Channel Opportunity?

Nº 142 – Junho 2014

Por Francisco Machado Filho* em Las Vegas

NAB 2014

Em um mercado em transformação quais são as reais oportunidades de negócio para a indústria televisiva no Brasil?

Otema do congresso da NAB 2014 trouxe para o debate as oportunidades que o mercado americano de televisão poderá vir a ter com a integração dos sistemas broadcasting e broadband. Televisão e internet estão cada vez mais parecendo uma coisa só e é preciso se adaptar a esta realidade. Contudo, será que as mesmas oportunidades estão presentes nos mercados americanos e brasileiro de televisão? É evidente que não. Apesar do modelo de negócio ser o mesmo nos dois mercados há diferenças importantes, criando oportunidades diferentes ou prioritárias para cada um deles.
Nos Estados Unidos, estão sendo criadas as condições necessárias para que o conteúdo televisivo seja entregue via broadband. A FCC permitiu o acordo entre operadoras de internet a negociar contratos com empresas de OTT para entrega mais rápida do seu conteúdo, o ATSC 3.0 prevê a TV Híbrida, a mobilidade e interatividade, além de fusões entre empresas de telecomunicações e operadoras de cabo.
Já no mercado brasileiro temos uma realidade diferente. Aqui, a televisão aberta se mantém a frente dos outros veículos no investimento publicitário, está presente em quase a totalidade dos domicílios, a maior parte de sua programação é de conteúdo nacional e a migração do conteúdo televisivo para a internet ainda é lenta. Contudo, é evidente que o mercado brasileiro não pode ser acomodar. As transformações nos mercados internacionais caminham rápido em direção ao Brasil em tempos de globalização.
Está claro que este cenário não irá durar por muito tempo. Mas, o que fazer? Quais são as oportunidades de negócios dentro de um modelo que ainda gera a viabilidade econômica para as emissoras e lucro? A resposta é complexa, pois está diretamente ligada à gestão das empresas e a visão de futuro que as emissoras querem para si mesmas, contudo, podemos apontar um caminho que alie o modelo de negócio atual às políticas de comunicação traçadas pelo governo federal na implantação da TV digital terrestre no Brasil. Para trilhar este caminho será preciso um novo posicionamento da indústria televisa no Brasil. O Brasil deve se tornar um exportador de conteúdo televisivo.
Os programas de TV produzidos no Brasil sempre tiveram uma boa aceitação no mercado internacional, via de regras, as novelas e sérias de ficção. Mas, por outro lado sempre importou muitos programas estrangeiros. Sejam as telenovelas mexicanas, os “enlatados” americanos dos anos de 1980 e mais recentemente os games e reality shows, a programação das emissoras abertas no Brasil sempre contou com uma parcela significativa de conteúdo estrangeiro. Agora é a vez do conteúdo nacional se tornar um produto de exportação que seja capaz de amortizar a perda de publicidade para a internet.
Um ponto comum a todos os participantes do congresso da NAB 2014 é que de que a TV aberta em pouco tempo concentrará sua programação nos programas ao vivo. Os programas gravados deverão se deslocar cada mais para a internet pelo serviço On demand.
Pesquisas e estudos de comportamentos da audiência vem apontando esta possibilidade e, se assim se concretizar, a estrutura de produção das emissoras poderá se tornar cara demais para ser mantida. A alternativa será desmontar essa estrutura e terceirizar a produção. A não ser que as emissoras se posicionem para atender outros mercados. E um destes mercados esta sendo formado sem ações específicas, do ponto de vista da produção de conteúdo, para se aproveitar esta nova oportunidade de negócio. Este mercado conta hoje com 16 países que adotaram o padrão digital brasileiro para a TV aberta.
Além de outros que já demonstraram interesse.
O grande diferencial deste mercado é o uso do Ginga. A interatividade que até agora não foi utilizada em larga escala nem mesmo aqui no Brasil, poderá ser o grande diferencial para os produtos audiovisuais produzidos diretamente para estes países. Mas não apenas produtos brasileiros exibidos nas emissoras estrangeiras, produtos feito sob demanda e que não necessariamente sejam exibidos em território nacional. Como há o interesse político na adoção destes países, políticas de incentivo à produção e exportação de conteúdo poderiam ser editadas baixando os custos de produção.

Caso as emissoras abertas não se interessem por este mercado, é possível que as produtoras independentes o façam. A Brazilian TV Producers – (BTVP) – programa sem fins lucrativos que tem como meta promo ver novas oportunidades de coprodução, desenvolver parcerias internacionais e estimular o setor de produção audiovisual brasileiro nos mercados nacional e internacional, nasceu da parceria entre a Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPITV) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC).
A entidade afirma que “de acordo com dados da Ancine, logo depois que a Lei 12.485 entrou em vigor, em setembro de 2012, a quantidade de programas nacionais mais do que triplicou. Desde esse momento até o 2º semestre de 2013, houve aumento de 290% no número de Certificados de Registro de Títulos para segmento de TV paga”. Desta forma, o mercado independente de produção está se fortalecendo e se profissionalizando. Não irá demorar muito para que as produtoras brasileiras também identifiquem o promissor mercado formado pelo padrão ISDB-Tb.
Erick Butron, professor do programa de Pós-graduação em Comunicação Estratégica da Universidade Andina Simón Bolívar na Venezuela e autor do livro “La Televisión Digital Terrestre en Bolivia: Retos para la recién llegada” também aponta essa potencialidade do Brasil na produção de conteúdos audiovisuais para a TV digital aberta. A Bolívia é um dos países que adotou o sistema brasileiro. Por e-mail Butron respondeu ao seguinte questionamento:

Revista da SET: Com a maior penetração dos canais pagos e online a TV aberta mundial tem apresentado uma programação de qualidade técnica e estética questionável.
Muitas emissoras preenchem sua programação aberta com programas de compras, reprises, programas locais apelativos etc. Já a televisão aberta no Brasil possui uma programação aberta de televisão ainda com uma boa qualidade técnica e estética. Você acredita que a indústria de televisão aberta no Brasil poderia se tornar uma grande produtora de conteúdo para os países que aderiram ao padrão Brasileiro de televisão digital, oferecendo programas para as emissoras abertas com qualidade e interatividade?
Erick Butron: O potencial de produção de conteúdos que tem o Brasil não pode ser negado. Basta lembrar a aceitação das telenovelas brasileiras em mercados audiovisuais de grande concorrência como o dos Estados Unidos e da Europa. Asia, entre outros lugares. Em tempos de televisão digital aberta (Terrestre), onde já estão definidas as zonas continentais para as quatro normas de TV Digital – com um continente cativo como africano – o mercado natural para a produção brasileira de conteúdos interactivos é o continente americano que, no geral, tem sido – e ainda é – um grande consumidor de conteúdos norte-americanos, europeus e no último tempo asiáticos; adicionalmente se experimenta a circulação de conteúdos de origem argentino, colombiano, chileno, mexicano e peruano quedando relegados os conteúdos venezuelanos – importante em algum momento – e muito poucos ou nulos são os conteúdos chegados de Equador, Paraguai, Bolívia, Uruguai, Panamá e as Guianas. Isso esta relacionado ao mercado de conteúdos audiovisuais onde o Brasil tem uma clara vantagem”.
Além do mercado criado pela adoção do padrão brasileiro de TV Digital, há o mercado natural dos países membros da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, formada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Portanto, o Brasil tem plenas condições de se tornar um centro de produção audiovisual para o mercado internacional, maior do que o atual, pois possui profissionais altamente capacitados, infraestrturua física adequada e tecnológica competitiva. É uma questão de gestão e de vontade política, que infelizmente nem sempre caminham juntas.

*Prof. Dr. Francisco Machado Filho é docente do curso de Jornalismo da UNESP FAAC/Bauru-SP