Características técnicas e sensoriais dos vídeos em 360°

Coluna ABTU

A partir desta edição, a Revista da SET, partilhará algumas experiências desenvolvidas pela Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), onde os professores, profissionais e engenheiros que compõem a entidade dissertarão ao respeito de alguns trabalhos e analises relevantes para a produção de conteúdos audiovisuais.

Estes conteúdos estão inseridos dentro das tecnologias denominadas imersivas e tem sido objeto de aplicações em diversas áreas como o jornalismo, a publicidade, turismo e no campo corporativo. Neste trabalho são apresentadas as características técnicas necessárias para uma boa gravação de vídeos 360o, um pouco de sua história e a questão sensorial de como o cérebro interpreta esse tipo de imagem. Ao final são descritas algumas experimentações realizadas na Universidade do Vale do Paraíba, Brasil, em aulas  de produção audiovisual com alunos de graduação do Curso de Rádio e TV da instituição.

por Fernando Moreira e Felipe Soriano

Desde o início da “era da mídia social”, os conteúdos audiovisuais são cada vez mais consumidos e demandam hoje o maior trafego da internet. Em todas as suas formas, do Facebook ao Instagram, o conteúdo de vídeo é a tecnologia preferida por diversos segmentos, desde o amador até os departamentos especializados em marketing criativo.
O vídeo em 360° permite que um usuário assista a um vídeo gravado e, ao mesmo tempo, dá a esse usuário a liberdade de controlar o ângulo de visão em um campo de 360 graus. Essa interatividade simula a experiência de “estar lá”. O espectador pode olhar livremente ao redor e experimentar todos os detalhes do ambiente.
Um pouco diferente da tecnologia de realidade virtual ou VR, que também permite movimento e interação “independentes” com objetos no ambiente, o vídeo de 360 graus é, ainda assim, uma maneira incrivelmente imersiva de criar conteúdo de vídeo, e é fácil entender por que a tecnologia é considerada por alguns como uma forma de realidade virtual (RV). Os formatos imersivos certamente podem ser mais eficazes do que o vídeo tradicional na criação de uma resposta emotiva em pessoas envolvidas nessa experiência. Como o espectador pode escolher interagir com a tecnologia com liberdade para escolher o conteúdo e a maneira como o visualiza, o envolvimento é bastante aprimorado. Novos avanços em dispositivos móveis como o Apple iPhone 8 e o Iphone “X” facilitam ainda mais o ajuste do telefone para alterar a perspectiva.
Segundo um estudo apresentado no site Yume (www.yume.com) em março de 2018, realizado pela empresa norte americana RhytmOne em conjunto com as empresas MAGNA e @IPG, no qual foi oferecido aos consumidores uma perspectiva de propagandas em vídeos 360° de marcas inovadoras como BMW, Royal Caribbean e a rede de TVs públicas norte-americana PBS, o uso dos vídeos 360° na propaganda aumentam o engajamento dos usuários, apesar de ainda não serem muito popularizados, conforme o gráfico sobre usuários de realidade virtual abaixo, mas que demonstra o grande crescimento e a expectativa para o ano de 2019. (YUME, 2018) ver gráfico em baixo.
A pesquisa apresenta resultados baseados no estudo de produções audiovisuais realizadas para as três marcas: BMW, Royal Caribbean e a rede de TVs publicas norte-americanas PBS e demonstra que os vídeos em 360 graus tem o grande potencial para apresentar produtos e marcas de forma inovadora, aumentando a experiência com o assunto criando uma sinergia marca/usuário. Apesar da pesquisa colocar as tecnologias de realidade virtual e vídeo em 360 graus em uma mesma perspectiva, afinal ambos os vídeo fazem parte das tecnologias denominadas como imersivas, esses últimos não são exatamente de realidade virtual, e no decorrer deste texto serão explicadas as diferentes características de cada tipo de vídeo imersivo.
De acordo com Vinni Quast, CEO da Quast Media, uma agência de publicidade digital norte-americana, as razões são claras, pois de acordo com a Hootsuite, plataforma de gerenciamento de mídias sociais, os vídeos 360° usados em marketing on-line têm uma taxa de cliques muito maior, bem como um aumento significativo no número de visualizações e compartilhamentos quando comparado com vídeos em formato padrão. De fato, um estudo recente do Google revela que os vídeos 360° têm 42% mais chances de serem compartilhados do que os vídeos comuns. Isso resulta em maior engajamento e aumento na eficiência de custos. 360 aplicações de vídeo e VR estão aqui para ficar, e capacitar empresas de todos os tipos para proporcionar aos telespectadores com uma visão de 360 graus de tudo o que eles têm para oferecer. (QUAST, 2018)

Para a produção de vídeos deste tipo são necessários equipamentos especiais, câmeras que gravam diretamente em vídeo as imagens em 360 graus, ou conjunto de câmeras ou mesmo de imagens capturadas por uma câmera única, que após processos de pós-produção se transformam em imagens de 360 graus. Mas vale a pena salientar que o que realmente tornou possível a disseminação dessa tecnologia foi a difusão via web através de espaços de grande alcance público, como youtube. com e facebook.com, e a consequente facilidade para a reprodução. Hoje existem 3 formas de reproduzir e assistir a um vídeo em 360 graus:
DISPOSITIVOS MÓVEIS – esta é a plataforma mais utilizada e requer a instalação de um aplicativo e o dispositivo, principalmente os smartphones que dispõe de acelerômetros (os modelos mais sofisticados), funcionam como uma janela para o tipo de vídeo 360 graus esférico. Com a utilização de acessórios simples como o Google Card Board, um suporte de papelão para colocar smartphone que pode ser montado em casa, ou ainda um suporte de plástico pré-moldado, este funciona como a tela de um headset, sem o alto custo de um headset com tela própria. Exemplo: https://www.yume.com/ad-gallery/360-degree-video

COMPUTADORES DE MESA OU PORTÁTEIS – A segunda forma mais popular são os computadores de mesa (desktops) ou portáteis, mas ao invés do movimento físico que é possível com o telefone, utilizasse o mou-se ou, no caso de touch screens, os próprios dedos para rolar a imagem em todos os ângulos. Exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=qcOTkN-yyB0
HEADSETS – cada vez mais os headsets estão sendo utilizados para assistir aos vídeos 360°, seja no tipo que utiliza o smartphone como tela, seja em modelos sofisticados como nos modelos Oculus Rift e HTC Vive, que dispões de telas próprias para vídeos 360° e realidade virtual.
Quando falamos de vídeos em 360 graus existe a necessidade de diferenciar os conceitos relacionados a experiências imersivas, como aquelas que envolvem a participação ativa do usuário e uma participação relativa do usuário, como já denominado de ambientes imersivos interativos e não interativos. Dessa forma, diferentemente das experiências de realidade virtual interativas, o vídeo em 360 graus significa uma experiência de imersão com participação relativa, visto que o usuário é colocado no centro da cena sem ter um avatar incluído no vídeo ou que sua movimentação gere mudanças de perspectiva nas imagens, como aproximação ou afastamento dos objetos, fazendo com que o usuário apenas possa mudar o ângulo da observação.
Da mesma forma esta experiência de relativa imersão permite ao usuário interagir de duas maneiras com o vídeo, via óculos de realidade virtual e a utilização de dispositivos que possuem acelerômetros que servem como telas de exibição, como muitos tipos de smartphones, quando o usuário ao movimentar a cabeça pode observar o vídeo e seus diversos ângulos, sempre à partir de uma posição central ou realizar a interação em ambientes não imersivos (sem a utilização de óculos para VR), como telas de smartphones, tablets ou mesmo computadores, quando a interação se dá através da utilização dos dedos, em telas sensíveis ou touchscreens, ou pelo mouse do computador.
Na interação ativa o usuário pode movimentar-se pela cena com uma visão subjetiva ou como um avatar, como nas experiências proporcionadas pelos videogames, com personagens em primeira pessoa. Esse tipo de interação não se trata de vídeos 360 mas de realidade virtual, uma complexa produção em computação gráfica e de sensores acoplados ao corpo, segurados pela mão do usuário ou ainda sensores que mapeiam por câmeras a figura do usuário (como no sistema kinect da empresa Microsoft).
Um vídeo com 360 graus pode gerar uma experiência imersiva sem ser um produto especificamente de realidade virtual, na verdade um vídeo 360° é uma forma imersiva de apresentar a própria realidade, ou seja, o vídeo 360° trata-se de uma captação de um ambiente real, por uma câmera especial que possui duas lentes com grande angular ou por várias câmeras dispostas em dispositivos especiais com 2 até 16 câmeras que utilizam sofisticados softwares de que reúnem todas as imagens como se fossem uma só, são utilizados apenas para gravações, ou seja, que não envolvam transmissões ao vivo, dessa forma é possível até utilizar uma única câmera e fazer várias imagens e depois fazer a interpolação via software. Essa é uma das técnicas mais antigas é a chamada de stitching de imagem ou de fotografia, existente até em aplicações para smartphones e consiste no processo de combinar várias imagens fotográficas com sobreposição de campos de visão para produzir uma imagem panorâmica única ou ainda uma imagem de alta resolução e também imagens em 360 graus. Alguns softwares atuais utilizam algoritmos que utilizam técnicas com o recurso de HDR (High Dynamic Range) nas regiões nas quais existe a sobreposição (espaço limite das lentes que se sobrepõe a imagem da outra lente ou câmera) e que produzem imagens com uma transição imperceptível, através de técnicas automatizadas por essa tecnologia que grava ou fotografa pelo menos duas imagens, com exposições de luz diferentes, mais clara e mais escura, para garantir a melhor imagem possível.

Com relação a história do que seja a realidade virtual (VR ou Virtual Reality), podemos passar por uma genealogia que está relacionada as representações da arte, da ciência, da literatura, da religião, do teatro, da fotografia e do cinema. As primeiras técnicas para criar experiências imersivas em filmes geralmente envolviam juntar manualmente várias câmeras tradicionais e, em seguida, projetar os vídeos das câmeras de forma independente em várias telas em torno do público em um espaço de teatro especialmente projetado. Um exemplo disso é o Circle-Vision 360°, da Walt Disney, que ainda hoje é uma atração popular na Disney World. (SHUKLA,2018)
Todas as técnicas, antigas e atuais, envolvem questões sensoriais em diversas formas, que nos transportam a outras realidades ou mundos virtuais, porém, segundo uma visão mais tecnológica, a sensação multisensorial de que falamos hoje como realidade virtual, só foi possível a partir do século XX com o desenvolvimento das tecnologias informáticas. Burdea (1996:25 apud LÓPEZ-PELISSA, 2015) diz que realidade virtual é a integração entre imersão, interação e imaginação. A imersão está baseada em um espaço digital no qual se cria a ilusão da realidade. Uma das principais características dessa ilusão da realidade é que deve parecer real e por isso imersivo, como o vídeo 360° é na verdade a gravação do real isso o caracteriza de forma inequívoca como uma tecnologia imersiva.
Segundo Diego Levis (1997/2006 apud LÓPEZ-PELISSA 2015) existem três fases no desenvolvimento da realidade virtual: a passiva, a exploratória e a interativa. A primeira diz respeito a ambientes imersivos não interativos nos quais podemos ver e ouvir mas sem a possibilidade de manipular e controlar o ambiente digital que pode estar em movimento. A exploratória permite navegar pelo espaço digital, como nas visitas digitais aos museus e por último a interativa que permite navegar e interagir no espaço digital em tempo real.
Essas questões relacionadas as questões sensoriais e perceptivas são destacadas por Teresa Lópes-Pellisa, (LÓPES-PELISSA,2015:70) quando realiza um diagnóstico da  , comparando a percepção da realidade virtual a patologias conhecidas como a esquizofrenia e considera a realidade virtual e suas variações, que geram uma sensação de confusão e mesmo de uma bipolaridade como uma esquizofrenia nominal. Ainda segundo a autora a esquizofrenia nominal é um sintoma comum, pois o termo realidade virtual se converteu em um sintagma popular, junto ao conceito de ciberespaço e aparece como um hiperônimo de tudo que se refere ao campo da informática. Outra analogia utilizada pela autora como patologia é a Metástase, como um foco cancerígeno que se espalha para outro orgão distinto de onde se originou, como uma metáfora da propagação, penetração, proliferação e invasão de simulações ou simulacros no que chama de “tecido” do real.
O aumento da popularidade dos vídeos em 360 graus aumentou consideravelmente depois de 2015, quando o facebook.com lançou a possibilidade de assistir vídeos 360°, inclusive ao vivo. O youtube.com, na mesma época, apresentou a ferramenta de reprodução em 360° e em 2016 deu início a possibilidade de upload de vídeos com essa característica. Já neste mesmo ano empresas como New York Times, The Guardian, NBC News, BBC passaram a oferecer conteúdo regular (SHUKLA,2017).
Tipos de gravação em 360 graus
Gravação Monoscópico com uma ou duas lentes – é a gravação normal em duas dimensões, com a utilização de câmeras especiais com uma ou duas lentes
Estereoscópico – esta gravação é realizada com duas câmeras ou câmeras especiais com duas lentes estéreo e produz além de imagens em 360° o efeito de 3 dimensões, com profundidade entre primeiro e segundo planos. Dependendo do ângulo entre as lentes é obtido o efeito tridimensional para dentro da imagem ou para fora.

Nos dois tipos de gravação é possível utilizar câmeras independentes que depois via software de pós-produção pode realizar a junção digital das imagens para formar a imagem em 360 graus. Uma característica da realidade virtual é que o usuário ao assistir ao vídeo é como um fantasma na sala e que tem tudo a ver com perspectiva, então é necessário tratar a câmera como um personagem, não como um simples objeto, como não existe enquadramento, não é possível indicar ao espectador, ou usuário, para onde deve dirigir o olhar (CONNOLY, 2017-26). Esconder a câmera, quando utilizada a captação diretamente e câmeras 360° é outra preocupação. A técnica mais utilizada é com tripés, ou elementos de suporte, com diâmetro reduzido, as vezes com bases circulares. Quanto menor os elementos abaixo da câmera mais difícil será identificá-los. Muitas vezes um simples tratamento na imagem elimina quase que completamente a presença de algum elemento de suporte.
Movimentos de câmera, se existirem, devem ser feitos em uma velocidade uniforme, sem aceleração ou reduções bruscas, para não criar uma sensação de desequilíbrio. O cérebro transmite as informações que o olho enxerga como reais, gerando sensações de realidade ao que se enxerga, mesmo que outros sentidos não recebam a informação correspondente. Este processo se dá por que a visão é o sentido responsável pela maior quantidade de informações que o cérebro recebe e o mais desenvolvido, pessoas que tem baixa visão acabam desenvolvendo os sentidos de audição, olfato e tato como forma do cérebro compensar a falta do estímulo visual. Em várias situações percebe-se a utilização da câmera fixa, o que difere é a altura de forma a enfatizar um posicionamento do espectador como integrante da ação, altura baixa ou normal, ou como observador, câmera mais alta que o normal. A câmera acoplada ao corpo permite a visão objetiva do personagem num modelo próximo a uma imagem regular, assim como a subjetiva, o problema é que essa imagem subjetiva, principalmente quando do uso de óculos de imersão, podem gerar muito desconforto ou desequilíbrio.
A movimentação horizontal dos personagens é uma alternativa interessante para revelar os elementos de um cenário ou uma situação, mas apenas como indicação visto que a qualquer momento o espectador pode virar seu ponto de vista. Não se deve fazer uso demasiado dos movimentos horizontais, depois de alguns movimentos o espectador não persegue mais o personagem e assume o controle indo contra o movimento para explorar o espaço. Na maioria das vezes a ocupação da visão do espectador se dá apenas nos 180 graus, assim é indispensável a utilização de elementos que levem a atenção para determinada posição, o som dentro de uma estética espacial com utilização de estéreo para direcionamento lateral do volume, compressão e equalização para profundidade podem também ser utilizados, o som 5.1 é ideal. A questão é como adequar isso aos aparelhos que não possuem este recurso.
Os elementos textuais ou icônicos e informativos que podem ser sobrepostos a imagem variam de profundidade sentida pelo espectador de acordo com o tamanho e mesmo com a utilização de camadas, utilizando por exemplo o Adobe After Effects, por exemplo, pode-se dar a esses elementos uma maior impressão de realidade.

O som
Quanto ao áudio pode ser estéreo ou Binaural? A gravação do som binaural existe desde o início da criação da sensação do som em estéreo, quando Clément Adêr, inventor francês e um dos pioneiros da aviação mundial, transmitiu a Ópera de Paris para uma exposição em 1881, por meio de uma invenção chamada Théâtrophone. Os visitantes da Exposição de Paris ouviam usando dois fones de ouvido alimentados separadamente por diferentes microfones no teatro. Os aparatos para gravar o som binaural geralmente envolvem alguma forma de cabeça fictícia, ou dummy heads, e isso pode variar de um modelo real de uma cabeça humana com microfones em seus ouvidos para algo mais estilizado, isso por que o som Binaural procura emular como realmente ouvimos. O som resultante é surpreendentemente bem ouvido quando se ouve através de alto-falantes, e pode ser dramaticamente eficaz quando ouvido em fones de ouvido (fones de ouvido aberto funcionam melhor do que os fechados). Este tipo de reprodução gera um som totalmente tridimensional. No entanto, afirma-se que apenas 60 por cento da população pode tirar o melhor proveito do sistema e outra parte obtém menos resultado e ainda outros que tem a percepção de que tudo que parece estar vindo de trás do ouvinte. (PERRY, 2003-105). Os caminhos das orelhas ao cérebro são separados, isto é, cada orelha converte o som que o alcança em impulsos elétricos, de modo que os sons das duas orelhas misturam no cérebro não como vibrações físicas mas como sinais elétricos.
“Esta diferença na percepção tonal entre as duas orelhas, chamada diplacusis, geralmente não é um problema. Um tipo de batimento conhecido como batidas binaurais às vezes pode ser observado quando os dois tons são apresentados binauralmente”. (BERG.pag.11)
Outro formato é o som Surround, uma técnica para enriquecer a qualidade de reprodução de som de uma fonte de áudio com canais de áudio adicionais de al-tofalantes que cercam o ouvinte (canais surround). Convencionalmente, o áudio é ouvido nos alto-falantes. Normalmente, existem dois deles, mas para sistemas de som surround como o Dolby Stereo, haverá mais. Esses sistemas surround usam codificadores / decodificadores especiais para executar efeitos de fase com som de dois canais ou usam vários canais. O DVD foi padronizado em um sistema surround de 5.1 channel. O sexto canal é de baixa largura de banda, adequado apenas para transmitir audio de baixa frequência (terremotos, naves) (PERRY, 2003-106).

A iluminação
Com a gravação em 360 graus qualquer equipamento utilizado que não esteja acoplado diretamente na câmera aparece nas tomadas, assim a iluminação é um elemento delicado e a luz natural, ou do próprio ambiente é aconselhável. Em ambientes fechados pode-se trocar as lâmpadas por tipos mais adequados e mesmo esconder equipamentos pequenos do tipo LED atrás de plantas, cadeiras, móveis etc. ou simplesmente utilizar as luzes que já existem em uma cena, tais como lâmpadas de cabeceira, luzes de teto, candeeiros de mesa etc. Outra forma é fazer a iluminação convencional e na pós-produção “apagar” esses elementos na imagem, essa técnica é chamada de clean plating.

Contando estórias em 360 graus: experimentos
Ao criar os roteiros para vídeos de 360 graus partimos da sinopse diretamente para o planejamento espacial. Sem planos a serem escolhidos nos resta o trabalho de planejar o posicionamento dos personagens dentro de um plano único, porém também determinado pela distância que o objeto ou pessoa se encontra da câmera, seu posicionamento, principalmente no início do vídeo bem como os movimentos, da câmera e internos à imagem. Alguns softwares permitem a inserção de elementos em camadas que permitem agregar informações textuais e ou icônicas que servem como elementos direcionais da atenção, de forma a indicar ao espectador qual deve ser a direção da atenção.
Em uma observação simples realizada durante eventos nos quais foram utilizados vídeos 360° demonstrativos realizados com alunos de graduação foi possível observar que crianças com idade inferior a 10 anos que utilizaram os óculos de realidade virtual tentam participar da ação dos vídeos e se movimentam na expectativa de ver uma mudança da perspectiva, já os adolescentes e adultos simplesmente realizavam os movimentos de cabeça entendendo de forma natural que estavam no centro do vídeo. Como a percepção visual tem dominação sobre outros sentidos, ainda mais quando utilizamos o áudio em conjunto, a impressão de realidade ao o que se assiste ganha junto ao cérebro uma verdade dominante sobre os outros sentidos, gerando aumento de pressão arterial e problemas de desequilíbrio ou outros tipos de reação somente percebidas em situações reais.
Daí a grande preocupação quando da criação dos vídeos de acordo com as possíveis reações percebidas e suas implicações junto ao bem estar do usuário. Além disso, como em qualquer produção audiovisual, é importante perceber que o vídeo só vai atingir seu objetivo se forem atendidas as necessidades em garantir uma experiência agradável a quem assiste.
Nas experiências realizadas em sala de aula, com alunos de graduação do Curso de Rádio e TV da Universidade do Vale do Paraíba – Univap, utilizamos algumas técnicas para o aprendizado de gravação em 360 graus:

1) Utilização de câmera normal (ou objetiva) a movimentação de personagens para orientar a direção na qual
o usuário deve olhar
2) utilização de visão subjetiva com câmera acoplada ao corpo e objetiva para garantir dois ângulos diferentes de observação sem a necessidade de utilização de múltiplas câmeras
3) utilização ao menos de áudio estéreo (ou de forma mais sofisticada com o áudio binaural), como forma de direcionar o olhar do usuário para determinada direção.

Foram realizados quatro (4) vídeos, com objetivos diferentes, para demonstrar essas técnicas, esses vídeos podem visualizados nos links colocados no final do artigo.
Outro experimento no uso prático da gravação de imagens em 360 graus, foi a produção de um programa piloto voltado ao público infantil. A célula base foi a adaptação de um roteiro convencional para dentro da imersão no ambiente de imagens em 360 graus. Na proposta, foi feito o uso de fantoches, amplamente utilizado em programas de televisão.
Para a adaptação, foi construído um cenário em 360 graus a partir de uma mesa redonda, com 1 metro de diâmetro. O roteiro original se passa dentro de um circo, ambiente promissor devido à natureza do formato de um circo real. A bancada tradicional do teatro de fantoches, que serve de coxia para esconder os artistas, é, nos programas convencionais de TV, reta, longitudinal e diretamente posicionada à frente da câmera; na maior parte dos programas, sequer é visível, ficando fora do enquadramento, muitas vezes, em plano geral e gravado com um único equipamento. No processo experimental do dispositivo 360°, a mesa adaptada recebeu um furo redondo bem no centro, local destinado ao equipamento. Isso minimiza a necessidade de “clean planting”; o restante da superfície da mesa foi adornado com fita adesiva colorida. Desta forma, a mesa se transformou em uma coxia redonda para abrigar os artistas na parte de baixo, ao mesmo tempo em que se transforma em picadeiro de circo na superfície de cima. Camuflar a mesa como picadeiro e torná-la parte da imersão 360° resolveu o problema da parte inferior da imagem.

A câmera fica fixa em um pedestal durante todo o experimento. Isso evita o problema de desorientação espacial da câmera em movimento, sensação já constatada em outros experimentos. Para completar o cenário esférico, foi costurada uma tenda com 1 metro e 60 cm, criando um espaço de aproximadamente 60 cm entre a mesa e a tenda, para acomodar os artistas. Uma das extremidades da tenda ficou sem costura para agir como porta de entrada do circo, local este que serviu de passagem para uma personagem humana, que contracenou com outras três personagens confeccionadas em pano de feltro e espuma sintética. A altura da câmera em relação à mesa e os personagens esconde o espaço entre a tenda. É importante lembrar que a altura da câmera também levou em consideração o tamanho da personagem humana, que contracenou de pé, em relação à altura dos olhos dos fantoches. Para compensar a diferença de altura entre os elementos em cena, foi colocado um calço para elevar a mesa a uma altura de 80 cm.
A distância da câmera também foi relevante, pois a lente grande angular provoca uma distorção ótica que faz com que os bonecos pareçam muito maiores do que são na realidade. Dentro da tenda, um cabo de AC com pequenas lâmpadas de natal e estrelas feitas de papel alumínio decoravam o teto. Do lado de fora, um set light de 1000 w transformou o tecido em um gigantesco difusor. Quando o cenário ficou pronto, foram realizados quatro ensaios. A captação de imagens foi feita usando uma câmera 360° de duas lentes. Foi previsto onde ficaria a zona morta da câmera, o espaço em que fica a emenda visível da imagem 360°. Por dispositivo de telefone celular, foi possível configurar o brilho, contraste, abertura da íris e o sistema de gravação. Devido às limitações do equipamento, foi utilizado o formato Full HD, 1920 X 1080.
A captação de áudio foi feita a partir de um dispositivo de gravação em MP3, que conectava os artistas individualmente através de microfones de lapela. O som foi sincronizado na pós-produção. Após a conclusão das gravações, o produto final foi assistido por quinze participantes do experimento, que relataram suas experiências.

Resultado dos experimentos do programa infantil
Na primeira gravação, ficou claro que os personagens não poderiam ficar dispostos ao longo dos 360°. O diálogo entre eles fazia com que o expectador ficasse constantemente em movimento giratório, o que provocou profundo desconforto em todos os participantes da experiência.
Na segunda gravação os artistas foram posicionados em um ângulo inferior a 180º e foi alterada parte dos diálogos para evitar que o expectador tivesse de se mexer muito. Na exibição com os óculos VR, a tenda de 1,60 cms pareceu muito maior do que realmente era e a atuação da personagem humana ao caminhar um pouco ao redor da mesa deu um certo dinamismo ao filme.
Atualmente está em desenvolvimento, com previsão de término para junho de 2018, o Projeto 241 (two for one) que envolve o uso de duas câmeras, uma convencional em alta definição (full HD) e uma de gravação em 360 graus (com resolução de 5.7K) acoplada na parte superior da câmera. O objetivo é verificar se é possível realizar com uma só equipe os dois tipos de gravações e qual será a percepção do público quanto às imagens em 360 graus em comparação com as imagens normais de gravação em relação ao nível de informação percebido e assimilado. O formato de vídeo gravado é jornalístico e estão planejadas a gravação de 5 matérias diferentes, em ambientes internos e externos.

Conclusão
O desenvolvimento técnico e narrativo das produções audiovisuais em 360° estão em um processo de amadurecimento, novos equipamentos que permitem experiências individuais e coletivas são lançados a cada dia, como projetores, telas em formatos esféricos, câmeras amadoras e profissionais, além de softwares, ou a integração de ferramentas de edição em softwares já conhecidos. Porém depois da realização desses experimentos ficou claro que nem todo tipo de narrativa é adequada ao vídeo em 360 graus. As técnicas de revelar o ambiente para o espectador, esconder na cena personagens através de imagens subjetivas, algumas das características existentes em narrativas ficcionais, aliado as dificuldades na realização de som com características binaurais e a necessidade de esconder equipamentos de iluminação e membros da equipe técnica, demonstraram que esses vídeos tem uma utilização bastante específica, que é o de colocar o espectador no centro das ações, próximo das experiências realizadas na década de 50 e 60 com o cinema verdade ou cinema direto, que tinham por característica colocar o espectador em posições denominadas como: a mosca na parede e mosca no prato, pelo fato de serem produções com características observacionais e participativas. As várias produções em formato jornalístico realizadas regularmente e postadas nos canais do youtube.com pelo New York Times, CNN e BBC nos ajudam a observar assuntos nos quais os vídeos realmente colaboram com essa sensação e outros que os vídeos convencionais seriam mais adequados. Já no mercado corporativo, publicitário e principalmente de turismo, as possibilidades de inserção do usuário em experiências imersivas com marcas e produtos, por outro lado, denotam que a aplicação dessa tecnologia tem amplo futuro nesses campos, aumentando o engajamento com marcas e facilitando experiências individuais que são muito mais onerosas, como dirigir um automóvel de determinada marca, ou visitar um museu em determinado país ou ainda conhecer uma praia deserta.

Links
Banda Rolê errado:
https://www.youtube.com/watch?v=okDhEpQuzXg&t=23s
Guerra da alienação:
https://www.youtube.com/watch?v=_LBa6lMpbEo
Conheça a TV Univap:
https://www.youtube.com/watch?v=jK7-XtUgkZQ&t=46s
Perturbação:
https://www.youtube.com/watch?v=jK7-XtUgkZQ&t=46s

Bibliografia
BERG, Richard E. Sound Physics. Encyclopedia Britannica, inc. sem data de publicação. Acessado em 8/05/2017. Disponível em Encyclopedia Britannica. Sound, Phisics. Acesso em 10/04/2018 disponível em: https://www.britannica.com/science/sound-physics/Noise#ref527376
CONNOLLY, Scott. International Cinematographers Guild Magazine. FEB/MAR 2017.VOL.88 n.o2. Hollywood. 2017
LÓPEZ-PELISSA, Teresa.Patologías de la realidad virtual. Madrid: FCE, 2015
PERRY, Roger. PC Audio Editing: Broadcast, Desktop, and CD Audio Production. Focal Press. EUA, 2003.
QUAST, Vinni. The 360-Degree Video Revolution. 08/01/2018. Acesso em 22/04/2018. https://www.quastmedia.com/single-post/2018/01/08/ The-360-Degree-Video-Revolution
ROGERS, Pauline. Lighting for VR. International Cinematographers Guild Magazine. FEB/MAR 2017.VOL.88 n.o2. Hollywood. 2017 SHUKLA, Umang. An introduction to 360° vídeo. Knightlab, 2017. Acesso em 20/04/2018. Disponível em: https://studio.knightlab. com/results/storytelling-layers-on-360-video/an-introduction-to360-video/
STUART, Henry. 360 production tips – how to light a shoot. Acesso em 01/04/2018. Disponível em http://visualise.com/2017/04/lighting-360-video
YUME. The 360° Effect. 30/3/2018. Acesso em 20/04/2018 disponível em https://www.yume.com/insights/video-advertising-research

 

Fernando José Garcia Moreira é doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, pedagogo, publicitário, profissional de Televisão, professor Universitário e diretor da TV Univap (Universidade do Vale do Paraíba), Presidente da ABTU (2015-2019). Membro do Labcom Univap, da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão, da Broadcast Education Association, da National Association of Television Program Executives e do Conselho Diretivo da Asociación de Televisones Educativas y Culturales Ibero-americanas. Contato: [email protected]

Filipe Coutinho Soriano é mestre em Planejamento Urbano e Regional. Especialista em Comunicação empresarial, Publicitário, Professor Universitário. Coordenador de produção da TV Univap (Universidade do Vale do Paraíba – Brasil). Membro do Labcom Univap. Contato: [email protected]