibição e me levou a um pré-contrato com uma grande produtora. Está agora nos corredores das redes para avaliação e esperando ser a bola da vez.
Em resumo, estes exemplos citados ajudam a confirmar que a ideia deve ter projeto estruturado e que existem outros modos eficazes de contar a história como promo ou pitching e nos faz perguntar se precisamos ou não de um piloto? Depende. Depende se possuímos know-how sobre o tema, se o projeto está bem embasado, se a produtora possui recursos ou ainda, se você possui fortes laços com uma emissora. De fato, nem sempre produzir um piloto garante algo concreto. Na maioria das vezes ajuda apenas a colecionar experiências, a testar a ideia e a competência de sua produção. O que já é suficiente para dizer “faça”!

*Colaboraram: Rodrigo Arnaut e Daiana Sigiliano

José Renato Bergo Experiência em planificação, direção, produção e coordenação de projetos de comunicação audiovisual. Graduado em Artes pela FAAP-SP e Pós Graduado em Mídias Interativas – Senac-SP

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